domingo, 30 de janeiro de 2011

O blog e algumas dicas

Estou surpreso com a resposta que tenho recebido por causa do blog. Por isso, resolvi dedicar uma postagem para falar dele. Tenho de agradecer pelos comentários, com sugestões, críticas e elogios. Alguns já se dizem leitores assíduos. Tenho recebido uma quantidade grande de e-mails pedindo para eu dar dicas e tirar dúvidas. Já tenho companhia garantida pelos próximos meses, de algumas pessoas que acompanham o blog, que devem chegar e estão na expectativa pela viagem. A minha caixa de entrada segue disponível para quem quiser tirar qualquer dúvida, dar alguma sugestão ou até mesmo para trocar uma ideia sobre essa experiência. Para mim é um prazer tentar auxiliar de alguma maneira. Porém, também peço que enviem essas questões pelos comentários, para podermos compartilhá-las com os demais leitores. Quanto mais a gente puder aumentar essa interação, mais legal o blog deve ficar, portanto não deixem de escrever para mim também, seja por comentários, seja por e-mails.

Já comecei a adotar uma sugestão que recebi através de um comentário. Agora, procuro passar uma dica útil por postagem para aqueles que ainda estão planejando a viajar para a Austrália. Devo pedir pedir que se identifiquem para eu também conhecer um pouco mais aqueles que tem lido o blog.

Tenho reservado as últimas horas do meu dia para escrever. Gosto muito de estar com a casa em silêncio e escrever sobre o que tenho vivido enquanto todos dormem. Acabo sempre sendo o último a dormir. Incrível como, ainda assim, tenho disposição para acordar cedo. Acho que essa empolgação toda pelo prazer de escrever e de receber o retorno de quem lê tem me empolgado e acabo me estendendo demais nos textos. Mesmo que algumas histórias sejam boas e eu queira explorá-las ao máximo, creio que eu deveria me conter um pouco mais. Talvez escrever histórias tão longas não seja uma característica muito positiva e acabe não agradando a todos.

Esse seria apenas um post para falar mais diretamente com quem tem lido, portanto vou deixar uma dica diferente. É uma sugestão de música australiana que temos ouvido a toda hora aqui em casa. Chama-se Down Under, da banda Men at Work. Esse foi o som que fez a fama do grupo australiano para o cenário poprock internacional no ano de 1981. No mesmo ano, a música liderou o ranking das mais ouvidas no Reino Unido. O álbum, Business as Usual, também liderou o mercado de lá. Em todo mundo, o disco vendeu 30 milhões de cópias. 'Down Under' é um termo usado principalmente nos EUA e no Reino Unido para se referir ao território australiano, em função de ser uma terra totalmente localizada no hemisfério sul. A letra fala sobre a história de um viajante australiano que roda o mundo propagando a cultura do seu país. Por isso, ainda hoje, a música é um ícone patriótico e é reconhecida como uma importante referência à cultura australiana.



Down Under

Travelling in a fried-out Kombi
On a hippie trail, head full of zombie
I met a strange lady, she made me nervous
She took me in and gave me breakfast
And she said,

"Do you come from a land down under
Where women glow and men plunder
Can't you hear, can't you hear the thunder
You better run, you better take cover."

Buying bread from a man in Brussels
He was six foot four and full of muscle
I said, "Do you speak-a my language?"
He just smiled and gave me a Vegemite sandwich
And he said,

"I come from a land down under
Where beer does flow and men chunder
Can't you hear, can't you hear the thunder
You better run, you better take cover."

Lying in a den in Bombay
Slack jaw, not much to say
I said to the man, "Are you trying to tempt me
Because I come from the land of plenty?"
And he said,

"Oh! Do you come from a land down under (oh yeah yeah)
Where women glow and men plunder
Can't you hear, can't you hear the thunder
You better run, you better take cover."


Para quem tentou traduzir e não entendeu o que seria o Vegemite, é importante ficar sabendo. Vegemite é um tipo de geléia tradicional na Austrália, criado em 1919. Tudo o que descobri sobre a composição do Vegemite é que é baseado em um extrato de levedura ligado à fabricação de cerveja. É extremamente saudável por ter diversos nutrientes e vitaminas. Eles usam como nós, brasileiros, usamos a margarina. A diferença é o sabor, indiscritivelmente amargo e azedo. Ruim. Sem exageros, é horrível. Nunca tive problemas em experimentar comidas diferentes. Portanto, topei o desafio de ser o primeiro da turma a provar o tal Vegemite oferecido pela professora. Caprichei na dose e nem coloquei o queijo que ela oferecera. Abocanhei com a intenção de saborear. Mesmo que todos falassem que era ruim, eu não duvidava que talvez eu fosse gostar. No entanto, assim que eu senti aquele sabor, o meu rosto se contraiu imediatamente de tal maneira que provocou gargalhadas de toda sala. Poucos tiveram coragem de provar, nenhum sem queijo ou em grande quantidade. Não vou mais descrever aquele momento. Procuro não relembrar aquilo tudo. O importante é deixar mais essa dica: não coma Vegemite. Na verdade coma, experiências negativas também são importantes na vida. Mas cuidado, experimentem com moderação.
 
 

Mais um dia de Barbecue e de Bronte Beach

Nesse sábado, voltei a Bronte Beach. Lá seria o barbecue de despedida da minha vizinha eslovaca, Andrea, e da sua melhor amiga, Petra, da República Checa. Desta vez, fui sozinho. Peguei dois trens e um ônibus.  Ouvia a minha seleção muical no MP3 e, mais uma vez, curtia aquele trajeto entre Bondi e Bronte. Desta vez sob um sol fortíssimo e depois de mergulhar nas ondas de Bondi. Ficar sozinho é bom quando se sabe aproveitar. De qualquer modo, deveria me juntar a um bando de eslovacos assim que chegasse a Bronte.

O gramado onde as pessoas se encontram para curtir o sol e fazer churrasco estava tomado. Eu demorava para encontrar Andrea e Petra no meio de tanta gente. Me senti constrangido, Andra e seus amigos poderiam estar me observavando perdido e rindo da minha cara. Qualquer grito me chamando seria abafado pelo barulho do mar e daquelas centenas de pessoas. Eu usava a mão como viseira; os óculos escuros que sempre recusei faziam falta naquele momento. A dificuldade poderia ter sido reduzida se eu deixasse de ser teimoso e aceitasse usar óculos de grau para apurar a visão a longas distâncias. Eu tinha de chegar perto de cada grupo de pessoas para tentar reconhecer alguma das gurias que eu procurava.


Eu estava ficando com vergonha de mim. O constrangimento crescera depois de sete minutos dando voltas entre as pessoas no gramado, quando tirei o celular da mochila e atendi. Durante uns minutos eu falava, sorria e conversava confiante. Claro que não havia ninguém falando comigo ao telefone, aquele falso telefonema era apenas uma maneira de tentar amenizar aquela situação vergonhosa. Enquanto eu respondia perguntas imaginárias e questionava ninguém, eu continuava procurando as gurias. Funcionou, me senti menos ridículo durante uns dois minutos e, em seguida, identifiquei Andrea tirando os salgadinhos da sacola à minha frente. Notei que ela havia me visto, sorte que eu já estava com o celular junto à orelha.

- Mais um churrasco de salgadinhos e biscoitos! Ainda bem que comi em casa, não tive de gastar para trazer comida e não vou precisar me contentar com um mais um rango frustrante - pensei, ainda aliviado por finalmente encontrá-la.

Elas estavam com mais dez pessoas: dois colombianos, dois peruanos e uma francesa. Os demais eram da Eslováquia (mais uma vez me entusiasmava com uma nova situação de mistura cultural). Estavam todos se servindo quando perceberam que havia comida e bebida demais. Insistiram que eu comesse. Para a minha sorte, dois eslovacos vinham da churrasqueira carregando vários pratos com carne. Eu não poderia fazer tamanha desfeita, ofereceram como se fosse um presente. Com muito prazer, comi e bebi tanto quanto os outros ou talvez mais. Eu tinha de ter certeza de que não sobraria nada. Afinal, não gosto de desperdício.

Descobri que todos fazem churrasco lá por que basta levar a carne. As churrasqueiras podem ser usadas por qualquer um e não exigem espeto, carvão ou fogo. Elas, na verdade, são como chapas. Não são como as churrasqueiras com que estamos acostumados, mas quebram o galho. O que importa é que é fácil e todos podem usar, basta levar a carne, o óleo, os pratos e os talheres.

