quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Lembranças das férias - O narguilé indonésio

Movimentação em Kuta à noite
Esse amigo nosso, que conhecemos lá mesmo na Indonésia, não era alguém totalmente normal. Robinson gostava de beber, e muito. Depois do dia completo de passeios, jantamos cedo na rua mais baladada de Kuta, a praia mais movimentada da cidade. Comemos pouco. Devia ser hábito local não se alimentar em grandes quantidades, pois nunca saíamos totalmente satisfeitos. Eu e Murillo voltamos ao hotel para arrumarmos os preparativos para a noite. Ele, juntamente com Dudi e Leonel, foram a um dos bares próximos do restaurante. Virou uma ou duas cervejas e chamou o garçom para pedir o narguilé Indonésio.

Próximo ao Sky Garden, uma das melhores baladas de Bali
Não pode-se esperar atitudes convencionais de pessoas que não são normais. Ele não costumava pensar muito nas consequências. Eu meio que admirava isso nele. Faltava medo e sobrava diversão. Afinal, pensar muito nem sempre é tão bom. Uma vida um tanto inconsequente que eu não teria, do tipo que experimenta um narguile e depois os famosos cogumelos mágicos... Não gostaria de ter um filho assim, mas ele era feliz. Isto é inquestionável.

Mas ele ainda não havia tomado seu drink de cogumelos. Não naquela noite, que ainda estava começando. A combinação de comida, cerveja e a fumaça dentro de seu corpo já era suficiente para causar bons estragos.

Em meio a estrangeiros, Robinson, que além de tudo era mulherengo, chamou a atenção de algumas loiras que estavam na mesa ao lado. Não sabia se eram inglesas, dinamarquesas, suecas ou suíças. O que importava era o ar europeu e as madeixas douradas. Ele ainda estava sóbrio, por incrível que pareça, até porque era acostumado a fortes doses de seja lá o que fosse. Os olhares das loiras se voltavam para ele quando pegou na mangueira a fim de exibir seus dons e habilidades. Se preparava para soltar a fumaça em formato aureolar com destreza que ninguém mais tem. Não havia, porém, um segundo sequer que Robinson enviara o conteúdo do narguilé corpo a dentro, quando tudo saiu automaticamente. Não só a fumaça, mas a janta, a cerveja, o almoço e o café da manhã. Talvez tudo o que houvera ingerido nos últimos três dias, de acordo com o relato dos amigos a respeito da quantidade de vômito que tomou conta da mesa.

Robinson tinha uma auto confiança elevadíssima. Viu aquilo tudo tomar conta da mesa e todas atenções do bar se voltarem para suas últimas refeições em estágio de pré-digestão. Não se abalou. Passou a mão na boca limpando o excesso. Levantou-se e voltou ao nosso hotel para preparar-se para a noite. Entornaria, sabe-se lá como, algumas dúzias de drinks, buscaria seus cogumelos mágicos e ainda se apaixonaria por uma massagista local, mais uma paixão temporária que colecionaria na Ásia.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A melhor praia de Sydney

Escolhemos uma praia. Queríamos alguma que não conhecêssemos. Pesquisamos um pouco e Cronulla parecia agradar. Era uma das mais distantes do centro. Eu e Juliana, grande companhia que deixará saudades, pegamos o trem que nos deixaria no balneário após 40 minutos.

Ao longo do percurso rumo ao sul de Sydney, observávamos os diversos bairros pelos quais nunca havíamos passado. Faltava menos de um mês para deixar a Austrália. Eu lamentava o fato de não poder conhecer cada rua e cada canto daqueles locais estranhos. Escolas, lagos, parques e igrejas ficavam para trás. Aquela visão rápida através da janela do trem seria, provavelmente, a única que teria daquilo tudo.

Sydney é gigante. Eu havia de me conformar. Afinal, não há tempo na vida para conhecer cada rua de cada cidade em todos os países do mundo. Isso é triste, mas ao menos teria o prazer de conhecer Cronulla Beach.

