domingo, 27 de fevereiro de 2011

Uma sangria multicultural

Apenas com a pretensão de aproveitar a noite de sábado, saí de casa acompanhado por Murillo. Iríamos encontrar uma amiga dele que voltaria ao Brasil no dia seguinte. A festa era de outra pessoa, uma espanhola que também vivia seu último final de semana em Sydney.

Ainda não sabíamos o que esperar. Pegaríamos dois trens e caminharíamos pelo menos um quilômetro para chegar ao local, rua Arbercombrie número 68.

Questionávamo-nos se valia a pena ir até lá. Não sabíamos se estaria bom, se haveria gente suficiente para formar uma festa legal. Seria só uma reunião em um apartarmento, sem música e com pessoas íntimas tristes pelas despedidas?

A expectativa estava cada vez pior na medida em que nos aproximávamos do endereço. A rua deserta e sem luzes não parecia ser local de grandes festas. 68, chegamos. Uma casa pequena sem iluminação tampouco música. Vimos através do vidro da porta a silhueta de uma garota que nos aguardava. Era a amiga de Murillo. Fomos levados por extensos corredores. Ao longo do caminho, víamos cada vez mais gente e o som começava a aumentar. Ninguém do lado de fora poderia imaginar que havia tamanha movimentação lá dentro. Chegamos a um pátio aberto nos fundos.

- Meninos, fiquem à vontade. Podem se servir, a sangria está lá - ofereceu a paulista loirinha, apontando para uma imensa caixa térmica, no canto escuro, próxima do muro.
- Ok, obrigado. Mas o que seria a sangria? - questionei.
- É a bebida que temos hoje. É coisa dos espanhóis. Eles estão sempre fazendo - respondeu.

Eu estava com todo o braço mergulhado no líquido procurando alguma garrafa da tal bebida, quando fui alertado por uma mexicana de que eu deveria usar a concha e que aquele líquido era a sangria. Tirei o braço do líquido e pedi desculpas constrangido.

Depois de eu superar a vergonha, a mexicana explicou que aquela é uma mistura típica da Espanha e que o vinho é o ingrediente principal. Normalmente também adicionam vodka, açúcar e algumas frutas. Na sangria deles, havia maçã e laranja. Estava muito boa. Ainda fiquei sabendo que a principal função das frutas não é dar mais sabor à bebida. A mexicana contou que a laranja e principalmente a maçã absorvem grande parte do álcool. Quem comesse alguns pedaços ficaria embriagado muito mais rapidamente. Parecia nem ser alcoólico, mas tive de cuidar para não exagerar nas maçãs.

Durante a noite, falei com brasileiros, espanhóis, italianos, coreananos, ingleses, um russo, uma polonesa e uma portuguesa. Boa parte deles morava lá mesmo, era uma residência de estudantes.

Na sangria, a maçã já havia acabado. Depois de muito bate-papo interessante e de ouvir músicas de todos os países, o clima começou a piorar, chegava a hora das despedidas e as lágrimas começavam a ser derramadas. A amiga do Murillo e a espanhola recebiam abraços e consolos. A mexicana que havia explicado a composição da sangria se juntou à turma das lamentalções. Fiquei com pena dela, era um choro profundo e comovente, que se destacava dos demais. Lembrei-me de quando ela havia me falado que chegara dois anos antes e do quanto ela gostava dessa cidade. Ela sofria, quase em desespero, mas as atenções estavam mais voltadas às outras meninas. Talvez ela não recebesse tamanho apoio por não ser próxima de muitos dos que estavam gente lá, já que não morava na casa. Tive de dar-lhe um abraço. Encostou a cabeça no meu peito e desabou em lágrimas. Pensei que a minha camiseta se dissolveria, mas não me importei, era uma boa causa. Coitada.

- Não fique assim, vai passar... - tentei ajudar.
- É muito triste, não consigo! - balbuciava chorosa, já começando a babar no meu peito.
- Essa hora um dia chegaria. Se você fica triste é por que aproveitou esse tempo e viveu bons dias aqui. Tente sorrir e curta essa sua última noite para fechar com chave de ouro - falei.

Ela pausou o choro imediatamente e olhou para mim como se não me entendesse.

- Eu não estou indo embora! Estou triste porqueee... porque odeio despediiiidaaaaas - falou antes de desabar novamente no meu peito chorando.

Olhei para a minha camiseta molhada e deixei ela chorando sozinha, estava na hora de voltar para casa. A noite havia sido ótima, apesar da mexicana. Reforçamos a ideia de que não se pode recusar a chance de aproveitar uma noite em Sydney. Não faltam oportunidades para conhecer pessoas e músicas de tantos lugares.

- O que houve com a tua camiseta? - Murillo perguntou quando já estávamos na rua.
- Foi aquela mexicana chorona! - afirmei - Eu estava consolando a guria, mas descobri que ela nem estava indo embora. Aposto que foi ela quem comeu toda a maçã da sangria.

5 comentários:

  1. e ae Daniiel ... otimo post , principalmente a parte em que vc estava com o braço dentro da sangria . rsrs ... Sempre passo por aqui ... abraços e Sucessos ai . Rodriigo Maldonado

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  2. Ótima história Daniel! A forma como conseguistes descobrir o que era a tal da sangria... que mico... GENIALLL.
    Continues escrevendo desta forma brilhante e inteligente, o JORNALISMO está no teu DNA. Sou tua fã de carteirinha.
    Beijinho da Tia Shirlei.

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  3. Oi Daniel, enfim consegui tempo e começo a seguir teu blog.
    Adorei a história e vou ler todas as anteriores.
    Quem disse que ir a uma balada não é cultura eh...sangria...uma bebidinha pra lá de boa que dispensa braços mergulhados mas requer cuidados para não manchar camisetas .. hahaha.
    Também sigo o blog da filha de um amigo que mora em Londres, dá uma olhada também é bem legal e talvez possas ter algumas idéias para o teu. http://miblogito.blogspot.com/
    Agora me ocorre uma dúvida...tem carnaval na Australia...rsrsr..
    Bjsss boa semana.

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  4. ahahaha ai dani???
    Sou bom a fazer sangria :) Fiquei contente pk afinal tem 1 portuguesa ai ahahaha

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  5. Olá Daniel,
    Comecei a ler seu blog hoje, li todos os posts. Adorei as histórias.
    Estou saindo do Brasil dia 24 de Março com destino Final Brisbane. Obrigada pelas dicas.

    Um Beijo..

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