A disputada chapa para o barbecue em Bronte Beach
Eslovacas já no fim da tarde
Depois do rango, me chamaram para jogar futebol americano. Os eslovacos me deram a dica de como arremessar a bola. Fomos à parte do gramado em que todos praticam tudo que é tipo de esportes. Ficamos arremessando uns para os outros durante uns 30 minutos. Peguei o jeito, eu mandava bem inclusive nos arremessos longos, quando a bola chegava ao destino invariavelmente estável. No entanto, aquela bola oval não era o principal alvo da minha atenção. Poucos metros à minha direita, havia um grupo de italianos jogando futebol, o verdadeiro futebol. Eu olhava para a 'bola' de futebol americano somente na hora de arremesar ou para garantir que não seria atingido de surpresa por falta de atenção. Enquanto isso, eu colava meus olhos naquela bola formosamente redonda e torcia para que os italianos deixassem-na escapar para perto de mim. Aquilo sim era esporte!

Sempre que era possível eu me deslocava tentando me aproximar dos chinelos que demarcavam a goleira dos italianos. Eu já estava próximo de lá quando arremessei a bola oval para um dos eslovacos e, no mesmo instante, ouvi um grito em inglês com sotaque italiano.

- THE BALL, PLEASE!! - gritava o cara que havia chutado a bola.


A torcida pela vinda da bola havia funcionado. Chegava o tão esperado momento de bater nela da maneira que aqueles italianos haviam visto apenas na televisão. Os eslovacos, então, ficariam abismados com tamanha destreza. A bola não vinha exatamente para mim, ia na direção de um eslovaco não muito distante. Tentei, sem ser grosseiro nem afobado, tomar a frente e chegar nela antes que ela rolasse até o eslovaco. A melhor aproximação que pude fazer acabou sendo, na verdade, uma dividida brusca. Por pouco não derrubei o pobre eslovaco que só queria ser gentil e chutar de volta. Fiquei aliviado que ele não caiu e, principalmente, que a bola estava comigo. No entanto, o que realmente importava era que a bola voltaria ao campo dos italianos com mais qualidade e devidamente valorizada. 

Dominei com a parte inferior do pé e ergui a cabeça como um meio-campo dos velhos tempos buscando o centroavante para o lançamento perfeito. Lá estava ele, procurei o italiano que estivesse mais distante de mim. Levantei a bola, fiz duas embaixadas para curtir mais um pouco aquele material perfeita e geometricamente esférico. Devolvi ao chão, rolei 50 centímetros para a direita, sem olhar para baixo, mas com controle absoluto. Olhos fixos no centroavante. Bati por baixo dela com o peito do pé. Por não menos de 20 metros ela pairou no ar, sem girar. Outro italiano, bem mais próximo de mim, somente precisou levantar a perna para a bola encaixar entre a sola do pé e o chão. A bola não foi exatamente no italiano que eu havia escolhido, fora bem distante de onde eu havia previsto, mas pareceu um lancamento perfeito. Enganei bem enganado, assim como quando usei o celular, um tempo antes, para não parecer perdido.  

- Molto buono! Grazie mille! - Os italianos agradeceram, provavelmente encantados com tamanha elegância futebolística.

Satisfeito, eu poderia voltar para casa. Preferi tomar um banho de mar e deixar os eslovacos brincando com aquela bola sem graça. 

- Por que não moro na beira da praia? - questionei-me em meio às ondas. - Sou obrigado a passar por
uma jornada para chegar à praia, tomar um banho de mar, fazer churrasco e jogar futebol. Se eu morasse próximo do mar, eu poderia fazer tudo isso diariamente - imaginei.


Cheguei à conclusão de que o local onde estudo diminui as chances de morar próximo à praia. Eu gastaria muito tempo diariamente entre Bondi e a escola, por exemplo. Resolvi avaliar as possibilidades de praias menos distantes do curso. Quero aproveitar a possibilidade que tenho aqui de escolher um novo local para morar a cada mês para realizar vontades que sempre tive, como ter uma praia pertinho de casa. Se há algo que eu mudaria entre as escolhas que fiz para essa viagem, é o local onde estudo. A escola é boa, mas o ideal é estudar na city (o centro de Sydney). Se eu estudasse lá, eu poderia morar em qualquer lugar da cidade, pois haveria transporte direto entre a minha casa e o curso. Recomendo ir à Bronte para passar um dia inteiro e fazer churrasco. No entanto, a dica que passo hoje é a seguinte: quem quer ter mais liberdade para explorar a chance de morar em diferentes cantos de Sydney deve estudar no centro da cidade.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A ida à Bronte Beach

O "churrasco" havia acabado, alunos e professores começavam a voltar. A animação não era das maiores depois do almoço decepcionante. Estávamos saindo quando ouvimos uma frase indesejada vinda de trás, distante de nós.

- Hi, how are you!?

Não sabíamos exatamente de onde vinha aquela voz, mas já havíamos descoberto de quem era. Só poderia ser da turca que conhecemos no primeiro dia de aula. Ela estuda em outra classe, mas todos os dias passa por nós, faz a mesma pergunta e, normalmente, vai embora. Entre mim e os guris ela já tem um apelido: 'How are you'. Se a presença dela se resumir a isso, tudo bem. O problema é quando ela não vai embora e resolve bater um papo. Depois de ouvir a famosa frase, eu e o Murillo nos olhamos como que pensando: lá vem ela...

- Vocês são brasileiros ou colombianos? - perguntou.
- Brasileiros - respondemos impacientes. Como ela não saberia de onde somos?! Parece uma amigona pelo jeito que nos comprimenta todo santo dia e sequer sabe a nossa nacionalidade!
- Bem que eu imaginei! Então deixa eu apresentar umas amigas brasileiras pra vocês! - pela primeira vez ela nos despertava alguma atenção. Rapidamente ja estávamos prestes a perdoar toda a impertinência dela.

A turquinha chamou duas gurias que eram novas no curso, as quais realmente ainda não conhecíamos. Havia menos de duas semanas que Mariana e Bruna tinham chegado a Sydney. A primeira era paulista. A segunda não apenas era gaúcha, como morava em Porto Alegre, era gremista e estudava na mesma universidade que nós. Como se não bastasse, descobrimos que ela morava no mesmo condomínio que nós aqui em Sydney. Logo, estávamos conversando com as novas conhecidas e a turquinha havia ficado para trás com os outros colegas.

- O que vocês vão fazer agora? - perguntamos.
- Vamos andar um pouco, estamos indo até a city - a Bruna respondeu.
- Se não estivesse tão quente acho que iríamos com vocês, mas será que ir à praia não seria melhor? - sugeri.

Elas concordaram, voltaríamos todos para casa, vestiríamos bermudas e biquinis e aproveitaríamos o resto da tarde de sol intenso na praia. Perfeito. Escolhemos Bronte, uma praia que apenas eu conhecia. Passados 40 minutos e dois trens, logo estávamos no ônibus, a caminho de Bondi Beach. A partir de lá, faríamos um trajeto agradabilíssimo pela costa, passaríamos por uma segunda praia até chegarmos a Bronte. Ainda no ônibus, enquanto conversava com Murillo e com as gurias, um senhor do meu lado ouviu a nossa conversa e perguntou, em português, de onde eu era. 

- Sou do Brasil, de Porto Alegre. E o senhor? - respondi ao simpático velhinho
- Venho de São Paulo. Estou visitando meu filho, ele mora aqui há quatro anos, está fazendo faculdade e trabalhando em um café próximo aqui de Bondi. Quantos anos você tem? - perguntou.
- Tenho 20 anos. Cheguei aqui há menos de um mês - contei

Nos dez minutos anteriores à nossa chegada em Bondi, tive uma conversa interessantíssima com aquele senhor. Ele, aposentado e com a vida financeiramente garantida, passaria dois meses na Austrália. Pelo menos uma vez por ano, passava um tempo por aqui. Seu filho estava bem-sucedido viajando. Ele, da mesma maneira, tinha a vida feita. Eu não pensaria que faltaria algo a alguém assim. Porém, notei nele um olhar triste. Olhos de saudade. Talvez morar longe do filho o deixasse daquele jeito. Ele parecia ter dificuldade de conviver com essa distância. Contou-me que seu filho tem 22 anos. Portanto, chegara na Oceania com 18 anos.