Calçadão de Cronulla
Como fosse uma cidade a parte, Cronulla tinha vida própria. Um calçadão daqueles de pequena cidade litorânea convidou para uma caminhada. Ainda bem que havíamos deixado o almoço para quando desembarcássemos na estação. Olhamos alguns restaurantes até escolhermos o mais interessane. A escolha foi o tradicional Fish and Chips, prato com nada mais do que fritas e peixe.

Acabado o almoço, rumamos à praia. A imagem das crianças ainda com uniforme da escola levando suas pranchas de surf debaixo do braço reforçava a primeira impressão de Cronulla como fosse uma cidadezinha do litoral. Não parecia fazer parte de uma cidade grande e com ritmo acelerado. 

A faixa de areia era extensa. Andamos ao sul para conferir o que havia. Contornamos a orla junto às rochas e resolvemos tentar o norte da praia. Alguns surfistas dividiam as poucas ondas que o mar proporcionava naquele dia quente.

Lado sul de Cronulla Beach
Aprendi a fazer nada na praia. Antes eu não entendia como as pessoas suportavam ficar sob um sol escaldante fazendo absolutamente nada. Hoje, porém, posso esticar a toalha na areia e ficar lá, sozinho, acompanhado, quieto, conversando, lendo seja ouvindo música. Um momento de apreciação. Seja à natureza, à vida, à falta de compromissos... É bom demais não ter compromisso algum.

Parte Norte
A presença de poucas pessoas na praia fazia o cenário mais interessante. Deviam ser moradores locais. Habitantes da "cidade de Cronulla". Crianças recém saídas da escola chegando à praia com suas pranchas, casais de mais idade caminhando pela praça como se fosse um passeio habitual e o salva-vidas sem muitos banhistas para cuidar que limpava a praia calmamente.

Uma nuvem negra começava a se aproximar quando resolvi mergulhar. A água gelada era pouco convidativa, mas sempre é possível curtir um mergulho. Um desses casais de meia-idade estava na beira do mar quando eu me aproximava. O homem, de cabelos longos e grisalhos, olhos azuis e bermuda de surfista me olhou com ar amigável e um leve sorriso no rosto. Gosto de trocar ideia quando alguém se mostra agradável e receptível.

- A água parece estar gelada, mas acho que vale um mergulho... - comentei.
- Concordo. Daqui a pouco vou nadar um pouco também - afirmou com simpatia.

Trocamos mais poucas palavras. Suficiente para eu confirmar aquilo que imaginei quando o avistei. Um morador local que se vê satisfeito com uma vida simples no lugar que escolheu para morar. Aquele é um cara tranquilo. Feliz por ter o que tem. Ele sim sabe apreciar o que está ao seu redor.

 O vento que já batia depois do mergulho não incomodou e nem ameaçou tirar valor do banho. É inexplicavelmente bom fugir de ambientes urbanos que lembram estresse, perturbações, pessoas mal-humoradas e apressadas. Juntar-se à natureza é a melhor forma de refugiar-se. Assim nos sentimos distantes de tudo que pode trazer preocupação. Assim vivemos momentos em que nos esquecemos que existem compromissos. Dessa maneira, aproveitamos a vida da maneira mais gostosa. Por isso aquele cara parece se sentir tão bem e tão satisfeito ali. Ele deve viver refugiado de preocupações e compromissos.

Antes de voltarmos à estação e rumarmos novamente ao agito e ao tumulto da cidade grande, fomos pegos pela chuva. Um temporal que me molhou mais do que o próprio mergulho no mar. Não havia chuva, vento ou mar gelado que incomodasse. Cronulla está longe de ser a praia mais bonita ou mais bem estruturada de Sydney. No entanto, não me preocupava com nada. Sentia-me como se fosse aquele cara de longos cabelos grisalhos. Talvez por me proporcionar essa sensação, Cronulla é a melhor praia que conheci em Sydney.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Mais uma segunda-feira...

Há quem reclame (grande injustiça) mas toda segunda-feira é um dia especial. Para mim, é um dia sem trabalho, o que atualmente seria o único motivo de possíveis pequenos problemas. Mesmo que tivesse de trabalhar, não há regra que faça esse dia ser péssimo ou motivo para tristeza de tanta gente que costuma repudiar sua chegada. Qualquer dia pode ser ótimo, mesmo com alguns compromissos indesejados.

