quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Meu teste na cozinha

"Eno Pizzeria". Era o que estava escrito na frente do estabelecimento da Grosvenor Street, número 19. Eu chegava no meu destino com a elegância necessária para uma primeira boa impressão. Cabelo levemente molhado e roupa preta discreta na medida. 22 minutos após sair de casa, eu encontrei o local. Lembrei da tarde que eu havia entregado meu currículo por lá. Eu me sentia bem e confiante, de nada adiantaria perder a calma naquela hora. Faltavam 15 minutos para o horário combinado. Eu continuaria ouvindo Bob Marley no MP3 até que faltassem apenas cinco minutos. Eu aguardava na rua ao lado, quando o meu celular vibrou.

- Alô, Daniel Fraga? - perguntavam
- Sim, sou eu mesmo - respondi
- Você largou um currículo aqui no meu restaurante ontem à tarde, no Tony Roma's. Eu gostaria de saber se você poderia vir amanhã para uma entrevista. Se tudo correr bem, podemos fazer um teste para garçom - para a minha felicidade, era um convite de outro restaurante.

Eu não fazia ideia de qual restaurante era, já havia deixado tantos currículos sem nem olhar o nome dos lugares que era impossível lembrar de cada um. Pedi o endereço correto, anotei e topei, claro. Caso não desse certo na pizzaria, haveria uma chance amanhã já.

Cinco para as quatro. Era a hora. Entrei. De cara, conheci o indiano cujo nome não fui capaz de decorar. Todos os outros 13 funcionários são italianos. Simpáticos, engraçados e prestativos, sem excessão. Era o indiano quem me ofereceria todo o apoio durante as sete horas seguintes. Ele, o kitchen hand da noite, estava designado a me orientar descascando, lavando e guardando frutas, verduras e frutos do mar. As louças, o estoque e a limpeza são as outras funções que eu e ele também dividiríamos. Eu assumiria tudo sozinho caso fosse aceito.

Durante toda a noite, tentei ser prestativo, interessado, esforçado e simpático. Gostaram de mim, de fato. A grande dificuldade, além do esforço físico, é o vocabulário muito específico para diversos ingredientes e tipos de utensílios da cozinha, nada que não se aprenda com um pouco de prática.

- Dani, você pode trabalhar pela manhã? O nosso pessoal da noite não está precisando tanto - questionou o chefe maior da cozinha, Valério, já me chamando pelo apelido.
- Posso sim, vou iniciar um novo curso na semana que vem, então eu tenho a possibilidade de trocar o turno. Eu ainda não te perguntei, mas será que você poderia me explicar como é o pagamento aqui? - respondi e mandei outra pergunta.
- Eu tenho que falar com o proprietário para ver quanto você vai ganhar, mas você pode voltar aqui na sexta-feira já no horário da manhã? Daí na semana que vem e na seguinte a gente combina junto os dias em que tu deves vir - Ele respondia já marcando na agenda os horários da semana que vem com o meu nome.

Respondi afirmativamente. Então estava definido. Eu consegui a vaga! Seria o meu primeiro emprego em Sydney! Porém algo me deixava desconfortável e impedia que o sentimento de conquista e de trabalho bem feito me subisse à cabeça. Eu não havia me contentado ainda. Afinal, por que motivo ele não me informara o salário? Eu não sabia se tamanho esforço seria bem recompensado e ele já me considerava contratado. Tive que aguardar até o final da noite para descobrir.

A minha mão estava cheia de calos de tanto trabalhar com prato quente e água fervendo. A cozinha fecharia às 10h30 da noite, e eu não fazia ideia de que horas eram. Mesmo assim, eu percebia a diminuição do volume de louças e o movimento maior das sobremesas, quando o responsável pelas pizzas perguntou qual o sabor de pizza eu gostaria. Fiz de conta que não era necessário me darem uma pizza, que seria uma gentileza e que me sentia lisonjeado. Na verdade eu queria aquilo mais do que qualquer coisa e achava que era uma obrigação deles me oferecer comida depois de trabalhar sete horas sem descanso. Fiz de conta que avaliei a situação e que pensei qual sabor eu gostaria de comer. Apontei para a primeira que vi. Qualquer pizza seria a melhor do mundo naquela situação. Olhei pela porta da cozinha e percebi que não havia mais clientes. Organizei as últimas coisas, peguei a minha pizza e, antes de sair, criei coragem para conversar com o dono pela primeira vez, sem esperar o chefe da cozinha tocar no assunto da grana.