Me surpreendi pela fisionomia do homem. Ele parecia ser velho demais para ter um filho de apenas 22 anos. Em seguida, descobri que tem, na verdade, dois filhos, o outro com 23 anos. Eu pensava que isso tavez amenizasse a dificuldade da distância, até que ele me contou que o outro vivia em Melbourne havia mais de um ano. Acho que estava explicado, o que lhe faltava era seus filhos. Jerônimo era o nome daquele pai que tanto me fazia perguntas. Ele estava interessado em descobrir como eu estava vivendo. Queria saber por que tipos de dificuldades eu passo aqui, se eu consigo me alimentar bem, se dá para me virar com o meu próprio dinheiro. Perguntas típicas de um pai preocupado. Provavelmente ele queria ver se eu confirmaria as respostas que seus filhos davam sobre a vida longe de casa. Procurei responder de uma maneira positiva, explicar que muitas pessoas se apaixonam pelo lugar e conseguem iniciar uma vida feliz aqui. Tentei tranquilizá-lo, provavelmente em vão. Se depois de quatro anos ele parecia não ter se adaptado, não seria em 10 minutos de conversa que eu mudaria alguma coisa.

Antes de me despedir de Jerônimo, questionei sobre a possibilidade de ele vir morar na Austrália com seus filhos. Ele contou que a idade já não permitia, estaria velho demais e com a vida estabelecida no Brasil para fazer uma loucura daquelas. Não entendo por que tanta gente acha que a idade é um limitador, por que seria tarde demais para isso? Não insisti mais no assunto e me despedi, não cabia a mim me meter naquele ponto. Seguimos para a praia. O sol, infelizmente, havia se escondido e ficaria assim pelo resto da tarde. Sem problemas, o passeio compensaria o tempo. Murillo e as gurias mal começaram a caminhada e já perguntavam quanto tempo faltaria para chegar a Bronte. Foi assim durante boa parte do percurso, que não era tão longo. Quem poderia se importar por caminhar alguns minutos, talvez meia-hora, tendo uma vista maravilhosa como aquela? Talvez eu não estivesse com as companhias ideais para aquele passeio. Mas a tarde foi boa, logo chegamos a Bronte, tomamos um bom banho de mar e tivemos agradáveis conversas até começar a escurecer.

A sugestão que tenho hoje já é manjada, ir de Bondi Beach até a praia de Bronte caminhando pela costa, mas o mais importante é ir com a pessoa certa. Fiz esse trajeto lembrando da conversa com aquele pai no ônibus e imaginando que companhia alguma para aquele programa seria melhor do que a dos meus pais. Quem sabe um dia, por que não?


Quase no meio do caminho. Bondi já ficava pequena.
O resto do trajeto. A última faixa de areia, Bronte. Antes, a praia deTamarama.

Passando por Tamarama.
Destino final, Bronte. Ainda com céu nublado.

quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

O churrasco australiano

Hoje deixei de ver o primeiro jogo do Grêmio na Copa Libertadores para comer de graça. Participaríamos do Barbecue da AIPE, o churrasco oferecido mensalmente pela escola. Eu estava dividido, triste pelo fato de não ver o jogo o meu time, mas não pude negar a oportunidade de confraternizar com colegas que não conhecia e de comer algo diferente do rotineiro, ainda mais sendo um churrasco. Os demais gremistas preferiram ir para casa depois da prova semanal e assistir ao tricolor pela internet. Fui acompanhado do Murillo, o único colorado da turma. 

Dezenas de pessoas, entre alunos e professores, foram juntos a um recanto ótimo de North Sydney com visão para os principais cartões postais da cidade. O clima estava muito bom, com a vista perfeita, sol brilhando, as gurias presentes e uma bola para jogarmos futebol! Que saudade de bater uma bola! O que mais faltaria? Na ausência de boa parte dos meus amigos, joguei com turcos e colombianos. A fome estava crescendo e a expectativa também. Teríamos a melhor refeição do mês. Era o que pensávamos quando descobrimos qual seria o nosso verdadeiro almoço.


Larguei a bola e me dirigi à roda formada em torno da mesa. Todos estavam se servindo e eu não poderia perder um pedaço de carne. Estava salivando, pronto pra devorar um búfallo, quando me infiltrei na roda de alunos e vi apenas salgadinhos e biscoitos de chocolate...

- Não é possíve! Cadê o churrasco, as maminhas, as costelas e as picanhas? Não precisa ser nem picanha, pode ser até cupim! - pensei imerso em decepção, quando vi que o tão falado churrasco não era mais do que um piquenique.

O que mais se aproximava do churrasco que esperávamos eram as batatas Ruffles sabor barbecue. Para piorar a situação, os refrigerantes não estavam gelados, mas na temperatura ambiente: 30 graus! Comi o que pude para não ficar de estômago vazio e voltei para o futebol. Não fosse o divertido momento de confraternização e a oportunidade de jogar futebol, estaríamos voltando decepcionados. Ao menos pude levar na mochila alguns chocolates que ainda não haviam derretido. O Grêmio empatou em 2x2 fora de casa. O que diminuiu a minha frustração é que os guris não conseguiram assistir a todo o jogo por problemas na conexão, tiveram de acompanhar a transmissão de rádio. No final das contas eu não havia perdido tanto assim.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Australian Day

Dia 26 de janeiro é feriado público na Austrália. Os aussies comemoram o Australian Day, um feriado como no Brasil, daqueles sem um motivo relevante. A história recente e pouco rica deste país não é motivo de grande orgulho para o povo daqui. A Austrália não tem uma identidade cultural definida, já que é cheia de imigrantes de todos cantos do mundo. Em 2001, 23% da população da Austrália era compostos de pessoas nascida em outro país, resultado de um programa de incentivo à imigração adotado na época da Segunda Guerra Mundial para aumentar a população, hoje de pouco mais de 21 milhões de pessoas.

O Australian Day é como se fosse o aniversário do país, mas a data provoca questionamentos. A chegada do Capitão Arthur Phillip com a primeira frota de navios ingleses na costa australiana, em 1788, foi no dia 18 de janeiro, data que era reconhecida em algumas partes do país. No entanto, por diferentes motivos, os estados comemoravam em dias diferentes. Em 1994, talvez como tentativa de unificar as tradições de um país tão miscigenado, ficou definido nacionalmente o feriado público em 26 de janeiro, dia em que a primeira colonia inglesa foi oficializada em 1788. Outra divergência com relação às comemorações é feita pelos descendentes dos Aborígenes, que rejeitam as celebrações em função de estarem nessa área há 50 mil anos e de serem vítimas de instinção pelos colonizadores. Quando os ingleses chegaram, a população aborígene era de aproximadamente 500 mil pessoas. O último levantamento oficial foi realizado em 1965 e contabilizou 40mil decendentes puros dos povos nativos.

Fora a questão histórica, o Australian Day é um grande dia. Na rua, muitas bandeiras e roupas prestigiando as cores do país. Os mais entusiasmados levantavam o tradicional grito de "Oz, Oz, Oz! Oi, Oi, Oi". Em alguns pontos da cidade são realizados shows. No entanto, é para as praias que todos vão. Fizemos a mesma opção. O dia estava perfeito, quente e com muito sol. Conseguimos almoçar mais cedo e aproveitar a tarde toda em Bondi Beach. Como já esperávamos, a praia estava lotada, em clima de festa e com o mar quente. Mal chegamos e fizemos algumas amizades.

 

No final do dia, enquanto voltávamos para casa, encontramos móveis, talheres, louças e uma série de utensílios domésticos em frente a algumas residências. Sabíamos que as pessoas deixavam seus pertences não utilizados à disposição de quem passasse e se interessasse em pegar alguns, mas nunca havíamos visto doações em quantidades tão grandes. Aproveitamos para reforçar nossos estoques de talheres, copos e cabides. De hoje em diante, não teremos tantos problemas com roupas amarrotadas.

Para muitos, o Australian Day pode ter sido uma invenção. Caso realmente seja, ela deu certo. O que importa é o momento de confraternização e a alegria inegavelmente contagiante que toma as ruas.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Como ganhar muito dinheiro em pouco tempo na Austrália

No intervalo da aula, Zimuli, irmão mais velho do Zuli, nosso colega esquisito da Indonésia, me entregou um panfleto informativo para estudantes estrangeiros. Perguntei para ele onde andava Zuli, que não vinha na aula havia uma semana e meia. Zimuli contou que o motivo do sumiço era uma doença, mas garantiu que seu irmão estava bem. Quando voltei para aula, abri o panfleto e vi o anúncio de uma maneira inovadora para ganhar dinheiro sem trabalhar. Tudo o que dizia era o seguinte: se você é saudável, tem entre 18 e 50 anos e quer ganhar muito dinheiro em pouco tempo, seja um de nossos voluntários. Abaixo da frase, havia o endereço de um site. Estranho. Claro que não colocaria minha mão no fogo pela proposta, mas tive de acessar a página.

