domingo, 27 de fevereiro de 2011

Uma sangria multicultural

Apenas com a pretensão de aproveitar a noite de sábado, saí de casa acompanhado por Murillo. Iríamos encontrar uma amiga dele que voltaria ao Brasil no dia seguinte. A festa era de outra pessoa, uma espanhola que também vivia seu último final de semana em Sydney.

Ainda não sabíamos o que esperar. Pegaríamos dois trens e caminharíamos pelo menos um quilômetro para chegar ao local, rua Arbercombrie número 68.

Questionávamo-nos se valia a pena ir até lá. Não sabíamos se estaria bom, se haveria gente suficiente para formar uma festa legal. Seria só uma reunião em um apartarmento, sem música e com pessoas íntimas tristes pelas despedidas?

A expectativa estava cada vez pior na medida em que nos aproximávamos do endereço. A rua deserta e sem luzes não parecia ser local de grandes festas. 68, chegamos. Uma casa pequena sem iluminação tampouco música. Vimos através do vidro da porta a silhueta de uma garota que nos aguardava. Era a amiga de Murillo. Fomos levados por extensos corredores. Ao longo do caminho, víamos cada vez mais gente e o som começava a aumentar. Ninguém do lado de fora poderia imaginar que havia tamanha movimentação lá dentro. Chegamos a um pátio aberto nos fundos.

- Meninos, fiquem à vontade. Podem se servir, a sangria está lá - ofereceu a paulista loirinha, apontando para uma imensa caixa térmica, no canto escuro, próxima do muro.
- Ok, obrigado. Mas o que seria a sangria? - questionei.
- É a bebida que temos hoje. É coisa dos espanhóis. Eles estão sempre fazendo - respondeu.

Eu estava com todo o braço mergulhado no líquido procurando alguma garrafa da tal bebida, quando fui alertado por uma mexicana de que eu deveria usar a concha e que aquele líquido era a sangria. Tirei o braço do líquido e pedi desculpas constrangido.

Depois de eu superar a vergonha, a mexicana explicou que aquela é uma mistura típica da Espanha e que o vinho é o ingrediente principal. Normalmente também adicionam vodka, açúcar e algumas frutas. Na sangria deles, havia maçã e laranja. Estava muito boa. Ainda fiquei sabendo que a principal função das frutas não é dar mais sabor à bebida. A mexicana contou que a laranja e principalmente a maçã absorvem grande parte do álcool. Quem comesse alguns pedaços ficaria embriagado muito mais rapidamente. Parecia nem ser alcoólico, mas tive de cuidar para não exagerar nas maçãs.

Durante a noite, falei com brasileiros, espanhóis, italianos, coreananos, ingleses, um russo, uma polonesa e uma portuguesa. Boa parte deles morava lá mesmo, era uma residência de estudantes.

Na sangria, a maçã já havia acabado. Depois de muito bate-papo interessante e de ouvir músicas de todos os países, o clima começou a piorar, chegava a hora das despedidas e as lágrimas começavam a ser derramadas. A amiga do Murillo e a espanhola recebiam abraços e consolos. A mexicana que havia explicado a composição da sangria se juntou à turma das lamentalções. Fiquei com pena dela, era um choro profundo e comovente, que se destacava dos demais. Lembrei-me de quando ela havia me falado que chegara dois anos antes e do quanto ela gostava dessa cidade. Ela sofria, quase em desespero, mas as atenções estavam mais voltadas às outras meninas. Talvez ela não recebesse tamanho apoio por não ser próxima de muitos dos que estavam gente lá, já que não morava na casa. Tive de dar-lhe um abraço. Encostou a cabeça no meu peito e desabou em lágrimas. Pensei que a minha camiseta se dissolveria, mas não me importei, era uma boa causa. Coitada.

- Não fique assim, vai passar... - tentei ajudar.
- É muito triste, não consigo! - balbuciava chorosa, já começando a babar no meu peito.
- Essa hora um dia chegaria. Se você fica triste é por que aproveitou esse tempo e viveu bons dias aqui. Tente sorrir e curta essa sua última noite para fechar com chave de ouro - falei.

Ela pausou o choro imediatamente e olhou para mim como se não me entendesse.

- Eu não estou indo embora! Estou triste porqueee... porque odeio despediiiidaaaaas - falou antes de desabar novamente no meu peito chorando.

Olhei para a minha camiseta molhada e deixei ela chorando sozinha, estava na hora de voltar para casa. A noite havia sido ótima, apesar da mexicana. Reforçamos a ideia de que não se pode recusar a chance de aproveitar uma noite em Sydney. Não faltam oportunidades para conhecer pessoas e músicas de tantos lugares.

- O que houve com a tua camiseta? - Murillo perguntou quando já estávamos na rua.
- Foi aquela mexicana chorona! - afirmei - Eu estava consolando a guria, mas descobri que ela nem estava indo embora. Aposto que foi ela quem comeu toda a maçã da sangria.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

O frio, a holandesa, o suco e o sapato

O calor já havia diminuído umas semanas atrás. No entanto, eu ainda não havia tirado o moletom da mala. Nessa quarta-feira foi a primeira vez.

Os termômetros de Sydney chegavam a marcar temperaturas inferiores a 20°C. Ontem, porém, uma chuva fina chegou para diminuir de vez a sensação térmica.

Assim começou a nossa quarta, primeiro dia da semana em que eu trabalharia. Lembrei do que a chefe havia falado: nos dias mais frios, não temos tantos clientes. Teoricamente, o trabalho seria tranquilo, ideal para aprender. Não foi.

Vi logo de cara uma fila de pelo menos oito pessoas. Quando fui para trás do balcão, troquei o foco. Conheci uma colega, A colega. Holandesa. Nascida em Amsterdã! Meu interesse não podia ser maior. Nos poucos momentos em que ficávamos lado a lado e podíamos trocar algumas palavras, eu aproveitava para bater um papo, saber quando ela havia chegado à cidade, onde morava, se estava estudando... Não demorei para descobrir que ela está em fase de teste como eu. Somos três na disputa por duas vagas. Contudo, não fui capaz de considerá-la minha concorrente. Às vezes eu inclusive auxiliava a garota em algumas funções. Não por interesses pessoais, sempre fui muito solidário mesmo. Ainda por cima, há a possibilidade de nós dois sermos os selecionados. São 33,3333...% de chance. Torço por isso. Torço muito.

A holandesa parece ser mais velha, nada que prejudique sua beleza. Não lembro do nome, talvez fosse Monique, Van Jane ou Van Hanny. Só sei que me distraí enquanto ela se apresentava. Os cabelos loiros e os olhos verdes tiravam a minha atenção da conversa.

