quinta-feira, 21 de julho de 2011

A volta às aulas

Optar por ter aulas aos sábados e domingos não foi fácil, ainda mais quando a melhor opção de curso não era o que mais me agradava, business. Também não será uma tarefa simples chegar pontualmente às 7h30. Contudo, com o primeiro final de semana de aula, estou percebendo que fiz a escolha certa.

Por sorte, fui colocado em uma turma interessante, com colegas da América do Sul, Ásia, Europa, Oceania e, especialmente, dos Estados Unidos. Se me propuz a estudar em condições propícias para o tédio, tive de encontrar saídas para isso. A primeira delas foi descoberta logo nos primeiros minutos, a loira norte-americana de beleza e sotaque cinematográficos. Descobri logo de cara que ela tem um namorado brasileiro, nada que me impeça de reservar uns minutos de tédio para imaginar ela dando suas aulas de ioga. Sim, ela é professora de ioga (o que explica a forma física impecável).

A verdade é que a melhor arma para o combate do tédio é a observação. Cada local ou indivíduo tem suas peculiaridades. Basta buscar as características mais incomuns das pessoas e prestar atenção nas situações que vivemos para ver a graça da vida. Muito mais do que um filme de comédia, a vida é engraçada. As pessoas que estão ao nosso redor podem ser tão curiosas quanto os personagens de um longa-metragem e as cenas também se repetem como nos maiores clichês do cinema. Basta observar...

Em qualquer sala de aula do mundo, independentemente de cultura, as turmas são iguais. Há aqueles que sempre chegam com duas horas de atraso e sentam no fundo da classe pensando não terem sido notados pelo professor. Totalmente desinteressados no assunto da aula, baixam suas cabeças, tapam os olhos com uma mão e seguram a caneta com a outra, fingindo escrever enquanto dormem. Também há aqueles que fazem questão de sentar na primeira fileira e de participar da aula a todo momento (normalmente com intervenções desnecessárias), desagrandando ao professor tanto quanto os alunos do fundo. 

Tudo isso que eu via no Brasil tenho notado também por aqui. Mas o que mais tem me entretido nesses primeiros dias de aula são os personagens da turma. Entre essas figuras, está o Jack Chan tailandês, o cara da gargalhada muda, a japonesa que sonha ser a garçonete mais bem-sucedida de Sydney, o coreano que come duas espigas de milho cruas no intervalo, o holandês que ambiciona lucrar 1 milhão de dólares em 2011 com a empresa que ainda não abriu e o lutador de judô húngaro com 145 quilos visivelmente interessado no patinador espanhol quarentão que assiste Harry Potter durante a aula. Não se trata de deboche, apenas de observar os detalhes para buscar um ângulo diferente e mais interessante do que poderia ser apenas um momento entediante e sem atividade alguma na sala de aula.

Os momentos sérios das aulas também tem rendido. Discutindo a respeito de planejamento no ambiente de trabalho, o professor (chefe de cozinha durante 30 anos) questionou-me sobre o que faço. Expliquei minhas funções e ele comentou que já havia trabalhado em um restaurante com o mesmo tipo de serviço. Foi aí que abriu ainda mais meus olhos sobre o aprendizado que posso ter com esse emprego. Eu já valorizava muito essa experiência que venho tendo, mas percebi que a capacidade de trabalhar em equipe e a responsabilidade exigida dentro de um restaurante, por exemplo, podem ser extremamente valiosas em funções bastante distintas no futuro.

Trabalhar como churrasqueiro e estudar business são, definitivamente, atividades de que nunca imaginei participar, que não tem ligação direta com a carreira que imagino seguir e que podem não adicionar muito ao meu currículo, mas experiências e conhecimentos em campos diferentes podem render muito mais. Hoje percebo que uma única aula de business pode ampliar minha noção a respeito de áreas desconhecidas, mudar a visão que tenho daquilo em que já estou envolvido e ainda render momentos divertidos.

Fim de intervalo e hora de voltar para a sala. É a vez de o patinador quarentão e de o comedor de milho cru apresentarem seus trabalhos.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Lembranças das férias - A aeromoça

    Conhecemos Robinson ainda em Bali. Desde lá, ele faria parte de todas as nossas aventuras durante as férias. Também brasileiro e também vivendo em Sydney, estava, assim como nós, em busca de praia e festa. Robinson uniu-se definitivamente a mim, Murillo, Dudi e Leonel. Formamos um time. Vivenciamos aventuras, fomos a lugares paradisíacos e conhecemos gente da Ásia, da Oceania e principalmente da Europa. Pois foi justamente uma européia que conquistou Robinson e que ficará guardada nas melhores lembranças de suas férias. 