GlaxoSmithKline medicamentos.

O site destacava: cadastro de novos voluntários. Naquela página, explicavam que a unidade de Sydney está recrutando pessoas para participarem de testes para o desenvolvimento de novos medicamentos. O voluntário receberia doses de remédios ainda não prontos para que os pesquisadores observassem os efeitos durante o período de dois dias a quatro semanas. Quem participasse teria de assinar um termo de risco.

- Que droga, ter de ficar semanas internado e injetando remédios para experimentação! Que absurdo, a que tipo de risco a pessoa estaria se submetendo? - pensei

O site não respondia à minha pergunta. Imaginei um cara saindo do teste todo torto, verde, cheio de sequelas. Li que o voluntário-cobaia estaria em ótimas condições, com acesso a internet, além de livros e filmes gratuitos, como em uma prisão com algumas regalias. A clínica informava a possibilidade de ficar em um dos quartos com vista para a praia e ressaltava a chance de avistar baleias migratórias. Tive de rir. Eles estavam querendo passar a imagem de que alguém poderia ser feliz naquelas condições. Imaginei-me de avental, deitado em um quarto de clínica por três semanas, vendo as pessoas curtindo a praia, namorando, surfando, livres, quando eu, sedado, avistaria uma baleia a 12Km de distância. Aquilo não me faria feliz. Por que motivo alguém aceitaria? Não seria pelas baleias, só poderia ser dinheiro.

Eu precisava ligar para a clínica para entender o que se passava. O troço todo parecia muito estranho, era loucura. Quanto pagariam para quem aceitasse?

- Os voluntários recebem até $6.000 nos testes mais demorados - contou-me a atendente.

Tava explicado, a grana era gigantesca! Fiz as contas com meus amigos. Com um salário normal, um de nós precisaria trabalhar por três meses para reunir tanto dinheiro.

- Nossas pesquisas estão de acordo com todas as exigências do Conselho de Medicina da Austrália. Essa é uma grande oportunidade para ganhar dinheiro e ajudar nas novas descobertas da medicina - completou a mulher ao telefone tentando me convencer a aceitar.

Aquilo era cômico. Se fosse tão bom e seguro, eles não precisariam vender aquela imagem maravilhosa para reunir voluntários, não faltaria gente querendo participar. Por que motivo ofereceriam uma remuneração tão grande, seria proporcional ao tamanho dos riscos? Apesar do ótimo pagamento, para aceitar participar daquilo a pessoa tem de ser um tanto louca. Comecei a ligar as coisas e lembrei do nosso colega Zuli. Que tipo de doença seria o motivo do seu sumiço? Afinal, Zimuli não disse que era o próprio irmão quem estava doente. Será que Zuli um dia voltaria em condições normais para assistir as aulas conosco?

domingo, 23 de janeiro de 2011

Kings Cross e a segurança de Sydney

Quando voltávamos da praia, neste sábado, estávamos decididos a sair à noite para encontrar alguma festa. Antes de entrarmos no prédio, passamos por um vizinho que ainda não conhecíamos. Ele deixou sua bicicleta na calçada, junto ao muro do prédio, e subiu. Após a janta, eu, Murillo e Dudi descemos rumo à estação e a bicicleta continuava solta na calçada. Me perguntei como ele poderia confiar tanto que voltaria a andar em sua bicicleta. Seguimos nosso caminho, finalmente conheceríamos Kings Cross. Nesse bairro, encontraríamos a melhor concentração de boas festas, segundo o que ouvíamos desde que chegamos. Outra fama de Kings Cross é a de ser a região mais perigosa de Sydney. São de lá os maiores índices de violência e de tráfico de drogas da cidade.

Pegamos o segundo trem e nos perguntamos se saberíamos chegar à Darlinghurst Road, rua onde rola a movimentação noturna. Porém, não tivemos problemas. Ao saírmos da estação, nos vimos mergulhados em um mar de luzes neon e de pessoas de todos os estilos circulando. Só podia ser lá. O próximo desafio seria encontrar um bom lugar para entrarmos. Na rua, víamos punks, patricinhas, asiáticos estranhos e prostitutas. Havia também um Mc Donald's em meio às danceterias, às bottle shops (estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas) e, claro, aos vários prostíbulos nada discretos. Daqui a pouco volto a falar sobre eles.

Queríamos encontrar uma festa em um lugar legal, com boa música e gente bonita. Pedimos sugestões a algumas pessoas, até que decidimos entrar no The Bank. Encontramos a boa música em um ambiente muito legal. O ruim, no entanto, é que tinha muita gente bonita. Não havia problema por serem bonitas, mas por serem muitas. A casa estava lotada e muito quente. Dançando, logo começamos a sentir cansaço, também por consequência do dia cansativo na praia. Apesar disso, os $20 que pagamos nos estimulavam a tentar aproveitar mais. Curtimos mais um tempo, mas logo descobrimos que poderíamos sair para a rua e depois retornar.

The Bank
Fomos para a rua respirar um pouco e ver o que mais havia por perto. Ficamos surpresos com a naturalidade com que pessoas de todos os tipos e níveis sociais circulavam em meio aos assédios de prostitutas e dos gerentes das "casas para adultos". Não demorou muito para sermos convidados a entrar em um desses lugares. Definitivamente não aceitaríamos, não tínhamos interesse. Afinal, ainda voltaríamos à festa e não tínhamos dinheiro para gastar. No entanto, por curiosidade, deixamos o cara nos abordar. O sujeito cobrou $25 por pessoa para assistir a um show de striptease. Falamos que não queríamos gastar muito dinheiro. 

- Então 15 para cada um - ele ofereceu.
- Infelizmente não podemos gastar tudo isso apenas por um show, o que mais tem lá dentro? - retruquei por pura especulação.
- Se vocês quiserem massagem ou atendimento particular completo, vocês terão de negociar com as garotas lá dentro. Mas, me digam, quanto vocês tem?- respondeu o gerente.
- Não muito - afirmei esperando descobrir até onde isso iria.
- Ok, 20 dólares pelos três, ou não tem negócio - o cara já perdia a paciência. Vi que aquele era o limite.
- Deixa para outra então, temos que arranjar mais grana. Thanks - encerrei a negociação.

O mais instigante ocorreu ainda durante o diálogo, quando vimos um grupo de sete meninas entrar naquele mesmo estabelecimento, cujo alvo principal era, explicitamente, o público masculino. Eram umas patricinhas, visivelmente menores de idade. Logo em seguida, outras garotas saíram pela mesma porta! Nos perguntávamos o que tantas garotas fariam por lá como clientes. Frequentariam o lugar por curiosidade ou realmente gostavam de assistir aos shows? Ou pior, será que faziam algo além de assistir ao show?

Movimentação noturna na Darlinghurst Road
Voltamos para a festa sem matar a dúvida e curtimos o resto da noite. Retornamos para casa com uma impressão positiva de Kings Cross, apesar da diversidade extrema do lugar e do choque cultural que isso nos causou. Não faltam festas boas nem gente bonita. A fiscalização era falha em relação à presença de menores nos prostíbulos, mas, pelo menos, a segurança estava ok, não faltavam policiais em canto algum. O que os australianos consideram um lugar violento está longe de ser como os que estamos acostumados a frequentar no Brasil. Como sempre, não custa ter os cuidados básicos, mas podemos sim andar tranquilamente por Kings Cross. Se aquele é o lugar mais perigoso da cidade, como seriam todos os outros? 

Estou realizando o sonho de poder andar por qualquer lugar e a qualquer hora sem me preocupar. Isso é uma das coisas que mais me encantam aqui. Ah, quando chegamos em casa, a bicicleta do vizinho continuava na calçada. Quando vi novamente a bicicleta, dessa vez de madrugada, ali na frente, ainda solta, eu já compreendia melhor o motivo de tamanha confiança do vizinho.

sábado, 22 de janeiro de 2011

A gentileza australiana

Gentileza é uma característica que envolve um conjunto de qualidades. Uma pessoa que age gentilmente demonstra ter, pelo menos, educação, respeito e solidariedade. Por isso, sempre considerei esse um dos mais admiráveis valores de um ser humano. Eu já havia notado que o povo daqui é naturalmente gentil, mas neste sábado passei a valorizá-los ainda mais.

