sábado, 3 de dezembro de 2011

Viagem pela costa - parte 2 - Os sobreviventes de Woodstock


Praia de Byron Bay
Para eles, a ideologia continua presente. Internet, celular e qualquer outra forma de tecnologia parecem estar ausentes no dia-a-dia de parte do povo da região de Byron Bay. Dois dias por aqui foram suficientes para ver a cidade, conhecer a praia, curtir as noites e conhecer algumas pessoas interessantes. Foi em Nimbin, porém, a experiência mais marcante.

Passamos algumas horas por lá durante nosso segundo dia na região. Um ônibus turístico nada convencional levou-nos à pequena cidade que serve de refúgio para aqueles que decidiram, há mais de trinta anos, jamais voltar aos padrões da sociedade moderna.

- Peguem leve caso estejam pensando em provar os cookies - alertava o guia, visivelmente sob efeito de alguma substância.


A verdade é que a apologia à maconha é forte por aqui. Nimbin é como a cidade símbolo do movimento Hippie e da ideologia que prega uma visão positiva em relação à droga aqui na Austrália. A menção à erva não é escondida na cidade. Lojas com produtos relacionados à planta tomam conta da pequena rua central de Nimbin. Um museu rústico e alternativo é uma das principais atrações. Pagar pelo ingresso é opcional.

A lei australiana não oferece liberdade em relação à maconha, mas a cultura do país é notavelmente mais aberta ao assunto quando comparada à brasileira, por exemplo. Por mais que as autoridades atuem no combate ao tráfico nas ruas, boa parte da população mostra não ter preconceito em relação à erva.

Interior do museu
Eu diria que 90% da população de Nimbin faz uso da cannabis. Aí não há nada de estatística confirmada, apenas a impressão após um dia circulando pelas poucas ruas da cidade. O que se vê, no entanto, vai além do uso ou não de drogas. Esse é apenas um dos ingredientes que formam o estilo de vida do povo local. Para quem não presta atenção, a impressão é de que muitos dos habitantes são moradores de rua, tamanho o desapego a bens materiais. Buscam a liberdade de viver sem ter o dinheiro como objetivo. Tem suas formas de sustento normalmente com serviços para os turistas que circulam pelas lojas e restaurantes ou do lado de fora dos estabelecimentos, oferecendo produtos ilegais sem muita discrição.

Vão levando a vida. Parecem felizes por não se deixar levar pela cultura da sociedade global. São os sobreviventes de Woodstock, que não deram o braço a torcer e que, definitivamente, adotaram seu padrão de vida até o fim. Mas há algo que causa incômodo para eles. Como fosse uma cidade normal, as autoridades estão presentes com sua missão de manter a ordem de acordo com as leis. Essa legislação, no entanto, impede que esse pessoal atinja seu maior objetivo, o de se aproximar ao máximo de uma liberdade extrema. Sentem-se mais próximos desse ideal por adotarem esse estilo de vida, mas esse desconforto tornou-se mágoa, que é expressada com certa rebeldia, por mais que o sentimento de "paz e amor" predomine. No próprio museu de Nimbim, há referências negativas a símbolos como a igreja, o governo americano e a icones de mercado como McDonald's e Coca-Cola.

Merecem admiração pela força de vontade que permite que sigam em busca de seu espaço por mais que saibam que isso não passa, na verdade, de utopia. É como se eu quisesse viver de viagens, aproveitando uma vida inteira de lazer e prazer. Mas não há chance, tenho de me conformar de que dinheiro é necessário e, consequentemente, é preciso trabalhar, ter compromissos e preocupações. Talvez ter a vida fácil demais não tenha tanta graça. Melhor fazer de conta que se vive essa utopia durante as férias. Estamos a caminho de Surfers Paradise, Gold Coast. Em menos de uma hora chegaremos ao destino. O motorista acaba de anunciar:

- Passamos agora pela divisa entre New South Wales e Queensland. Vamos pela beira do mar até Surfers Paradise, naqueles prédios que vocês podem ver à direita. São vinte e três quilômetros até lá, mas levaremos quarenta minutos para chegar.