Infelizmente não tive a sorte de acabar o serviço no mesmo momento que a colega. No final do expediente, todos tem direito a um smoothie tamanho original (600ml). Durante a tarde eu fiz mais de 60 bebidas entre sucos e smoothies. Impossível não errar algumas. Sorte minha ter uma chefe paciente e compreensiva. O problema é que, entre brincadeiras e sorrisos, ela mostrou um lado diferente. Enquanto eu imaginava se o suco com que eu me refrescaria seria acompanhado por chocolate, sorvete ou iogurte, ela já havia decidido por mim. Teria de tomar um daqueles que eu havia errado. Não sei se foi sorte ou azar ela ter percebido quando errei.

- Não quero ver desperdício, Daniel. Isso é para você se lembrar que nunca se deve misturar mel com beterraba - falou com um sorriso maroto ao final do expediente me entregando um suco de laranja, morango, beterraba e mel. Nunca fui exigente para comidas e bebidas exóticas, mas desta vez não estava bom. Ao menos era saudável, tomei tudo.

Não sentei uma única vez em cinco horas. Estou com bolhas nos pés. Apenas quando cheguei em casa descobri o motivo, a parte interior do sapato descolou criando um relevo que deixa o meu pé mais apertado do que devia. 

Comprei sapato, calça e meias sociais quando cheguei na Austrália, pois fiz as malas no Brasil pensando que não seriam itens necessários. 

Se eu fosse dar uma dica hoje poderia ser: Talvez você precise ter roupas sociais para trabalhar. Elas também podem ajudar na busca de emprego. Você, homem, pode encontrá-las em uma loja muito barata em frente à estação Town Hall. Lá, comprei minha calça por $29 e meu sapato por $19.

Depois da experiência de hoje eu recomendaria: não esqueça de trazer roupa social na mala.

Ao menos trouxe moletons e casacos.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Adrenalina em Palm Beach

Dispostos a apoveitar um domingo inteiro de folga, decidimos conhecer um local diferente. Tínhamos tempo. Fomos a última praia da costa norte de Sydney e uma das mais belas da cidade, Palm Beach. 

Pegamos um trem e dois ônibus para chegar ao balneário, que fica a 41km da city. Apenas Dudi não pôde estar presente. No caminho, percorremos pedaços da costa e observamos algumas das praias que nos faziam querer descer do ônibus. No entanto, o destino da vez era Palm Beach. Combinamos de um dia voltar para conhecê-las. Após subidas íngrimes e curvas acentuadas, chegamos a Palm Beach.

Caminho entre Artarmon e o extremo norte de Sydney
Visão aérea de Palm Beach (faixa de areia à esquerda). Sydney ao fundo.











    





 
Não havia muita gente na praia, talvez ela apenas não seja uma das mais frequentadas pela sua distância da cidade. A beleza, no entanto, faz valer o deslocamento. Como a maior parte das praias daqui, Palm Beach forma uma baía. As duas pontas da faixa de areia acabam em morros com formação rochosa. Foi nas pedras que encontramos a maior diversão do dia. 

Palm Beach ao norte e ao sul
De longe havíamos visto dois caras, visivelmente nativos, pulando de cima das rochas para a água. Ficamos animados e resolvemos nos aproximar do local, estavam na última pedra, quase em alto mar. Observamos os saltos de perto e perguntamos sobre a profundidade.

- Não tem perigo, é só esperar uma onda se aproximar e saltar para longe das pedras - afirmou um dos australianos antes de saltar de costas dando duas piruetas de maneira profissional e mergulhando na água azul-esverdeada quatro metros e meio abaixo de nossos pés.

Em seguida, ele reapareceria subindo em uma grande pedra que ficava dentro da água.

- Viram? Não tem erro. Basta esperar a onda chegar - incentivou, repetindo a instrução.

Nos olhamos sentindo uma mistura de excitação e dúvida como que perguntando um para o outro "vamos?". Aqueles caras eram moradores locais, conheciam os limites do fundo do mar e já tinham desenvolvido a habilidade necessária para fazer aqueles movimentos arrojados no ar. Alguns de nós estavam quase desistindo, cogitavam ficar apenas olhando. Talvez fosse melhor não arriscar, vai que um de nós batesse em uma rocha submersa!

- Eu vou antes! - decidi tomar a iniciativa primeiro, já me posicionando na ponta da rocha umidecida. Algúem havia de tomar coragem e se aventurar. Evitei pensar em todos os riscos que estaria correndo. A adrenalina corria em minhas veias quando saltei como que automaticamente.


Depois do meu salto, emergi e vi os guris a me olharem lá no alto com um ar de apreensão. Sorri. A minha expressão foi o sinal verde. Eles ficaram entusiasmados e pularam em sequência.
 

Variávamos as posições dos saltos, só não ousávamos tentar imitar as acrobacias dos australianos. Ir direto de cabeça, então, nem pensar! A temperatura do mar estava ideal. A cor da água não era menos atraente. Estávamos saltando em meio às rochas do mar profundo e paradisíaco. Sentíamo-nos como homens sem limites, prontos para qualquer aventura.

Vinte minutos depois, uma família chegou à ponta das rochas. Marido e mulher, de meia idade, estavam visivelmente acima do peso. Traziam o filho, de uns seis anos, e uma garotinha pouco mais jovem, talvez com cinco anos. Estávamos na água enquanto eles nos olhavam lá embaixo e se perguntavam como havíamos descido. Subi novamente nas pedras e repeti o salto mais bacana que eu havia feito até então para demonstrar toda a minha valentia. Eu era um herói para aquelas crianças. Os pais deviam estar pensando se seus filhos, quando mais velhos, conseguiriam ser iguais a mim, destemidos. Mergulhei com vigor, levantando toda a água do oceano. Poderia ter causado um tsunami. Quando voltei à superfície e me juntei aos guris, vi o garoto com o sorriso no rosto. Foi quando percebi que ele já estava sem camiseta, prestes a pular do mesmo lugar que eu. Saltou sem titubear. Seus pais e até mesmo a irmã, de cinco anos, o imitariam naturalmente, como se estivessem brincando em um escorregador. 

Talvez a nossa aventura não fosse tão arriscada como havíamos pensado. O que fora um desafio para nós parecia algo banal para aquelas crianças que sequer deviam saber escrever seus nomes. Observávamos a alegria delas e a facilidade com que saltavam. Nos sentíamos levemente babacas pelo temor por que havíamos passado. Contudo, não deixamos de pular. Voltávamos ao topo e saltávamos revezando com a família. Já estávamos rindo ao lembrar das nossas caras de medrosos. A chegada deles não tirou a graça daquela brincadeira. Estávamos nos divertindo demais, tanto quanto crianças de cinco anos.

sábado, 19 de fevereiro de 2011

A acomodação em Sydney e as louças dos espanhóis

Passou dos limites. A louça extrapolou as fronteiras da pia. Passaram alguns dias desde que o espanhol quebrou o braço. Se ele não pode lavar, que a namorada lave! Ela está inegavelmente saudável (até demais) e tem os membros necessários para a função (e os outros também) muito bem conservados. Se lavassem uma panela, dois pratos e alguns talheres por dia não morreriam e não deixariam ninguém na mão. Nos deixaram na mão. Ontem fomos obrigados a lavar a montanha de louça deles pois não havia uma colher ou uma panela limpa para serem usadas. Tomamos uma atitude.