Estávamos voltando da praia ainda úmidos e com areia nos pés. No trem, conversávamos sobre a janta, quando percebemos que faltariam vários ingredientes. Mesmo assim, a ida ao supermercado parecia ficar para o domingo, já que estava ficando tarde, teríamos que nos preparar para a festa e todos estavam cansados. Menos eu. Disposto, me propus a fazer as compras sozinho e garantir uma janta mais gostosa. Eles agradeceram e se despediram. Esperei até a parada seguinte para ir ao glorioso Coles.

Sucos, leites, biscoitos, massas, queijos, margarina, molhos de tomate, carnes e ovos.

- Onze sacolas - alertou a jovem caixa coreana.
- Não tem problema, faço um esforço. Estou bem disposto, posso levar sim - respondi.

Achei um tanto besta o modo como a coreana fez aquele comentário. Tudo já estava pago, então o que adiantaria me avisar? Eu não tinha percebido que realmente era muita coisa, mesmo assim ela não precisava deixar tão claro que duvidava da minha capacidade.

Me despedi da coreana como se não tivesse me importado, até que levantei as sacolas. Aquele ato me fez perceber que não havia maldade no comentário da asiática. Foi naquele movimento que pensei em tudo o que viria pela frente. Lembrei das cinco quadras até a estação de trem e das outras oito entre a estação final e a nossa casa.

Na saída do Coles eu já começava a tremer. Na terceira quadra, eu estava fazendo contagem regressiva. Na quarta, tentava elaborar a próxima postagem para o blog, pensava em qualquer coisa para tentar esquecer aquelas toneladas que estavam penduradas em minhas mãos. Quando cheguei na estação, vi as roletas. Puts, o cartão! Estava dentro de alguma sacola. Teria de largar todos os pacotes, olhar um por um até encontrar o cartão, colocá-lo na máquina, levantar tudo aquilo de novo e passar rapidamente pela roleta antes de ela trancar. Tudo isso cuidando para não quebrar os ovos. Porém, antes mesmo de largar as compras no chão, ouvi uma voz salvadora.

- Pode passar por aqui com as compras - disse o fiscal.
- Muito obrigado! Mas e o car...
- Não precisa de cartão, pode passar por fora com as compras - retrucou o fiscal com simpatia

Essa pequena atitude gentil me poupou um grande esforço e uns mililitros de suor. O fiscal percebeu a dificuldade que eu enfrentava e se solidarizou com a minha situação. Era o suficiente para concluir, sem dúvidas, que aquele cara era gente boa. Agora eu subiria pelas escadas rolantes e esperaria o trem para continuar a minha batalha.

O descanso no trem facilitou o caminho durante as duas primeiras quadras. Faltavam seis. Quando comecei o percurso de subida, a coisa ficou ruim. Não havia maneira de carregar as sacolas que me deixasse menos desconfortável. Na terceira quadra, a dor já tomava conta do meu corpo. Eu não queria desistir, eu poderia superar aquele peso todo. Na quinta quadra, com o rosto vermelho de tanto esforço e os músculos tremendo, cruzo com Jin, a encantadora e tímida vizinha japonesa. Eu não poderia demonstrar sofrimento por causa de uns pacotes, por mais numerosos que fossem. Tentei manter uma aparência de tranquilidade e sorri. Atuei. Até coçei o nariz para mostrar a facilidade com que podia erguer aquela infinidade de sacolas. Por dentro, minhas fibras musculares se rompiam. Nos dedos, a circulação sanguínea estava interrompida havia minutos. Tive que aguentar um breve diálogo com ela, sempre com as compras suspensas. Nos despedimos e segui mais alguns metros no sacrificio. O suor estava prestes a diluir a minha camiseta e eu ainda tinha três quadras para seguir.

Foi aí que uma nova alma iluminada surgiu no meu caminho.

- Se quiser entrar com as compras te ajudo, parecemos estar indo na mesma direção - Uma senhora dentro de uma caminhonete oferecia uma carona milagrosa.

Era daquele tipo de velhinha que todos gostariam de ter como avó. Amável. Quem mais ofereceria carona para um desconhecido daquela maneira? Ela não poderia fazer o mesmo caso não fosse uma pessoa puramente bondosa. Seria tão difícil ser prestativo como aquela velhinha? Não parece. Oferecer uma pequena ajuda, uma palavra ou uma carona não é grande sacrifício perto daquilo por que os outros podem estar passando.

Percorremos três quadras até eu chegar em casa. Foi o suficiente para trocarmos poucas palavras e para eu me encantar com mais um exemplo de pessoa simpática e solidária. Esse é o povo australiano, um povo simplesmente gentil.

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Uma noite com tudo para dar errado

A festa brasileira à qual me referi no último post não foi a melhor parte da noite desta quinta. Vou contar alguns dos bons momentos a partir dos instantes seguintes à minha última postagem.

Estávamos começando a nos preparar para sair. Aproveitamos que seria uma festa brasileira para não ter pressa para chegar. Digo isso pois as festas dos aussies normalmente começam cedo, por volta das 21h. Consequentemente, as noites também acabam cedo, muitos clubs fecham em torno de 3h. Eu, Andrea e os guris começamos a abrir as cervejas que compramos na promoção, 24 Maxx Dry por $32. Logo em seguida, o gaúcho Leonel, que conhecemos no avião, apareceu com mais algumas garrafas.

Como as bebidas aqui são caras, essa foi uma das primeiras vezes que compramos cerveja em uma quantidade relativamente grande. Aqui na Austrália não se pode beber nas ruas. A multa para quem é pego com uma garrafa de bebida alcoólica fora de casa ou de um estabelecimento é de $200. Por isso, começamos a movimentação da noite ainda dentro de casa. O som foi aumentando e quando vimos todos cantávamos com as luzes apagadas.

Simplesmente esquecemos que temos dois novos moradores e que poderiam retornar a qualquer momento. Quando chegaram, nos surpreendemos com a reação. Sorriram, disseram que curtiam aquela música e perguntaram se a gente fazia bastante festa no apartamento. Respondemos que não é muito comum, já que normalmente saímos cedo. Bom saber que os espanhóis não se incomodam com bagunça e música alta.

Seguimos dançando e nos divertindo. Até que notamos que havia mais algúem tentando abrir a porta. 

- Quem estaria entrando se já estamos todos em casa? - perguntamo-nos.

Finalmente conseguiram abrir a porta. Era Thomaz, o proprietário do apartamento! Que azar, na única vez em que resolvemos fazer uma noite em casa com algumas bebidas chega ele, querendo ver como estavam os novos moradores!

Para o nosso alívio, ele riu e nos cumprimentou empolgado antes de chamar Alex e Cris, os espanhóis, para conversar no quarto. Tudo bem, seguimos nos divertindo normalmente. Thomas levou mais alguns minutos com eles e depois se despediu. Na manhã seguinte, ele nos enviaria um e-mail dizendo estar feliz que todos estamos convivendo bem, mas que devemos diminuir o volume da música e das vozes às 21h45 em dias de semana.

Todos estávamos quase prontos quando Andrea resolveu ir conosco à festa. Em 25 minutos ela chegava pela janela, pronta para nos acompanhar. Chegamos na estação à meia-noite e descobrimos não haver mais trens para o centro. Teríamos de esperar meia-hora para ir de ônibus. O destino era Darling Harbour, uma região turística cheia de opções para aproveitar a noite. Chegamos sob uma chuva forte e ainda teríamos de caminhar algumas quadras. Quando entramos, a festa estava vazia, apesar de a apresentação da Negra Li ter sido bem divulgada. Não poderíamos reclamar, afinal não gastamos um centavo sequer pela entrada.

Esperamos o ônibus, andamos na chuva e fomos a uma festa vazia. A noite tinha tudo para dar errado, mas nem percebemos esses detalhes. Quando se tem boas companhias, tudo fica divertido e qualquer noite pode se tornar inesquecível.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Troca de colegas de quarto

No final da nossa quarta-feira, recebemos a confirmação de uma notícia indesejada. As nossas colegas de apartamento Andrea (eslovaca) e Valentina (italiana) teriam de desocupar a nossa casa. O motivo é que duas pessoas estariam chegando juntas na quinta-feira e teriam de ficar no mesmo lugar. Uma pena, cada vez mais elas estavam se tornando grandes companhias, principalmente Andrea, que esteve conosco desde a nossa chegada.