O trânsito é de cidade grande, mas a vista distrai, com o mar azul refletindo o sol do meio-dia. Logo estaremos em mais uma cidade até então desconhecida com mais histórias para contar.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Viagem pela costa - parte 1 - As partidas

Duas semanas e meia antes de voltar ao Brasil, começa uma viagem. João, Nícolas e eu estaremos ainda mais juntos do que durante os últimos seis meses, quando dividimos quarto, trabalhamos lado a lado e fomos companhia garantida para sair. Duas semanas de mochila nas costas e ônibus Austrália acima pela costa leste. Na outra meia semana me despedirei de uma época que não voltará mais, mas que seguirá conosco em lembranças e em nosso modo de viver.

No dia seguinte, chegaremos a Byron Bay, primeiro destino, após 12 horas de estrada. Quase uma hora depois da partida, os olhos acompanham pela janela o anoitecer chuvoso, passando por pontos marcantes da cidade. Como que uma despedida antecipada da minha mais recente casa. Os olhos seguem observando o afastar dos prédios enquanto a mente se distancia algumas semanas à frente vendo o último tchau dos amigos.

Eles deixarão saudades. Não fossem os amigos, a vida na Austrália não seria do jeito que foi. Quando nos afastamos de casa, nos distanciamos das velhas companhias. Fazem falta. E essa lacuna tem de ser preenchida. É uma necessidade natural essa de ter alguém ao lado. Alguém que esteja junto na hora da diversão e de pedir ajuda. Não há tecnologia que supere a distância geográfica. Trabalho, escola e casa facilitam o encontro com pessoas na mesma situação, predominantemente estudantes estrangeiros que deixaram suas vidas recentemente e que também enfrentam a mesma falta de amigos e família. A vontade de suprir essa necessidade intensifica incrivelmente qualquer aproximação e faz essas pessoas conhecerem-se a fundo e tornarem-se amigos para o resto da vida de maneira muito rápida. Se a distância inevitável que acontece com o retorno impede que se mantenha essa convivência, a lembrança do que se viveu em um dos momentos mais fortes da vida eterniza cada situação e o jeito de cada um desses amigos.

Os amigos do lado de cá se envolvem nas histórias uns dos outros e acompanham seu desenrolar mais do que qualquer uma das velhas companhias quando, de repente, voltam à vida de origem. Do dia para a noite. É triste voltar sem poder acompanhar um amigo até o final de sua jornada. Formam-se grupos fortes. Parceiros que se conhecem detalhadamente. Sabem os sonhos uns dos outros, bem como os caminhos já percorridos e os planos de vida e as ideias daqueles que nada planejam.

Dois franceses que conhecemos são exemplos daquela intensidade de aproximação. Luc era amigo de João de algum tempo atrás e agora voltou à Austrália. Max conheceu Luc assim que chegou a Sydney. Quando Luc passou a morar improvisadamente conosco, Max veio junto. Dois a mais. Formamos um time. A vida virou de cabeça para baixo. Não paramos um segundo sequer, ainda mais depois que deixei definitivamente o restaurante. O ânimo dos franceses, a simpatia, a alegria e a agradável companhia deles deu ainda mais vida a este final de ano. Na hora perfeita, conhecemos duas pessoas que, em duas semanas, viraram amigos, daqueles cuja presença marca nas melhores lembranças. Daqueles cuja presença foi fundamental para escrever minha história aqui. Dos que deixarão saudades e que provocarão um aperto por saber que não os acompanharei até o final de suas jornadas. Mas não há nada de que reclamar, somente agradecer. Afinal, temos ainda uma bela viagem pela frente. Amanhã estaremos em Byron Bay.