    Estávamos já em Koh Phi Phi, na Tailândia, o último local que conheceríamos e também o mais belo. Se algum lugar na terra se aproxima do paraíso, esse lugar é Koh Phi Phi, uma ilha minúscula, sem carros, com água do mar quente e cristalina, cheia de jovens e de comida boa. Acordávamos para andar de barco entre as gigantescas rochas inexplicavelmente colocadas no meio do oceano, para mergulhar entre os peixes, para fazer trilhas e para comer dezenas de baratíssimos picolés. Apesar de toda a diversão sob a luz do sol, não parávamos de pensar, durante cada atividade, em como seria a noite nas festas à beira do mar.
   
    Na primeira noite em Koh Phi Phi, a ansiedade superava o cansaço acumulado das duas semanas de férias que já haviam passado. Estávamos mais dispostos do que nunca. Chegando à orla, descobrimos que as noites naquela ilha seriam bem parecidas com as de Koh Phangan, à beira-mar, com competições valendo drinks e com os famosos baldinhos, combinações baratas (e de origem duvidosa) de bebidas servidas em baldes coloridos.

    Robinson havia se perdido do grupo quando encontrou um de nós conversando com duas garotas. Seu amigo estava visivelmente interessado em uma delas. Robinson, porém, mal havia notado a garota loira que atraía a atenção do outro. Assim que os avistou, seus olhos se voltaram diretamente à morena. Eles foram apresentados e logo estavam conversando sentados na areia. A simpatia da morena parecia aumentar no decorrer da conversa. O luar refletido na água combinado com a beleza daquela orla faziam o momento se tornar especial. Robinson não parava de admirar aquela inglesa, Jolie, de 24 anos, linda como nenhuma outra inglesa já vista por ele. Ele não imaginava que poderia se interessar ainda mais pela garota. Até que começaram a falar sobre suas profissões.


- Eu fico de férias aqui em Phi Phi até depois de amanhã, quando volto para Dubai - contou a inglesa.
- Para Dubai? Mas você não é inglesa? - questionou.

- Sou, mas moro em Dubai por causa da minha profissão - respondeu a garota.
- O que você faz?
- Sou comissária de bordo da Emirates.


    A informação demorou alguns segundos para ser processada. Ela era comissária de bordo! Linda, simpática, 24 anos, inglesa, residente em Dubai e AEROMOÇA. Aeromoça da Emirates! Robinson sempre sonhara em conhecer uma aeromoça. Sempre que andava de avião, admirava os sorrisos e a simpatia das diferentes mulheres que o atendiam. Sempre imaginara o dia em que teria a oportunidade de desarmar o penteado impecável de uma aeromoça. Não era à toa que o penteado daquela garota tinha chamado sua atenção...


    Robinson estava ainda mais encantado. Continuou a conversa interessadíssimo. Queria ouvir as histórias de cada país para onde ela havia viajado. Queria saber tudo sobre a vida nos ares. Queria desvendar os mistérios da intimidade de uma aeromoça.


    No dia seguinte, Robinson falou inúmeras vezes sobre sua longa noite para seus amigos. Enquanto eles estavam ansiosos por mais uma festa, ele só pensava em encontrar novamente a inglesa.


    Chegou cedo à festa para procurá-la. Acharam-se rapidamente como se estivessem em busca um do outro. Tiveram uma conversa tão agradável quanto a da noite anterior e dançaram, no bar mais vazio da orla, a música preferida da inglesa antes de saírem da praia abraçados. Já pela manhã, se despediram no hotel de Robinson.


    No terceiro dia em Koh Phi Phi, Robinson contaria sobre a segunda noite perfeita que tivera ao lado da inglesa. Seus amigos contestavam a ideia de ele ver a garota todas as noites ao invés de curtir com eles e de conhecer pessoas diferentes, mas para ele não havia maneira melhor de aproveitar ao máximo aquele lugar. Estava decidido a encontrá-la novamente.


    A vontade de rever Jodie não havia diminuído, mas uma forte febre pegou Robinson de surpresa e o deixou indisposto para aproveitar a noite intensamente. De qualquer modo, foi à praia procurar por Jolie. Afinal, era a última noite da inglesa na ilha antes de voltar a Dubai.


    Mais uma vez, encontraram-se nas primeiras horas de festa. Sob uma chuva insistente, Robinson não estava bem.