O nosso caso se inclui em uma das questões mais frequentes que tenho recebido de futuros viajantes. A da acomodação. A grande dúvida é a escolha entre ficar em uma Home Stay ou em uma Share House. Na primeira, uma família local recebe os estudantes e providencia cama, comida e roupa lavada durante o tempo de permanência. Nas Shares, ou casas de estudantes, a divisão da acomodação se dá entre viajantes.

O custo da moradia em Share costuma ser a grande vantagem em comparação com a Home Stay. Outros consideram ainda melhor a possibilidade de fazer novos amigos de tudo quanto é país. A sensação de estar mais livre sem dar satisfação a ninguém e a exigência por maior responsabilidade com a questão da limpeza e da alimentação também contam a favor para quem escolhe morar com desconhecidos.

Quem prefere mais conforto e não se importa em gastar mais opta por morar com uma família. Algumas delas recebem vários viajantes ao mesmo tempo, o que também proporciona a formação de novas amizades. Além de não precisar se preocupar com os gastos da alimentação, quem mora com uma família tem a oportunidade de treinar o idioma com australianos e já adquire uma noção maior da cultura do país.

Normalmente depois de um mês a pessoa pode trocar de acomodação. Às vezes o prazo é de apenas duas semanas. Achar uma nova casa é fácil. As agências costumam auxiliar os estudantes dando-lhes algumas opções. No entanto, as maneiras mais comuns de arranjar um novo local para morar é através do contato com colegas ou pela internet. Um dos principais sites com oferta de quartos e apartamentos é o www.gumtree.com.au. Esse site também é o mais usado para buscar emprego aqui. É importante lembrar que, nos primeiros dias, o novo morador tem de pagar o Bond, um valor de garantia pela integridade da casa que é reembolsado após a saída, caso não haja estrago algum.

Apesar da falta de cooperaão dos espanhóis na última semana, não nos arrependemos pelo tipo de acomodação que escolhemos. Talvez a nossa atitude não tenha sido a mais adequada ao recebê-los. Recomendo que todos se previnam contra atitudes desleixadas dos colegas de quarto e deixem claro os deveres de cada um para manter uma convivência agradável. Os dois deixarão o apartamento em alguns dias para receberemos outro casal, dessa vez de paulistas. Eles não estão mais se importando em manter o mínimo de organização. Já não adianta reclamar, mas havia algo a fazer. Somos cinco. Se não podemos corrigí-los, nos juntaremos a eles. Vamos ver se conseguem comer sem lavar algo.

A pia com a nossa contribuição

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O curso de inglês e a preparação para o IELTS

Com o novo trabalho durante a manhã, passarei a estudar à noite na semana que vem. É bom que a escola possibilite a troca de turno caso surja alguma oportunidade que exija essa flexibilidade. Também é importante saber que, às vezes, os cursos tem diferentes valores de acordo com o turno escolhido, normalmente estudar durante a manhã é mais caro e a diferença pode ser grande.

Pedi na recepção da minha escola, a AIPE, que me passassem para a noite. Logo a alteração estava feita. Eu não estaria feliz com a mudança se não fosse pelo trabalho. Durante a manhã, a escola tem outra vida. Os intervalos são movimentados com gente de tudo que é lugar querendo se comunicar. À noite tem bem menos turmas e estudantes, a maioria já mais cansada por recém ter saído do trabalho. Eu terei de trocar justamente agora que a minha turma está ótima. Como manterei o contato com as colombianas e com as gêmeas turcas, com quem estava me dando tão bem?

Pelo menos à noite continuarei os estudos de preparação para o IELTS. Esse é um curso oferecido pela maioria das escolas daqui. Normalmente as aulas de preparação para o IELTS são a opção para quem sai de seu país com um inglês legal ou para quem já evoluiu por aqui. Para quem ainda não conhece, o IELTS (International English Language Testing System) é um teste promovido pela Universidade de Cambridge em todo o mundo que mede a capacidade dos candidatos se comunicarem na língua inglesa. O certificado de aprovação é exigência para ingressar em empresas que exigem o idioma e em universidades de países que tem o inglês como língua oficial. Outra prova muito procurada é o TOEFL. A diferença entre os dois é o reconhecimento; apesar de ambos terem instituições que os aceitam em todo o globo, o TOEFL é o mais usado nos Estados Unidos, enquanto o IELTS tem maior aceitação nos demais países.

O teste é feito em duas versões: o General English e o Academic English. O primeiro é mais utilizado em processos de seleção para emprego e ensino médio. O outro é um pouco mais difícil, pois exige um vocabulário mais técnico e é voltado para o ingresso em universidades. Ambos são realizados em quatro etapas: leitura, conversação, interpretação oral (listening) e escrita. O exame tem um custo de aproximadamente R$440. Por isso, é bom que o candidato esteja preparado quando decidir se inscrever.

Nessa quinta-feira, fiz um simulado oficial do teste enviado à escola diretamente de Cambridge. Apesar de eu ter decidido me preparar para o exame acadêmico, fui aconselhado a fazer antes uma simulação com o General English. Foram três horas de prova. Conheci a maior dificuldade enfrentada pelos candidatos, o tempo. No listening, são 40 questões para serem respondidas em 30 minutos. Não há uma segunda oportunidade para ouvir o diálogo. Perdeu o que falaram, já era. No teste de leitura, também são 40 questões. Essa prova é dividida em três textos e o tempo disponível é de uma hora. Na escrita, deveríamos produzir dois textos com assuntos específicos, um com o mínimo de 150 palavras e outro com pelo menos 250. Também tivemos uma hora para entregar essa etapa passada a limpo. Somente a prova oral não foi realizada, já que exigiria a presença de um avaliador vindo de Cambridge. Essa avaliação seria feita em uma conversa de 15 minutos.

O principal problema é lidar com o tempo sem perder a concentração. Caso não houvesse essa dificuldade, o teste não seria tão desafiador, já que a complexidade das questões não é muito grande. Deixei algumas questões em branco e chutei algumas respostas. Isso foi inevitável. As provas foram enviadas novamente a Cambridge para serem corrigidas. Em aproximadamente duas semanas saberemos nossas notas e, então, terei uma noção maior da minha condição para realizar o exame daqui a alguns meses. Pena não ter mais as colegas da Turquia e da Colômbia para discutir os resultados.

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

O chefe, a ética australiana e o primeiro pagamento

Após decidir mudar de trabalho, o próximo passo seria informar o antigo chefe sobre a minha escolha. Fui até o restaurante com os uniformes prontos para serem devolvidos. Visivelmente ele se surpreendeu com a notícia, assim como os colegas, com quem eu já estava me dando bem.