Duas semanas atrás, tivemos uma segunda-feira ainda mais especial.


João, Nick, eu e duas amigas suíças, Nicole e Jasmin, combinamos de sair mais cedo de casa para um programa diferente. Alguns deles teriam de trabalhar ou estudar na manhã seguinte, mas nada impedia que eles aproveitassem as primeiras horas do dia de uma maneira espetacular.


Saímos às 4h de casa. Encontramos as gurias em Bondi Junction e rumamos à praia que dá nome à região. Percorreríamos o caminho que liga a praia de Bondi a Tamarama e Bronte (ambiente cuja beleza relatei no blog ainda no dia 28 de janeiro). Nem chegaríamos à segunda praia; o local perfeito para acompanharmos o nascer do sol da segunda-feira ficava na ponta do morro à beira do oceano com a vista de Bondi à esquerda.


O caminho entre as rochas ainda estava escuro e deserto quando chegamos. As companhias sempre agradabilíssimas faziam o momento ainda mais especial em uma calma que predominava diante de qualquer coisa. A brisa do mar refrescava antes que o sol aparecesse fortemente para dar-nos um dia de muito calor. As nuvens não haviam aparecido, sinal de que teríamos um céu limpo para a chegada do sol.


Largamos as mochilas. As gurias tiravam suas máquinas fotográficas das bolsas para registrar o momento quando o preto já dava lugar ao azul e a um leve laranja na linha do horizonte. 

 


Colocamos uma caixinha de som tocando algumas das músicas mais ouvidas por nós nos últimos tempos. Músicas que acompanhariam o som das ondas nos paredões de rocha logo abaixo. A beleza de tudo o que nos envolvia havia afastado o sono de uma noite não dormida. Passadas cinco horas, ele surgia. Em poucos segundos toda a esfera solar brilhava no horizonte. Em mais de uma hora ele iluminava uma nova manhã ainda fresca. Ouvimos os primeiros sons do dia. As conversas já eram raras. Um momento daqueles emudece. Não havia palavras ou comentários para dividir espaço com a sensação de liberdade e paz que se fazia presente. Não importava se alguém teria de trabalhar ou estudar em seguida. Viver aquele momento era mais importante do que garantir mais uma noite de sono.

- Baleias! - Jasmin quebrou delicadamente o silêncio e os pensamentos íntimos de cada um indicando algo no meio do oceano. Os que já estavam em leve sono, despertaram para admirar.

Aquilo era o que faltava. Avistamos claramente duas ou três enormes baleias que se movimentavam na superfície.


Ali nascia mais uma linda segunda-feira. Excepcional. Inesquecível. Depois de algumas horas de contemplação, seríamos os primeiros clientes de um simples café na beira da praia. Comeríamos ovos, bacon, vitaminas e pão. Um café da manhã que não costumamos ter. Barato e perfeito para completar um perfeito início de dia.


Não falta muito para eu voltar ao meu local de origem. Não quero deixar que esse tipo de momento deixe de fazer parte das minhas semanas. Se há algo que aprendi nesse continente, é que podemos escolher nossa rotina. E que se a escolha não for boa, não há nada mais importante do que buscar outra. Se a rotina não agradar, deve ser mudada. Essa é a liberdade que normalmente não percebemos ter.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O porquê de viajar

Era o começo da tarde de sábado quando acordávamos após uma longa noite de curto sono. Emily, João e eu não poderíamos ficar em casa com tanto sol do lado de fora. Como fosse o auge do verão, o calor obrigava a evitar meias e tênis. Vestindo chinelo e regata, concluí que a boa estação estava definitivamente chegando. Fomos a Daling Harbour, uma das regiões de lazer mais procuradas de Sydney.

Uma baía contornada por alguns dos melhores restaurantes e bares da cidade, além de zoológico, aquário, cinema, shoppings, centros de eventos, casas noturnas... A paisagem compõe o cenário turístico perfeito. A localização faz Darling Harbour ser parte do coração da cidade. No entanto, mais do que cartão postal para visitantes, é lugar frequentado por todos, sejam turistas ou típicos ozzies. Passar uma tarde lá, apenas perambulando e olhando as gaivotas sobrevoarem as águas do oceano é suficiente para ter um ótimo dia.