- Não tive a oportunidade de me apresentar para você ainda. Meu nome é Daniel -  falei em um tom quase formal
- Não nos falamos ainda, mas sei quem você é. Sou o Mauro. Gostei de ver você trabalhando. E você, gostou daqui e do serviço? - respondeu surpreendentemente simpático e interessado
- Gostei sim, gostei bastante - fiz a pausa adequada para não parecer afobado - O Valério já combinou comigo os próximos dias em que virei, está tudo acertado. Só tenho uma dúvida que não tirei... Qual é o pagamento para essa função? - perguntei delicadamente, imaginando que fosse um salário que eu imaginava como o legal para me manter bem aqui, que seria a partir de $15 por hora.
- Para Kitchen Hand são $12 dólares por hora. Para outras funções é um pouco mais - respondeu. Eu queria mais. $12 não havia me agradado.
- Sinceramente, eu esperava que fosse um pouco mais. Na verdade eu buscava algo um pouco maior, já que estou recém chegando em Sydney e tentando estabelecer as minhas coisas - respondi tentando ver a ideia dele em relação à minha situação.
- Eu sei que é complicado. Quando eu iniciei eu estava exatamente no seu lugar - afirmou tentando me animar - Os garçons aqui ganham mais, entre $16 e $18, mas nós exigimos pessoas já bem experientes. Posso um dia fazer um teste contigo aqui, enquanto você atua como Kitchen Hand. Mas acho importante que pelo menos para alavancar nesse seu início você se encaixe em um trabalho fixo. Talvez essa primeira experiência abra portas para uma oportunidade melhor daqui a uns três ou quatro meses - argumentou compreensivamente.

Minha cabeça ficou cheia de questões. A escolha não será fácil, pois há vantagens e desvantagens. Por um lado o baixo valor pago conta muito e o esforço que o trabalho exige também, sem contar o tempo gasto, inclusive em finais de semana. Por outro, a pouca grana oferecida poderia auxiliar nesse início, a experiencia pode ser importante, como Mauro havia dito; eu teria uma refeição garantida quando trabalhasse e o horario seria muito bom (das 10h às 15h três ou quatro dias por semana).

Uma coisa é certa, posso esperar até amanhã à noite para pensar bem, já que a entrevista dessa quinta pode resultar em uma nova oferta para eu avaliar.

Mesmo sem uma grande experiência por aqui, eu já tenho muita coisa para falar sobre a busca de emprego na Austrália. Essa é, com certeza, uma das maiores aflições para quem vem. Isso é sim um desafio, mas é, acima disso, uma grande experiência. A dica que tenho hoje é a mesma que já recebi: o melhor modo de conseguir uma oportunidade é o modo mais direto, indo para rua com o currículo na mão e falando cara a cara com o empregador. Tanto o teste de hoje quanto a entrevista de amanhã são frutos de tardes que passei entregando meus currículos e me oferecendo. Há muito o que falar sobre trabalho no exterior. Vou aproveitar o teste de amanhã para abodar mais esse tema e contar sobre essa nova experiência.

4 comentários:

  1. Já vou te mandar outro e mail ... Rs! Parabéns pela vaga Daniel e vamos torcer para o de amanhã! =)Beijos!

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  2. Mazah, sabia que ia dar tudo certo! Mesmo que o salário seja baixo, é melhor assim do que tu ficar mais um mes sem receber nada,né?!
    E tu é muito cria do David Coimbra, ta escrevendo muito parecido com ele :P hehe
    Ta, e o Daniel, um pedido: quando tu nos relata os diálogos que tu tens com as pessoas, tu terias como colocar em ingles? ( e se quiser, a traducao em portugues?) Pq lendo parece ser mt facil, mas pode ter girias e expressos que quem está aqui e quer viajar não conhece. E outro, tem como tu dar dica sobre o que colocar no Curriculo? O que tu colocaste no teu?
    Boa sorte no outro.

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  3. Ahh e que outro curso tu vai fazer? achei que o curso de ingles fosse uns 5 meses 0O

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  4. Eu gostaria de saber quem fez esses comentários. Ou realmente me conhece, pois sempre li David Coimbra, ou é coincidência.

    Quanto aos diálogos em inglês, eu posso tentar escrever antes de postar e ver como fica, se ficar bom uso essa ideia, caso contrário posso apenas colocar algumas expressões mais úteis e traduzir.

    Vou falar em breve sim sobre os currículos.
    Vou fazer preparação para Ielts, um teste de proficiência. Na verdade, os cinco meses que ficaram estabelecidos são referentes ao tempo em que eu devo estudar na escola. Dentro desse período eu posso trocar de curso dentro do que eles oferecem. A tua evolução nos níveis e o teu timetable (horário) são bem flexíveis, entao caso tu esteja melhor que os teus colegas tu pode ir para um nível acima. Se tu arranjar um emprego no turno em que estudas, tu podes trocar o turno dos teus estudos. Pelo menos na minha escola é assim, a AIPE. Normalmente essas escolas estão acostumadas a lidar com esses casos, já que são preparadas para lidar especialente com estrangeiros.

    Se quiser uma explicação maior sobre os curriculos ou algo mais específico pode me mandar por e-mail enquanto não faço uma postagem sobre isso.

    Abração!

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