- Eu realmente agradeço pela oportunidade, mas acabei recebendo uma oferta próxima de casa que vai facilitar muito para mim. Gostei muito do trabalho aqui, mas acaba ficando muito distante, ainda mais quando saio nos horários em que já não há mais trens. Eu estou com os uniformes limpos - falei pegando a roupa na mochila.
- Mas você não voltará para trabalhar? - questionou.
- Na verdade vim aqui para contar a notícia e devolver os uniformes - respondi.
- Mas você lembra que havíamos combinado de você vir alguns dias dessa semana e depois veríamos a próxima, certo? - perguntou-me enquanto eu afirmava positivamente - eu entendo perfeitamente o seus motivos. No entanto, o mais correto seria você cumprir esses dias mesmo que não tenhamos um contrato e mesmo que, em seguida, você saia definitivamente.

Sinceramente eu não havia pensado daquela maneira. Como me desvincularia do restaurante, imaginei que poderia sair prontamente. Ainda por cima, já me sentia desmotivado para trabalhar ali, pois não teria metas a atingir no Tony Roma's. No entanto, lembrei do que haviam me falado sobre a importância que os australianos dão à palavra. Pela expressão no rosto do gerente, percebi que eu iria desapontá-lo. Ele esperava que eu estivesse presente mesmo que tivesse gente suficiente para cumprir todas as atividades. Realmente, o mais correto seria eu seguir aquilo que fora informalmente combinado.

- Eu virei sim. Desculpa, eu estava preocupado com a papelada do outro estabelecimento e não lembrei do que havíamos combinado. Não vou te deixar na mão. Tenho de estar aqui às 18h, certo? - prontifiquei-me.
- Ah, muito bom! Até as seis então - despediu-se satisfeito.
- Até mais! - respondi não com menos satisfação pela minha atitude.
- Daniel, antes de vir trabalhar, eu queria que você olhasse a sua conta bancária para confirmar se o pagamento da semana passada chegou corretamente - disse Farkas.

Chequei. O primeiro pagamento por um trabalho aqui em Sydney estava na conta. Três noites de serviço me renderam mais de 150 dólares. Segundo o nosso combinado, eu teria de retornar ao restaurante naquela quarta-feira e na quinta também. A vontade de voltar a atuar como garçom havia crescido novamente, mesmo sabendo que seria apenas por mais duas noites. A causa da motivação não era o dinheiro, mas sim a conversa com o gerente. Tive a confirmação plena do profissionalismo que eu havia notado desde a primeira vez em que conversei com o gerente Farkas. É exatamente sobre esse tipo de atitude típica dos australianos que eu havia sido alertado. Devemos jogar limpo e sinceramente com eles, assim o entendimento e todas as situações é mútuo. Eles dão valor a isso como poucos. Na verdade, eu mudaria aquele termo de profissionalismo para ética.

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

Uma vaga de emprego no shopping

É incrível como as oportunidades começam a aparecer com o tempo. Eu já tinha aquela chance no restaurante que estava me agradando bastante, apesar da exigência e da cobrança intensa. Alguns dias depois, recebi a ligação de uma possível boa oportunidade. Hoje fui conferir como seria essa vaga.

Após a aula, fui ao Boost Juice, que fica no shopping onde se encontra a estação que uso diariamente para o trajeto casa-escola. Eu imaginava que trabalhar lá seria mais tranquilo, o que queria mesmo era descobrir o pagamento para comparar com o Tony Roma's.

- Olá, Daniel! Tudo bem? - cumprimentou-me a gerente esbanjando simpatia.
- Tudo sim, e contigo? - respondi, tentando corresponder ao tom dela.
- Tudo certo! Vou dar o uniforme para você poder começar a ver como funciona o nosso sistema - ela já pegava a camiseta e uma bandana que eu teria que usar. O treinamento-teste começaria logo de cara.

Smoothie
Eu me senti meio estranho com aquilo na cabeça, mas Fifi, uma colega chinesa aparentemente tímida, porém muito prestativa, falou que eu havia ficado bem. Se ela havia elogiado, não havia motivo para mexer na bandana. Em outra oportunidade, devo falar mais sobre essa garota. Participei do serviço durante uma hora acompanhado pela chefe, pela Fifi e por um outro Daniel, cuja nacionalidade ainda não descobri. Ajudei a preparar os sucos e a especialidade deles, os smoothies, uma mistura de frutas, sucos e sorvetes feita no liquidificador. O resultado é uma bebida espumosa e gelada que se toma pelo canudinho. Mais tarde, descobri que esse Boost Juice está em todo canto por aqui. Talvez para muitos seja novidade, quem se interessar pode acessar o site para saber como é www.boostjuicebars.com.au.

Um pouco antes de fechar, a paciente e sempre simpática chefe me convidou para conversar. Fiquei sabendo que receberia algo em torno de $15 por hora de trabalho (ela ainda confirmaria o valor exato). Empolguei-me com a possibilidade de ter um trabalho mais tranquilo, vizinho ao curso, próximo de casa e, ainda por cima, sendo mais bem pago do que no restaurante. Fui convidado a voltar no sábado para começar a trabalhar. Na próxima semana, eu ficarei em fase de aprendizado e, aos poucos, aumentarei a carga horária caso tudo ocorra dentro do esperado. Como o Boost Juice fica aberto entre 7h30 e 17h, terei de trocar de horário no curso. Nada que se torne um problema, pois a escola oferece a mesmas aulas em ambos os turnos.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O Valentine's Day em Sydney

Homenagem do Google ao Valentine's Day
Eu não queria insistir no tema casais, mas hoje é o dia deles aqui na Austrália, assim como em outras partes do mundo. Nesta segunda, 14 de fevereiro, comemora-se o Valentine's Day, o dia dos namorados no Brasil.

Descobri, no início da tarde, que a minha semana de trabalho começaria apenas na quarta-feira. Esse foi o sinal verde para eu fazer o que quisesse. Decidi ir à city enquanto os guris trabalhavam. Eu gostaria de ter trabalhado hoje, queria trabalhar durante todos os dias da semana para juntar mais dinheiro. Questionei-me se eu teria uma carga de trabalho baixa demais caso eu fosse aceito no restaurante, isso ainda não havia ficado claro. Logo em seguida, recebi uma ligação de uma loja do shopping vizinho à escola onde eu havia deixado meu currículo. É o Boost Juice, que vende sucos na praça de alimentação. Eles precisavam de alguém para fazer os sucos e atender os clientes. A função parecia ser interessante, então topei ir até lá na terça-feira e conversar com a gerente após a aula. Talvez essa oportunidade me interesse ainda mais do que a do restaurante...

Voltando ao Valentine's... Ainda no centro da cidade, me surpreendi com a quantidade de homens carregando buquês de flores. Também eram impressionantes as filas nas lojas de chocolate. Lembrei do comentário da Cristina, a espanhola que divide o apartamento conosco. 