Nada a fazer, isso é normal, tiveram de fazer o mesmo com o pessoal da coréia que estava aqui antes de nós chegarmos juntos.  Aliás, tudo isso tem um lado bom, conheceríamos gente nova. Organizamos a casa e limpamos tudo, como fomos orientados pelo proprietário, imaginando quem seriam as duas pessoas que estariam prestes a dividir a nossa casa. Tudo o que sabíamos era que viriam da europa. Sendo mulheres, as probabilidades de serem bonitas eram grandes. Começamos a imaginar se seriam italianas, francesas, suíças ou holandesas (as preferidas do Nick). Mas também poderiam ser dois homens. E se eles formassem um casal. Aí situação se inverteria, não vale a pena trocar nossas colegas por um casal de homens. Teríamos de esperar para ver no dia seguinte. Provavelmente na volta da aula eles estariam aqui.

Depois do curso, os guris foram fazer compras. Eu tive de ir ao centro buscar umas correspondências minhas na agência. Cheguei antes deles. No entanto, ainda no caminho entre a estação e a nossa casa, encontrei Andrea com um olhar triste subindo a rua a caminho da estação de trem arrastando uma mala enorme. Perguntei o que ela estava fazendo e ela explicou que teria de ir a outro bairro. Antes pensávamos que ela iria para algumas ruas abaixo da nossa. Ofereci ajuda, ela disse que não precisava, já que estava quase alcançando a estação. Com pena, segui meu caminho esperando encontrar os novos moradores e desejando boa sorte a Andra. 

Antes mesmo de entrar no prédio, vi uma garota! Com malas! Linda!

- Você está chegando hoje para morar aqui, na unidade 11? - perguntei
- Yes! - respondeu a bela morena.

Era ela! E eu tinha certeza de que era espanhola. Não imaginei por eliminação, simplesmente identifiquei. Queria conferir a amiga dela, saber se era tão bonita quanto a primeira e se aparentemente confirmaria a possível origem hispânica.

- Mas você veio sozinha? - questionei.
- Não - ela respondeu apontando para trás do prédio.

Passos sobre as folhas eram a evidência de que a segunda possível espanhola estava prestes a surgir. Esse era o momento!

- Hello! - dizia uma voz se aproximando. Uma voz masculina!
- Ah, não! Um homem! E ele está abraçando a morena! E agora beijando! São namorados!! - eu pensava tudo isso afundando em lamentação enquanto via o cara chegando.

Eram um casal de namorados. Era, para nós, um grande azar e uma péssima troca. Queria ver a cara dos guris quando descobrissem. Agora não havia nada o que fazer, sem grandes problemas. Afinal, quaisquer amizades são muito bem vindas. Não acertei no gênero dos novos colegas, mas na origem sim. Realmente vinham da Espanha, ele de Madrid e ela de Barcelona. Estavam esperando que um de nós chegasse para abrir a porta, já que não encontraram a chave no lugar onde devia estar. Aos poucos, fui conversando, me dividindo entre espanhol e inglês para facilitar a vida deles, que ainda não parecem lidar muito bem com a língua. O cérebro deu um nó entre os idiomas, mas pude ter certeza que eram legais e educados. Apresentei a casa e respondi várias perguntas deles antes que resolvessem arrumar as coisas e ir dormir para se recuperarem da viagem de cinco dias.

Os guris chegaram logo depois, contei-lhes sobre os novos colegas e a decepção foi evidente, mas ficaram aliviados ao saber que pareciam gente boa. Na sequência, uma surpresa. Andrea pulava a varanda e entrava pela janela, da maneira que fazemos quando esquecemos da chave. Surpresos, perguntamos o motivo da volta dela. Ela contou que alteraram outra vez seu novo endereço. Agora, Andra iria morar no bloco ao lado do nosso. Estaríamos separados apenas por um jardim. Foi por lá que ela chegou já pedindo que colocássemos um de nossos cds brasileiros dos quais tanto gostava, indepentemente do estilo, já que ela se diverte ouvindo de sertanejo a reggae. Andra mostrava no sorriso a satisfação de não ter de se mudar para longe e perguntou se a gente se importava que ela continue frequentando a nossa casa.

Ganhávamos dois novos colegas sem nos distanciar da nossa roommate favorita, Andra havia voltado pra casa. Nada melhor do que boas notícia como estas para finalizar nosso dia. Finalizar o DIA, por que neste momento nos preparamos para a Brazilian Summer, uma grande festa tipicamente brazileira. Espero que a noite de hoje renda boas histórias para o próximo post. Enquanto isso, Andra continua aqui no nosso apartamento, curtindo as músicas brasileiras e rindo ao ouvir os guris cantando sem parar.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Um sonho em inglês

Pela primeira vez tive um sonho em inglês. Dizem que quando alguém sonha em outra língua é sinal de que esse idioma realmente entrou na cabeça da pessoa. Talvez isso seja verdade, pois já acumulamos mais de duas semanas convivendo intensamente com o inglês e a evolução é perceptível, inclusive nos amigos que me acompanham. A prática do idioma só não é presente durante o dia inteiro por que estamos em um grupo de brasileiros e, assim como fomos previamente avisados, isso acaba prejudicando um pouco esse aprendizado.

Quando estávamos no Brasil, havíamos feito um acordo para falarmos apenas em inglês. Eu não achava que conseguiríamos e de fato isso não rolou. Eu diria que em 50% do tempo em que ficamos juntos conseguimos manter uma conversação em inglês, mas no restante do tempo acabamos deixando o acordo de lado, seja por cansaço seja por não sabermos como nos expressar em certas situações. Por isso, o meu conselho para quem for viajar com o objetivo principal de aprender outra língua é que o ideal é não ir com pessoas que falem o mesmo idioma. No entanto, caso não se queira abrir mão dessas companhias, há algumas maneiras de ter uma passagem mais produtiva por outro país. Uma delas é tentar fazer um acordo como o que fizemos, mas é difícil de cumprir. Outra é evitar pessoas que falem a mesma língua, conheci uma paulista no curso de inglês que veio para Sydney comprometida em não fazer amizades com brasileiros. Talvez isso seja muito radical ou até pode parecer meio anti-social, mas não deixa de ser um modo de aumentar o aprendizado. A escola, aliás, é sim fundamental para aprender o inglês, mesmo que muitos pensem que seja apenas um motivo para viver no outro país. Afinal, não basta conseguimos nos comunicar, temos que saber falar corretamente.

Eu não evito fazer amizades brasileiras, tampouco consigo falar apenas em inglês com meus amigos brasileiros. No entanto, tenho o meu modo de viver um pouco mais o inglês. No Brasil, eu sempre curti ter o meu tempo sozinho, dar voltas e conhecer coisas por mim mesmo. Eu uso isso aqui em Sydney como uma maneira de escapar do português. Hoje entrei em contato com o gerente da pizzaria italiana no qual fiz o teste no sábado e descobri que ele adiou a escolha do novo garçom. Por isso, resolvi usar a tarde para ficar sozinho e dar mais uma vasculhada na cidade atrás de emprego. Durante horas, fui a diferentes pontos da cidade entregando o meu currículo e conversando com gerentes de estabelecimentos. A cada parada que eu fazia para pegar um ônibus ou para fazer um lanche, eu conversava com alguém, nem que fosse para pedir informação. Não precisa ser um australiano, basta ser alguém que não fale a minha língua. Às vezes, conversar com um indiano ou com um turco é mais interessante do que com alguém nascido aqui, pois exige que eu tenha um ouvido afiadíssimo para entender o sotaque estranho deles.

Uma dessas conversas foi longa. Uma coreana de uns 24 anos me pediu informação quando eu estava na parada de ônibus. Iríamos pegar o mesmo ônibus e teríamos que esperar durante 30 minutos, tempo que ocupamos batendo um papo. Além de ter uma conversa agradável, pude perceber alguns tipos de erros que ela cometia e usar isso para corrigir os meus. Descobri a história de alguém que saiu do país por uma briga de família e conseguiu, ainda jovem, construir uma vida sozinha em outro continente. Fiquei surpreso com a facilidade que ela tinha de abrir detalhes da sua história a alguém estranho. Ela contava as dificuldades pelas quais passou demonstrando uma maturidade tão admirável quanto seus olhos puxados. Pude conhecer pessoalmente muito mais do que eu conheceria vendo um filme coreano em que dificilmente a história seria tão bonita. É em momentos como esse que percebo o quanto é rica uma experiência como essa. Pena que, quando menos esperávamos, havíamos chegado à parada dela e tivemos de nos despedir. Depois de andar a tarde toda, eu iria para casa dormir. Quem sabe não teria mais um sonho em inglês, dessa vez com uma bela coreana de 24 anos.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Um jantar desastroso

Nos primeiros 12 dias revezamos na cozinha. Nick, Dudi e Pozza cozinhavam. Eu e Murillo, com dotes culinários menos desenvolvidos, éramos os responsáveis por lavar e organizar a louça. Não preciso de modéstia, posso me orgulhar de ser conhecido pela inigualável capacidade de lavar qualquer tipo de louça. Meus recordes de tempo de lavagem são constantemente quebrados por mim mesmo, independentemente da situação em que as panelas queimadas pelo Dudi possam se apresentar. Um dia, no entanto, a minha imagem na cozinha ficou ameaçada. Após alguns desentendimentos, foram estabelecidos os dias e as funções em que cada um trabalharia para as refeições. Minhas fraquezas ficariam expostas quando chegasse o domingo, meu dia de ir ao fogão.