- Jolie, eu não estou me sentindo bem. Preciso voltar para o quarto para dormir e me recuperar. Vim aqui só para me despedir de você.
- Que pena... Mas o que você tem? - Jolie falou.
- Estou com febre, acho que tenho descansado muito pouco...
- Tudo bem, melhor dormir então. Mas não precisa se despedir, ainda vamos nos encontrar - falou antes de beijá-lo.


    Robinson voltou ao hotel imaginando se realmente voltaria a ver Jolie. Cansado e febril, dormiu profundamente.


- Ei, acorda... - Alguém cochichou, cutucando o pé de Robinson.


    Com a pouca luz que entrava pela janela, Robinson reconheceu a silhueta de Jolie dentro de seu quarto ainda molhada pela chuva.


- Falei que ainda nos veríamos. A festa lá na praia acabou. Vim te dizer boa noite - disse Jolie com um tom delicado.
- Que surpresa! Não esperava que viesse até aqui... Aliás, como você chegou? - perguntou Robinson.
- Lembro exatamente o caminho que fizemos ontem. Eu ia bater na porta, mas ela estava aberta e eu entrei. Eu queria te dar mais um beijo. Foi muito bom te conhecer! - respondeu Jolie.
- Gostei muito de te conhecer também. Fiquei feliz por você vir se despedir.
- Não precisamos nos despedir. Esqueceu que sou aeromoça? Nos próximos meses vou para Sydney pelo menos uma vez, então a gente se vê. E, quando você já estiver no Brasil, talvez eu passe por lá também. É só combinarmos - falou sorridente.


    Com a aparição no meio da madrugada, Jolie conquistou Robinson definitivamente e ele passou a gostar mais do que nunca de aeromoças. Hoje, em Sydney, Robinson segue esperando o dia em que poderá desarmar mais uma vez o penteado de Jolie.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Um dia especial

Era mais um dia ensolarado e frio no inverno de Sydney. Mais um dia em que eu trabalharia e veria meus amigos após o serviço. Há quem considere rotina um sinônimo de monotonia. Entretanto, os dias que eu vivia apenas aumentavam a vontade de aproveitar cada momento. Nunca uma rotina fora tão prazerosa e cheia de surpresas.

Saindo de casa após o almoço, eu percorreria o trajeto de sempre rumo à churrascaria. Ouvindo Jack Johnson no mp3 player, eu sorria e cantava admirando cada parte do caminho. Eu imaginava a falta que sentiria daquelas ruas assim que eu voltasse ao Brasil. Em alguns meses, cada local tão peculiar e tão presente nessa etapa da minha vida, simplesmente, ficaria para trás e se transformaria em memórias. Eu tentava adivinhar quais daqueles restaurantes, artistas de rua, vendedores e prédios que eu via todo dia fariam parte dessas lembranças.


Foi observando cada detalhe e cada personagem anônimo dessa minha rotina, que me deparei com um morador de rua da Oxford Street. Enquanto eu vivia um sonho verdadeiro e sentia a felicidade fazer meu sorriso crescer naturalmente, aquele homem, ainda jovem, estava, provavelmente, vivendo uma realidade oposta. Sentado na calçada, esticava o braço empunhando um chapéu para receber doações. Muitas vezes, passo por moradores de rua sem ser tocado por um sentimento de solidariedade. Infelizmente, essas situações acabam se tornando corriqueiras e não recebem de nós o valor que deveriam. Porém, naquele momento em que eu observava cada detalhe daquela rua, meu olhar se fixou no rapaz. Ele destoava da realidade perfeita que eu enxergava.


- Se você quiser tenho um pote com comida - ofereci quando lembrei da marmita que sobrara do dia anterior.


O sorrisso que havia saído do meu rosto ao ver a realidade do homem foi transferido. Quem passava a sorrir era ele.


- Muito obrigado, eu quero sim. Muito obrigado mesmo. Que Deus lhe abençoe e que seu dia seja muito especial - agradeceu largando o chapéu e pegando a marmita.


Depois da resposta, os dois estavam sorrindo. Assim, o desejo dele se realizou: o meu dia se tornava especial. Provavelmente aquela era uma das pessoas que ficariam guardadas na minha memória daquele local. Segui meu caminho. Ele ficou lá, segurando o pote como uma criança ao receber o tão esperado presente de aniversário. Ele nem imaginava que o aniversariante daquele dia era eu e que aquele sorriso seria o maior presente pelos meus 21 anos.