- Esses homens não tem criatividade. Chega o Valentine's Day e eles sempre vem com chocolates, flores ou perfumes - ela falou logo depois de acordar. Seu namorado, Alex, havia saído mais cedo. Eles se encontrariam apenas durante a tarde para comemorarem.

Aquele clima de paixão nas ruas e nos trens estava me fazendo mudar a impressão sobre a vida dos casais. Um dia como esse demonstra a beleza do sentimento de amor mútuo e de entrega para o outro. Era o momento de todos saírem de seus trabalhos e voltarem para casa. O sorrisos estampados no rostos dos homens apaixonados escolhendo as flores mais adequadas para as amadas se misturavam com as expressões de expectativa delas. As namoradas, noivas e esposas receberiam seus presentes e teriam a noite mais romântica de suas vidas. Já estavam com as lingeries preparadas. O amigo que dividia a casa com o namorado dormiria fora e deixaria o casal à vontade para ter a mais intensa noite de amor. A cama estaria coberta por pétalas e cercada por velas. O jantar seria preparado com cuidado pelo rapaz, que faria o prato mais refinado e complexo, apesar de nunca ter acendido uma boca do fogão.

Na volta de trem, eu nem me importava com o senhor sentado ao lado que esfregava um buquê enorme no meu nariz por falta de espaço. O MP3 selecionou aleatoriamente She, do Charles Aznavour. Eu escutava aquele símbolo máximo da paixão pensando que seria bom ter uma companhia naquele momento.

Já em casa, eu esperava o resto dos guris sozinho quando os espanhóis chegaram. Fiquei surpreso quando Cristina entrou com pressa sem me olhar ou dar um oi simpático, como era de costume. A surpresa foi ainda maior quando Alex chegou, logo atrás, com uma mistura de tristeza e irritação no olhar. Um dos braços estava engessado até o cotovelo.

- O que aconteceu, Alex?! - perguntei.
- Quebrei o braço - respondeu-me desanimado.
- Puxa, que droga! Mas como? - insisti.
- Ah, eu ia inventar que tropecei, mas essa mentira não vai colar. A verdade é que estava com raiva e dei um soco forte demais na parede. O Valentine's Day era a chance que tínhamos de arrumar o nosso namoro, mas deu tudo errado - admitiu e sentou-se como que querendo desabafar.
- Parece que vocês não estão numa boa mesmo... - comentei.
- Pois é, brigamos feio. Tudo começou quando ela reclamou das flores e dos chocolates que comprei - falou baixo e com um tom de irritação.

Alex vai passar seis semanas sem poder buscar emprego ou ir à praia. A imagem que eu tinha dos relacionamentos parecia ter voltado ao normal.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Os casais pela visão do garçom

Quem gosta de ser acordado com uma ligação do chefe? Eu. Pelo menos hoje eu gostei.

Às duas horas da tarde, acordei com o celular tocando. Farkas pediu que eu chegasse ao trabalho às sete da noite. Não podia ser melhor, ele me chamou depois do primeiro dia e eu ainda teria mais umas três horas para dormir.

O serviço foi o mesmo de ontem. A novidade foi ficar até o restaurante fechar. Ajudei a colocar tudo no lugar e organizei mesas e cadeiras antes de ser liberado por volta das 23h.

Com a função um pouco mais dominada, concentrei a atenção em alguns detalhes, observei os colegas e tirei mais os olhos do que estivesse carregando para ter maior contato visual com os clientes. Foi aí que eu comecei a notar algumas características de cada um, principalmente dos casais.

É curioso analisar os casais
e a situação dos relacionamentos a partir do que o garçom vê. A atitude dos namorados dentro do restaurante fala muito sobre o momento do namoro. Tem aqueles que estão visivelmente no início da relação, alguns no primeiro encontro. Ainda adolescentes, colam as rostos dividindo o cardápio para fazer a escolha, titubeiam esperando o outro decidir primeiro e acabam pedindo o mesmo prato. Os que estão juntos a mais tempo escolhem o que realmente querem. O homem já se sente à vontade para ir direto ao prato principal e pedir uma "costela sem fim" e uma cerveja. Enquanto isso, a garota demora para decidir se vai tomar o coquetel de morango ou o de frutas vermelhas para acompanhar a meia porção de fritas. Tem também os casais de idosos, que se dividem em simpáticos e ranzinzas. A definição varia de acordo com a felicidade adquirida ao longo da relação. Não é difícil distinguí-los. Os simpáticos sorriem, brincam e agradecem como se o garçom fosse um amigo íntimo. Os ranzinzas já não se suportam mais e, como consequência, não suportam sequer o garçom que recém conheceram, nem mesmo olham para ele para agradecer com indiferença. Claro que também tem os casais gays. Estes são invariavelmente educados e simpáticos. No entanto, o garçom tem de dosar a atenção para não ser mal interpretado e evitar algum tipo de cantada.

- O moço, o meu namorado pediu Costela da Casa com arroz, mas veio com FRITAS. Posso saber o que aconteceu? - reclamou a bela e antipática mulher
- Deixa assim, Sam. Fritas está bom também - respondeu o namorado
- Não mesmo! Se você pediu com arroz, então deve comer com arroz - Sam retrucou com uma indignação exagerada.

Após me envolver com essa situação, comecei a ver as diferenças entre as partes do casal. O homem, constrangido com a atitude da sua acompanhante, ficou calado e preferiu não aumentar o mau-humor da namorada. Concluí que não iriam muito longe. Em pouco mais de um minuto, o cara havia demonstrado uma série de características, assim como ela. Imaginei que dificilmente ele aguentaria muito tempo uma mulher com aquele tipo de comportamento. Deve ter se apaixonado pela beleza de Sam, correu atrás da moça e se prendeu. Quando conheceu ela de verdade já era tarde demais.

Outros casais demonstram já ter passado dessa fase em que ainda suportam as diferenças . São aqueles namorados que entram no restaurante de cara fechada e não tem assunto para conversar durante a noite. Nesses casos, o único alvo da atenção do rapaz é a garçonete colombiana, que circula pelos corredores enquanto sua garota se distrai. Enquanto voltam do passeio burocrático, o rapaz passa pelas casas noturnas vendo os caras se divertindo com os amigos e cheio de saudade da época de solteiro. Chegam em casa sem terem sorrido durante a noite.

Estou escalado para trabalhar no jantar deste sábado. Certamente a minha diversão no restaurante será maior do que a de muitos casais. 

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Domingo tem festa brasileira, The Magic Brazilian Carnival 2011, no Home Sydney, em Darling Harbour. Pode ser uma boa dica pra quem está por aqui.

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O verdadeiro desafio no restaurante

Andava pelo corredor, driblava clientes e demais garçons quando, por pura desconcentração, derrubei copos, pratos e garrafas. Virei alvo dos olhares de todos os clientes e do meu chefe.