Emily, amiga australiana, e João queriam que eu visse a novidade do local. Durante alguns meses, uma obra restringira o acesso a parte da área. Havia poucos dias, porém, que o espaço fora inaugurado. Um parque infantil. Aberto ao público como fosse uma praça de bairro no Brasil. Dezenas ou talvez centenas de crianças corriam, escalavam, escorregavam, giravam e se deslumbravam com o que estava ali disponível para elas. Eu, tão deslumbrado quanto os pequenos, lembrava dos clubes privados no Brasil e me encantava com a ideia de tudo aquilo poder estar ao alcance de todos.



A imagem de pequenas crianças com traços asiáticos, europeus, latinos e australianos tomando banho nas pequenas piscinas e fontes d'água, se atirando na tirolesa e rolando na areia limpa do parque retratou muito daquilo que compõe a vida e a cultura daqui. A qualidade dos brinquedos, o nível de lazer que era oferecido ao público, a igualdade entre raças e sotaques, a mistura de estilos e a indiferença em relação à condição econômica do outro estavam presentes naquele cenário. Naturalmente, as crianças brincavam com qualquer outra criança. Entre os pais, casais negros, brancos, de origem asiática, misturados e homossexuais pareciam observar tudo aquilo com a mesma naturalidade dos pequenos. Essa é a evidência da consciência que predomina aqui em relação às diferenças.

O pouco que se vê de um local, não importa qual seja, é suficiente para perceber que ali há muito para admirar. A possibilidade de comparar as atitudes dessas pessoas e as características desse local, que são novidade para mim, com tudo aquilo que já vi faz aumentar minha vontade de ver outras realidades. A satisfação vem no momento em que consigo entender que o jeito de ser daquele povo não é melhor nem pior que o do outro. Vem quando compreendo que aquelas pessoas não são nada a mais ou a menos do que as outras. A distância que existe e a situação à qual foram submetidas não fazem delas seres diferentes de mim, de um panamenho ou de um russo. Temos os mesmos sentimentos e sensações. Quem disse que aqueles que se divertem em parques modernos são melhores que as crianças que não tem comida ou luz em casa? Alguns tiveram um histórico de desenvolvimento mais favorável. No entanto, nenhum tem mais valor quanto o outro. Posso aprender mais conhecendo uma realidade difícil do que esta mais confortável que me acostumei a ver. Assim quebramos a estúpida existência da arrogância. Assim admitimos a igualdade com quem quer que seja. Deixamos de louvar valores fúteis ostentados pelos que se dizem melhores.

Diferenças são superficiais. Se aponto defeitos, devo saber que há algum motivo para isso. Se descubro os motivos dos defeitos, passarei a entender aquele povo, seja o mais rico ou o mais miserável. Eu estava prestes a escrever que esse entendimento me soava como o que eu teria de mais próximo da definição "oficial" de cultura. Na curiosidade, pesquisei rapidamente. A descrição mais genérica que encontrei foi essa: "cultura é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade".

Viajar me faz sentir como que aprendendo mais do que com um livro nas mãos, em uma aula da faculdade ou assistindo televisão. Sinto-me menos desentendedor da sociedade e mais parte dela. Podemos aprender com tv, leituras ou cursos, mas a mais rica experiência é aquela que te faz por os pés em outras terras e sentir ao máximo o diferente. Não vejo forma mais eficaz nem mais prazerosa de adquirir esse conhecimento do que viajando, vendo com os próprios olhos a realidade e identificando as distinções culturais no próprio local, na raíz de cada povo. Não há local ruim para conhecer. Laos, Piauí e Austrália podem render experiências igualmente interessantes. Temos muito para ver.

Perguntam-me se gostaria de voltar à Austrália. Respondo que sim; rever o que esteve presente durante 2011 seria demais. Mas não seria minha prioridade até que eu vivesse outros sábados ensolarados, vendo crianças brincarem em parques modernos ou em praças sem recurso algum nesses tantos outros lugares que estão aí para serem vistos.