Tudo parecia normal, eu deveria preparar o prato de sempre: massa, molho de tomate e guizado. Porém as coisas começaram a ficar complicadas...

- Caras, não temos mais molho! - gritou Nick em tom de decepção.

Pronto, todo o respeito que havia conquistado comandando a pia poderia escorrer pelo ralo de uma hora pra outra, bastava preparar uma comida ruim. Com certeza sem molho não seria fácil. Massa sem molho é como a praia de Bondi sem topless. Tudo bem, cabeça erguida. Eu precisava pensar além dos outros, tinha de encontrar a solução diferenciada. Quem sabe as cenouras e as batatas que sobraram não poderiam dar um gosto especial para disfarçar a falta do molho...

Busquei as batatas e as cenouras. Cortei-as com a mesma destreza que tenho quando esfrego a esponja nos talheres. Na hora de colocar as batatas na panela, que já estava com a água na temperatura exata, a campainha tocou...

Chegaram os gaúchos do prédio do lado pedindo que devolvêssemos a panela que pegamos emprestada no nosso primeiro dia de Sydney. Ela era peça fundamental da nossa cozinha, já fazia parte das nossas posses e era a 'nossa' única panela grande!

- E agora? Temos uma panela média, uma frigideira e uma mini panela em que mal cabe meia batata. Já não basta o fogão com apenas duas bocas funcionando! Ok, queixo erguido! Vou buscar a frigideira para o guizado e farei o molho depois que usar a panela média da massa. Tudo vai dar certo! - pensei.

Tentei seguir meus planos com a frieza que Nick mantém durante um jogo de truco.

A frigideira com o guizado em uma das bocas e a massa na panela média ocupando a outra metade útil do nosso fogão. Quanto mais o guizado dourava, mais fumaça saía da frigideira. Liguei o exaustor para melhorar a minha visão, mas a fumaça se espalhou e tomou conta da casa. Quando Andrea e Valentina, nossas colegas de quarto, chegaram à sala perguntando qual era o motivo de toda aquela névoa, o alarme de incêndio começou a tocar no corredor do prédio.

- Mas não é possível! Eu só estou cozinhando, não estou acendendo nenhuma fogueira aqui! - gritei impaciente.
Fomos nós sete e mais o vizinho do andar de cima tentar dissipar a fumaça. Conseguimos aliviar nossos ouvidos e eu pude voltar ao fogão.

Quando estava tudo tranquilizado, a massa ficou pronta. Liberei uma boca do fogão e uma panela. A massa foi pra outro recipiente aguardar pelas batatas, pelas cenouras e pelo guizado. Botei as batatas. Quando estavam quase prontas, adicionei as cenouras. Resolvi tirar tudo antes que as batatas virassem purê, mesmo que as cenouras estivessem tão crocantes quanto estavam antes de entraram na água. Quando juntei toda aquela comida com aparência seca em um recipiente só, lembrei: eu não botei sal na massa!

Aí já era, não tinha solução. A massa era o prato principal e simplesmente não teria gosto. A situação em que eu estava era daquelas em que só resta começar a pensar nas desculpas: o alarme, a falta de panela, o fogão estragado, a falta do molho...

Pelo menos o diferencial funcionou, todos comeram o guizado, a batata e a cenoura como se fosse comida nobre. Azar. A minha função estava feita, agora alguém ainda teria de lavar. Ninguém mandou me tirarem da pia.

domingo, 16 de janeiro de 2011

Garçons por uma noite - Parte 2

De fato a nossa amizade foi um fator positivo durante o teste. Quando trocávamos as funções, passávamos instruções e dicas uns para os outros.

Logo de cara, a mesa que estava reservada ficou cheia, com 10 australianos sedentos por álcool. Em seguida a casa já estava lotada, com aproximadamente 50 clientes para atendermos. Dessa maneira não foi difícil perceber que ser garçom é um grande desafio, principalmente quando não se conhece os nomes das pizzas e bebidas, tampouco a maneira como são feitas e qual copo deve ser usado para cada drink. Quando os clientes pediam algo, tínhamos de ter certeza do que estavam querendo para não entregar o pedido errado. O sotaque australiano e os nomes estranhos dos pratos e bebidas não ajudavam em nada. Caso perguntassem algo mais complexo, como de que era feita cada pizza, tínhamos de arranjar alguma maneira de nos desdobrar. Aprendemos o valor de uma pessoa educada, bem-humorada e, acima de tudo, paciente.


Depois de duas horas de trabalho e já bastante suados (dessa vez em função da correria equilibrando bandejas cheias e pilhas de pratos nos braços), Cláudio achou que contar com três garçons era demais. Ele agradeceu a presença do Nick e falou que ele já podia voltar para casa. Achamos ruim por ele ter perdido a vaga e por termos um parceiro de aprendizado a menos tão cedo. Tive de me virar sozinho lá atrás, anotando os pedidos, preparando os drinks e servindo os clientes, enquanto o Murillo atendia as famílias que chegavam e as que ocupavam as mesas da frente.

Parte dos fundos da Cortile Pizza
Por volta das 23h, estávamos exaustos. Não havíamos comido nem bebido nada desde o almoço. Ainda servíamos vinhos, cervejas, vodkas, águas, whiskies, refrigerantes, misturas disso tudo e também queimávamos nossos dedos com as pizzas recém saídas do forno. Já não aguentávamos mais segurar tantas pizzas e preparar drinks de tudo quanto é tipo sem poder comer ou beber em instante algum. 

Sequer sabíamos quanto eles oferececeriam a quem conquistasses a vaga, mas tínhamos certeza de que a remuneração deveria ser à altura do esforço ao qual o vencedor iria se submeter. Apesar de tudo, pedíamos que nos passassem novas funções, sempre tentando aparentar que tudo estava sob controle. Agíamos como se a nossa disposição estivesse longe de chegar ao fim. Seguimos assim até que os clientes começaram a pagar as contas e a se despedir. Estava acabando a noite, o nosso serviço e também as cantadas dOs clientes. Sem problema. Secaríamos mais algumas louças e descobriríamos quem seria o escolhido. Ou não.

- Vocês podem deixar que eu termino de organizar os copos. Amanhã virá uma garota que também está concorrendo à vaga. Depois de vê-la trabalhando, escolho o melhor dos três e ligo para o novo garçom na segunda-feira. Muito obrigado por virem - Cláudio se despediu.

Com a fome e a sede, estavam a exaustão e a dúvida. Quem seria o escolhido e qual seria o salário oferecido? Descobriríamos na segunda-feira. Ou não.

sábado, 15 de janeiro de 2011

Garçons por uma noite - Parte 1

Uma boa notícia já no começo desse sábado: eu, Murillo e Nick recebemos e-mails nos convidando para uma entrevista de emprego. Teríamos de estar às 17h em uma pizzaria que tinha vaga aberta para garçom. Após o almoço, vestimos nossas melhores camisas, imprimimos os currículos e pegamos o trem para Surry Hills, onde fica a pizzaria Cortile Pizza. Imaginávamos se seria um bom restaurante, legal para trabalhar e com boa remuneração, ainda alimentávamos a chance de haver vagas para mais de um de nós.

Chegamos lá suados depois de atravessar a cidade e subir avenidas sob um sol fortíssimo. Faltando dez minutos para o horário combinado, a decepção: o funcionário que estava abrindo a pizzaria não sabia de vaga alguma e disse que não poderia nos ajudar. Ele pediu que deixássemos os currículos e então os entregaria ao gerente. Ficamos sem ter o que falar, o possível primeiro emprego parecia ser mais uma sacanagem de alguém que acessou o site de ofertas de trabalho no qual nos registramos. Questionamo-nos sobre o que deveríamos fazer. Decidimos dar uma volta para tirar mais cópias dos currículos e então pedir emprego em outros lugares, já que estávamos bem vestidos e com tudo em mãos. Depois de andar, descobrimos que Surry Hills é um bairro gay de Sydney. Casais de homossexuais e bares GLS predominavam pelas ruas.
 