Acordei assustado chegando à minha estação. Faltavam duas horas para o teste. Aquele sonho revelava o que eu tentava esconder. Sim, no fundo eu estava nervoso. Eu tento me controlar para não deixar a ansiedade me prejudicar, mas ela é natural e quase inevitável em muitas situações. Como seria o meu primeiro dia depois daquele teste escrito tão rígido na terça-feira? Será que o chefe teria paciência para me ensinar coisas básicas e para suportar erros de um guri inexperiente?

Cheguei ao restaurante com dez minutos de antecedência, tempo suficiente para receber meu uniforme e a chave para o meu armário. Às 17h, os clientes começavam a chegar para a janta. Aqui na Austrália é assim, quase tudo começa mais cedo. No início, eu secava os talheres e os guardava enrolados nos guardanapos que deveriam ser milimetricamente dobrados. O chefe me acompanhou durante parte desse serviço para explicar exatamente como aquilo devia ser feito. Demorei, mas acabei aprendendo. Foi uma boa oportunidade para trocar uma ideia com ele e para tentar ganhar uns pontos.

Quando a movimentação ficou intensa, larguei os talheres e passei a atuar na principal função do runner (ou busser): levar os pedidos aos clientes famintos. Quando o sino soava, era sinal de que havia comida pronta. Eu era informado do nome do pedido e a mesa à qual ele devia ser levado. Todo o restaurante é dividido em setores e cada mesa tem seu número. A numeração deve ser decorada, já que as mesas não tem nenhum tipo de indicação. Depois de levar os pratos, eu deveria voltar à cozinha recolhendo as louças já usadas pelo caminho e limpando as mesas para os próximos clientes. A casa estava cheia e as filas começavam a aumentar.

Eu não era o garçom propriamente dito, mas os clientes nem sempre percebem isso e acabam fazendo os pedidos a qualquer pessoa uniformizada. No entanto, não posso ignorá-los. Nesses casos, eu tenho de atender, pegar o pedido e passar a ordem para o garçom responsável pelo setor. Também havia o desafio das bebidas, o que causou o meu maior erro da noite. Gerry, o responsável pelo bar, lotou uma bandeja com cervejas, refrigerantes, águas e a droga de um coquetel. Aquele drink estava quase transbordando. Devia custar uns 15 dólares. Quando arrastei a bandeja para a minha mão, o troço tremeu. Não tremeu pelo peso, mas pela quantidade de líquido que havia no copo. Na primeira vez que puxei, derramei uns dois goles. Me concentrei e puxei pela segunda vez. Não sei que tipo de movimento fiz, mas sei bem o resultado disso, todo o drink foi para a bandeja.

- Não tem problema, primeiro dia é assim mesmo. Deixa que eu faço outro. Me conte, Daniel, você é canadense? - Gerry falou sorrindo.

Ainda bem que não era o chefe que havia presenciado aquela cena. Gerry era compreensivo. Talvez até demais. Eu havia percebido a atenção diferenciada que ele me dava já quando cheguei. Sem problemas, o cara parecia ser gente boa e eu estava até achando engraçada aquela situação. Que papo era aquele de nacionalidade quando o caos estava instaurado no restaurante?

- Não, sou brasileiro. E você, de onde é? Ah, e obrigado pela ajuda, o primeiro dia sempre é mais complicado, não? Espero que continue dando tudo certo - respondi.
- Sou das Filipinas. Não te preocupa que nem sempre vai se tão movimentado assim e qualquer coisa é só me perguntar - Gerry falou e deu uma piscadinha antes de eu sair com a bandeja me segurando pra não rir.

Ainda era noite quando eu já havia sevido mais de 50 costelas, especialidade do restaurante. A concentração e a correria não permitiam que eu percebessse a fome e a sede que aquele serviço estava me provocando. Eu tinha de mostrar rapidez e segurança para o chefe, que supervisionava tudo com rigor. Com o tempo eu já subia e descia as escadas com mais naturalidade. O equilíbrio havia sido aperfeiçoado, bem como a desenvoltura com os clientes. Eu já me permitia até fazer algumas piadinhas.

- Aqui está o seu pedido - falei passando o prato na frente de um dos jovens australianos da mesa, quando ele fez o movimento para pegar a costela e eu desviei - Oh, come on! Primeiro as damas, certo? - eu disse deixando o prato com a garota que estava ao lado dele e arrancando risos de toda a mesa, inclusive do rapaz. Logo eu também o serviria, claro.

O bom humor também funcionou com as velhinhas.

- Essa sobremesa parece estar especial! Quem será a sortuda da noite? - cheguei com uma bela taça de sorvete com chocolates a uma mesa com quatro senhoras que prontamente apontaram para a aniversariante - Ah, uma sobremesa tão bonita como essa realmente combina com você. Aproveite - pronto, eu havia ganhado as velhinhas sorridentes e diversos elogios "que rapaz gentil!" "que amável!" "que lindo!"...

Pratos e bandejas pareciam luvas nas minhas mãos quando a sub-gerente me chamou.

- Daniel, você já passou do seu horário de hoje. Já são 21h45 - falou a pequena descendente de koreanos me fitando com seus olhinhos puxados e o sorriso mais simpático que se pode receber.
- Já? - respondi automaticamente - Ok. Posso falar com o gerente para ver como eu fui e se devo voltar amanhã? - completei. Eu realmente queria ficar mais, mas sabia que os horários lá são bastante rígidos.
- O Farkas já foi. Mas não se preocupe, ele vai ligar quando precisar novamente de você. Talvez amanhã ou na segunda-feira. Não cheguei a falar com ele sobre o seu desempenho, mas você pareceu ter ido muito bem, conseguiu entender o sistema da casa e se virar sozinho sem ter de ficar perguntando - falou em tom de elogio.

Nos despedimos. Fui recolher as coisas do armário ainda encantado com o sorriso da possível futura colega. Em seguida, já estava a caminho de casa satisfeito com o trabalho realizado e com outras perspectivas em relação à vaga. Gostei muito da noite e da função. Agora falta saber se vou gostar do resultado.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Caixas, chuva e planos

O carregamento havia chegado. Farkas (hoje eu confirmei o nome do gerente) explicou que aquele era o principal motivo para ele ter pedido a minha ajuda nesta quarta-feira. Um caminhão trouxera um container vindo dos EUA cheio de caixas e estava estacionado em frente ao depósito. Dentro das caixas, estavam os molhos que serão usados nos próximos meses. De três em três meses, o estoque é renovado. Eu deveria ajudar com o descarregamento.

258 caixas com mais de 10kg cada. Dividi o serviço com dois colegas da Indonésia. Trabalho duro, porém fácil. Em uma hora e meia estava tudo contado, conferido e posto no estoque. Eu era o mais rápido, queria mostrar disposição para o chefe, que apenas observava. Para completar as três horas mínimas de trabalho diário, fiquei na cozinha tirando a pele das costelas que seriam servidas no jantar. Às cinco horas da tarde, o gerente agradeceu pela minha ajuda com seu jeito seco e pediu que eu voltasse no dia seguinte com a roupa adequada para então fazer o teste de verdade.