Oxford St, ainda vazia, ornamentada com as cores GLS
Sem encontrar lugar algum para tirar cópias, resolvemos voltar para casa. No caminho, passamos pela Cortile e vimos uma movimentação maior dos funcionários. Perguntamos se o responsável ainda não havia chegado, mas lá estava ele, o gerente. Cláudio.

- Fui eu quem mandei os e-mails, só não contei aos demais empregados. Vocês estão juntos? - perguntou Cláudio, que se demonstrava simpático apesar do ar de seriedade.
- Sim, moramos na mesma casa. Somos amigos e todos recebemos o e-mail - respondi.
- Ok, então estejam aqui às 19h que eu vou fazer um teste durante a noite. Vocês precisam usar uma camiseta assim - afirmou Cláudio, apontando para seu uniforme. - Mas eu só tenho uma vaga. Com o teste eu vou escolher quem for o melhor.

O gerente não quis falar qual seria o salário oferecido, achava cedo para contar.

Faltando uma hora e meia para o teste, teríamos que ir até o centro para comprar uma camiseta nova para cada um. No entanto, isso não era no que mais pensávamos, pois em instantes seríamos amigos competindo por uma vaga de emprego e apenas um iria conquistar. Se a amizade não fosse forte como é, seria uma situação complicada, mas levamos na esportiva e sabíamos que não haveria problemas. Independentemente de quem ganhasse, essa seria uma baita oportunidade e a chance de adquirir alguma experiência, a qual para nós só existia em nossos currículos um tanto distorcidos.

Conseguimos chegar na hora certa vestindo as nossas novas camisetas. A pizzaria tinha dezoito mesas e quatro funcionários, o Cláudio e mais três pessoas trabalhando na cozinha, todos italianos. Nessa noite, nós seríamos os garçons. Um começaria na frente da pizzaria, recebendo e levando os clientes às mesas. Os outros dois ficariam no pátio de trás (onde fica a maior parte das mesas). Lá, um faria os drinks e o outro serviria os clientes e tomava nota dos pedidos. Estávamos ansiosos para ver como nos sairíamos em uma função totalmente desconhecida.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Dicas para comer bem e barato

Morar do outro lado do mundo exige um investimento considerável. Normalmente quem quer se virar durante alguns meses no exterior não esquece disso e tenta evitar maiores gastos, principalmente enquanto não tem um emprego. Um possível agravante é o custo de vida do destino escolhido. Comparando com o Brasil, na Austrália a grana acaba mais rapidamente se não houver alguns tipos de cuidados e se não se abrir mão de certas comodidades. Para quem quer economizar, não é aconselhável comer fora de casa, ao menos que se escolha frequentar fast foods como o McDonald's e Hungry Jacks (o Burguer King no Brasil), que oferecem lanches reforçados mas não tão saudáveis por $6,50. Dificilmente os restaurantes cobram menos de $10 por um prato (sem contar a bebida).


O que resta é cozinhar e isso exige fazer um rancho mais completo no supermercado. Como o custo de vida é mais caro por aqui, os bolsos dos estudantes tendem a esvaziar quando se enche o carrinho. E é aí que vai a grande dica: as home brands (marcas da casa). Home brands são os produtos com a marca do próprio supermercado, como existe no Brasil também. A diferença é que na Austrália os preços das home brands são muito mais em conta. Desde a nossa primeira semana em Sydney, compramos no Coles, um dos principais supermercados, que está espalhado por todos os cantos da cidade. Foi aí que descobrimos a grande saída para as nossas despesas, os produtos Coles. Tudo que é tipo de produto tem a opção da home brand do Coles, desde esponjas até achocolatados. O melhor de tudo é que a qualidade não diminui, sequer no refrigerante de Cola, cujo gosto não perde muito para o da Coca-cola. Atualmente o dólar australiano tem custado R$1,85, mas quem for realmente viver fora do Brasil não pode pensar em reais, o ideal é se adaptar ao custo de vida do país tendo em vista a remuneração média do local. Nas compras dessa quinta-feira, resolvi comparar os preços de alguns dos produtos que compramos com a home brand Coles com o valor das demais marcas:

Produto                                   Coles                                     Outras marcas
Espaguete                               59c (500g)                             $2,25 (500g)
'Miojo'                                      $1,09 (5 pacotes de 85g)       $1,79 (5 pacotes de 74g)
Molho de tomate                     $1,99 (700g)                           $2,75 (700g)
Pão de sanduíche (forma)      $1,79                                      $3,99
Papel higiênico                        $3,99 (12 rolos)                     $6,38 (12 rolos)
Suco de laranja                       $2,79 (3 litros)                        $3,99 (2,4 litros)
Refrigerante de cola               75c (1,25 litros)                      $2,69 (1,5 litros de Coca Cola)
Achocolatado                          $1,79 (250 g)                          $3,25 (200 g)
Corn Flakes                            $1,99 (520 g)                          $2,77 (500g de Kellogg's)
Biscoito                                   $2,09 (500g)                           $3,99 (500g)
Leite                                        $3,09 (3 litros)                        $5,16 (2 litros)
Margarina                                $1,98 (1 kg)                            $4,50 (1kg)
Coles: Why pay more for everyday basics?
Verduras e frutas são caras aqui na Austrália, até agora estamos indo devagar com elas, mesmo que estejamos dispostos a manter uma alimentação decente. No entanto, após ver os preços, decidi que só irei comprar esse tipo de comida com mais frequência quando tiver garantido um emprego. Outra coisa cara é bebida alcoólica, aqui na Austrália esse tipo de produto, assim como o cigarro, enfrenta grandes obstáculos do governo e é alvo de intensa fiscalização. É tão grande a luta do governo australiano contra o alcoolismo, que pode ser considerada equivalente ao combate da dengue ou da aids no Brasil. Vou anotando, essa considerada epidemia do álcool pode ser um futuro tema para o blog.

Obs: fiquei devendo o nome do lugar e da bebida que tomei essa semana. Quem quiser experimentar o mesmo que eu deve ir ao New Orleans Cafe e pedir um baileys with mocha. O menu, a programação de eventos e a localização estão no site: http://neworleanscafe.com.au.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Muita gente em um único dia

Quanto mais, melhor. Japoneses, colombianos, brasileiros, eslovacos, italianos, coreanos, norte-americanos... Sejam de onde forem, novas amizades são sempre bem-vindas. Nada melhor do que um primeiro dia de aula para conhecer gente nova. Não deve haver, tampouco, lugar no mundo que reúna tantas culturas como Sydney.

O primeiro contato com a nova turma demonstrou essa variedade, mas também algumas coincidências. Rapidamente, uma das colegas brasileiras e eu descobrimos grandes semelhanças. Gabriela e eu cursamos jornalismo, ela no Paraná e eu no Rio Grande do Sul, ambos estamos no quatro semestre da faculdade e, surpreendentemente, antes de vir a Sydney estávamos fazendo estágio na mesma empresa, ela na rádio Band News de Curitiba e eu na de Porto Alegre. É incrível essa oportunidade que temos de encontrar gente de tudo que é tipo nessa cidade, inclusive do nosso.

Depois de uma segunda-feira cansativa procurando trabalho e dormindo pouco, preferi dormir durante a tarde dessa terça e estar disposto para aproveitar a noite. Fui acordado com uma mensagem (para variar), mas dessa vez era realmente uma boa notícia. Sophie, uma garota que conheci semana passada, sugeriu que fôssemos a um café. Ela, em si, representa essa miscigenação, uma nova-iorquina filha de um americano com uma japonesa que mora em Sydney desde a infância. Sophie me levou a um café em Chatswood, bairro próximo ao meu. Mais novidades por lá, uma bebida que nunca havia tomado: uma taça de café com um pouco de uma bebida alcoólica, de cujo nome não me lembro, misturado com leite (prometo descobrir o nome exato do lugar e da bebida, vale a pena experimentar). Sophie perguntou se eu gostaria de conhecer sua praia preferia, Warriewood, na região norte da cidade. Topei, claro. Depois de uma pequena viagem, pude conhecer Warriewood, uma praia pequena, pouco frequentada por turistas, daquelas que apenas quem mora por perto conhece, já que o acesso por transporte público é complicado. Muita conversa passara quando percebemos que horas eram... Melhor voltar pra casa, amanhã tem mais aula e talvez novos colegas, sabe-se lá de onde.

Warriewood