Depois de sair do trabalho satisfeito com a minha tarde carregando caixas, lembrei de uma colega da aula dizendo que não aceita fazer alguns tipos de serviço independentemente da grana que fosse paga. Ouvi ela falar que não havia nascido para limpar a casa dos outros. Não seria preconceito desvalorizar um trabalho dessa maneira? O que será que ela pensa da pessoa que faz isso na casa dela? Será que a conhecia? Por que a função dela em um escritório de publicidade seria mais digno que o de uma empregada doméstica? Levando caixas, servindo clientes ou lavando carros a minha vida não seria pior, tampouco eu seria algúem diferente.

Cheguei cedo em casa. Todos ainda estavam trabalhando, inclusive Murillo, que começou ontem o serviço como cleaner em uma escola. Às nove horas da noite, a vontade de sair de casa era grande. Decidi ir ao supermercado. Para a minha sorte, começou a chover. Nada melhor do que tomar um banho de chuva à noite ouvindo minhas músicas preferidas. Eu poderia ter tido o pior dia de trabalho da minha vida que, naquele momento, eu esvaziaria a cabeça e conseguiria aproveitar a sensação de liberdade, como se a rua estivesse ali só para mim. São momentos como aquele que fazem o dia valer a pena, que nos permitem pensar em qualquer coisa, ver o passado, analisar o presente e imaginar o futuro. Muita coisa passa pela cabeça e vários possíveis planos surgem.

Uma das coisas incríveis dessa viagem é que ideias que nunca haviam passado de sonhos tornam-se possibilidades reais, consequência da independência que conquistamos. Se o teste que inicia amanhã der certo e eu conseguir essa oportunidade, já começarei a tocar os planos com os pés no chão. Caso contrário, tentarei encontrar outras maneiras, não importa através de que função, desde que eu me sinta bem e que possa alcançar meus objetivos.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O tão esperado teste no restaurante

- Aqui está seu teste. Não tenha pressa e me chame quando terminar - para a minha surpresa, o gerente descia as escadas mostrando uns papéis na mão.

Eu estava de calça social, meias e sapatos pretos, de acordo com o que o possível futuro chefe dissera que eu devia usar para trabalhar. No entanto, aquele teste seria escrito. Fiquei preocupado. Como ele iria abordar todo aquele conteudo que me passara? O material tinha os detalhes de mais de 50 pratos diferentes entre entradas, saladas, sopas, carnes vermelhas, frangos, frutos do mar, hambúrgueres, sanduíches e sobremesa, sem contar o cardápio infantil! Eu poderia me dar muito mal! Aliás, será que eu teria chances de ser testado na prática se eu não passasse naquela prova?

35 questões e a primeira já era para desanimar: "Quais cartões o nosso restaurante aceita?" Não havia nada no material que falasse a respeito de pagamento ou de cartão, que merda! Resposta em branco! Azar, eu não podia deixar o ânimo diminuir, tinha de seguir adiante. Em seguida, havia algumas perguntas sobre como atender clientes e como reagir em determinadas situações. Nessas mandei bem, ao menos pude imaginar as soluções. Com isso, acertei uma sequência de quatro questões (acertaria apenas mais 8 até o final do teste).  O problema começou, de fato, quando eu me deparei com os detalhes. "Indique os molhos que acompanham cada um dos seguintes pratos: Baked Potatos, Grilled Prawns, Carolina Honeys, Apetizer Sampler e Crispy Chiken Tenderloins." "O que vem na French Soup?" "Quais saladas tem croutons?"

Antes mesmo da complexidade de cada pergunta, havia o problema do vocabulário. Ninguém estuda esse tipo de palavra no curso de inglês. Eu havia traduzido o que eu não sabia do material, mas nem tudo estava no dicionário. Grilled Praws é camarão grelhado (nos EUA, camarão é shrimp), Tenderloins seria uma parte nobre da carne, como filé mignon. E o tal do croutons?? Tive de recorrer ao Wikipedia: (do francês croûte, "crosta") é um pequeno pedaço de pão, frito ou assado com óleo ou manteiga, utilizado para acompanhar sopas ou saladas. Já os nomes dos 15 molhos eram pura memorização, pois são como apelidos, muitos não faziam sentido algum (Monterey Jack Cheese, bleu cheese, marinara, cocktail sauce, sweet smoky molasses sauce...).

Eu esperava o gerente acabar de corrigir o teste. De longe, eu observava os movimentos da caneta e tentava entender se ele marcava erro ou acerto. Quando ele se aproximou, eu vi o resultado. Um fracasso, claro! Erros, erros, erros e erros...

- Não está 100% - o gerente falava como se houvesse alguma chance de eu decorar tudo e gabaritar após apenas três dias de estudo e sem contato algum com aquela comida toda que era estranha para mim.

Mantive a tranquilidade, não poderia ser tão ruim assim. Afinal, eu duvidava que qualquer um dos caras que trabalham lá tenha ido muito melhor. Eu expliquei que tive alguns problemas com o vocabulário e que algumas coisas não estavam no material. O problema é que a maior parte do que errei estava lá. Estava claro que o gerente não ficou satisfeito. Mas não me abalei, conversei com ele e ouvi as correções e instruções com atenção, demonstrando o maior interesse. Ele me explicou que eu deveria seguir estudando, pois aquilo era importante, e falou que sabe que é normal ter dificuldade no primeiro momento e sem ter prática alguma. Eu fui convidado a retornar na quinta-feira às 17h para, finalmente, fazer o teste prático de verdade. Com o convite, abri o sorrisão e me despedi empolgado. Ele se despediu sem retribuir o sorriso. Aquilo deixou claro que eu não havia motivo para ficar contente e que eu deveria recuperar a minha imagem.

Peguei o trem lembrando do meu péssimo desempenho. Apesar de saber que era muito difícil para qualquer novato como eu, o gerente não ficara com uma boa impressão. Mas eu mantinha o pensamento positivo. Eu teria a chance de reverter a situação na quinta-feira. Em dois dias, eu mostraria para ele que, mesmo sem experiência, eu trabalharia com vontade e conseguiria aprender. Eu precisava provar que poderia útil para o restaurante.

Para tentar melhorar meu ânimo, liguei o MP3. Quando Chico Buarque cantou que "amanhã vai ser outro dia", o celular tocou.

- Olá, Daniel. Sou eu, do Tony Roma's. Como você está? - o gerente me perguntava 15 minutos depois de eu sair do restaurante. "Quanto tempo, chefão!! Já está com saudades?" tive vontade de responder isso, mas talvez não fosse o melhor a dizer.
- Estou bem, obrigado. E você? - respondi curioso por saber o motivo da ligação.
- Também. Daniel, um dos kitchen hands não poderá vir amanhã de tarde. Será que tem como você quebrar o galho me ajudando na cozinha? Na quinta você vem com calça e sapato para o teste, mas amanhã vem com uma roupa mais simples, pra poder sujar. Ok? - convidou o gerente

Chico Buarque estava certo sobre a quarta-feira. Era aquela a oportunidade que eu teria para conquistar o cara antes mesmo do teste. Amanhã vou mostrar a vontade que ele tanto fala que preciso ter e vou conhecer o máximo que puder do restaurante para ficar mais preparado para o dia do teste.


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Com esse rolo todo de emprego, não vou conseguir falar tão cedo dos gambás que adotamos aqui em casa, nem sobre a despedida da Andrea, sobre o novo curso ou sobre a outra bela eslovaca que conheci, uma nova colega de aula. São muitos assuntos engatilhados, mas aos poucos vou falando sobre eles.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

Final de semana e de calor

O calor de sábado não foi menor do que o de toda a semana. Ficamos felizes por finalmente podermos aproveitar um dia na praia depois de dias estudando e buscando trabalho.

Saímos de casa no começo da tarde, no auge do sol. Estava pior do que a última terça-feira. Depois eu confirmaria, mais uma vez fizera 42°. A diferença é o vento quente que aumentava a sensação térmica. Manly Beach, uma das nossas praias preferidas e a segunda mais frequentada de Sydney, estava escaldante.

Aproveitamos as ondas de Manly e decidirmos ir a Shelly Beach, uma pequena praia de águas calmas que fica à direita da praia principal. No caminho, aproveitamos a companhia de Leonel, com seus óculos de mergulho, e observamos o fundo do mar em meio às rochas. Naquele ponto, mergulhadores profissionais e amadores se reúnem para observar a vida marinha. Ficamos uma hora no local e não vimos peixe algum. Talvez sejamos amadores demais. O que importava, no entanto, era que estávamos debaixo d'água. Chegamos a Shelly Beach e aproveitamos as últimas hora de sol.

Calçadão de Manly
Manly Beach



Local de mergulho (Manly ao fundo)

Murillo a caminho de Shelly Beach
A volta foi complicada, o calor era inacreditável durante a noite. Surpreendíamo-nos com o vento não menos quente do que o da tarde. Nunca havíamos sentido tamanho calor em noite alguma. Em casa, conferimos a temperatura, 36°C às 22h. Suados, mesmo após o banho, sonhávamos com a chance de termos ventiladores. Dormiríamos mais uma vez sem ter nada que amenizasse o calor intenso do verão de Sydney. Nick e eu ainda estávamos acordados.

- Vou pegar a máquina! Não aguento mais ter cabelo nesse calor, vou raspar! - reclamou Nick levantando do sofá e indo ao quarto. - Me dá uma mão aqui pra cortar - pediu.
- Ok, posso tentar ajudar - respondi.

Nick já havia raspado metade do cabelo quando foi buscar o nível três da máquina para deixar o cabelo ainda mais curto. Quando voltou, eu já estava com a máquina na mão e sem metade do cabelo.

- Hahaha! Tu também não aguentou, né!? - exclamou Nick, surpreso.
- Realmente não tem condições! Acabei de conferir na internet, agora são duas e meia da manhã e está fazendo 31 graus! Se posso raspar para arejar a cabeça, por que não fazer? Murillo, Pozza e Dudi já haviam raspado, agora não falta mais ninguém - confirmei, raspando a parte da frente com vontade.


Sem cabelo, pude estudar um pouco do menu do restaurante para o teste de terça-feira...

(Pausa necessária na escrita) O espanhol Alex acaba de me oferecer carne de canguru. Ainda não havíamos experimentado e é algo que eu ainda teria de fazer. A carne é boa, não muito diferente da carne de gado. Todos acharam um pouco pior, mas gostaram. O sabor parece um pouco doce. Um dia desses, o quilo estava custando $8 no supermercado, um preço bom. Mais cedo ou mais tarde compraríamos. Vale experimentar.

Bom, retornando... O sábado estava acabando. No domingo, as temperaturas cairiam bastante, o sol se escondeu e o vento ficou mais forte e frio. Agora, passada uma hora da madrugada, a temperatura é de 19°C. Logo que eu cortadei o cabelo, o calor diminuiu. Pelo menos não ficou tão ruim. Dudi trabalhou cedo na pizzaria. Depois de três dias de muito trabalho, ele já juntou quase $300 e aprendeu bem as funções na cozinha. Eu recebi uma ligação do chefe do Dudi para voltar à pizzaria para tentar encaixar meus horários no turno da noite. Falei a verdade, que teria um novo teste em outro restaurante. Agradeci e indiquei o Pozza, que tinha demonstrado interesse, para tentar a vaga. Agora, ele acaba de retornar da pizzaria. Trabalhará no lugar do indiano e vai dividir a função com Dudi. A semana logo recomeçará, desta vez com mais trabalho para todos. Tenho de retornar a estudo do menu, vale a pena me esforçar pela vaga.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

A música nas ruas de Sydney

Dar uma volta no centro de Sydney é como estar em um festival de música. Sons de todos os estilos, vindos de todos os tipos de instrumentos e tocados por todo tipo de gente. Quem não toca ou canta, dança. Mesmo fora do centro, em lugares menos movimentados, os artistas de rua podem estar presentes. 

Hoje, ainda em Artarmon, região onde eu moro, encontrei, acompanhado por Nick, uma garota que se apresentava em frente à entrada da estação de trem. Pouca gente passava por ela. Ninguém parava para ouvir a jovem cantora que usava tranças e um vestido rosa apagado. Sua beleza estava escondida. Seu único brilho era a voz. Nick e eu paramos no mesmo momento, como se tívessemos combinado. Ela cantava na rua para ninguém, quando passamos a ser sua platéia, seu único reconhecimento. Após a canção, sorrimos com admiração e parabenizamos. Quisera eu poder ter moedas para jogar no chapéu que estava junto aos pés da menina. Quisera eu ver mais moedas lá. Não pude contar mais de cinco. Estávamos saindo em silêncio, certamente com o mesmo sentimento, quase de pesar. Desejávamos que a garota fosse mais valorizada pelo seu inegável dom, que recebesse ao menos atenção. Antes de chegarmos ao topo das escadas, Nick mexeu nos bolsos, desceu súbita e rapidamente e deu sua pequena contribuição, os 70 centavos que tinha de moedas. Se nos sentimos bem com a felicidade que ela demonstrava durante a apresentação com a nossa presença, o sorriso de agradecimento por aquelas moedas foi impagável.

Chegando à city, os sons se misturavam. Em uma esquina da George Street, principal rua da cidade, dois jovens tocavam juntos, um na bateria e o outro na flauta. Do outro lado da avenida, um japonês de chinelo tocava guitarra sentado à porta de um prédio. Na Pitt Street, paralela à George, aparecem novas atrações a cada cem metros. Diferentemente da estação de Artarmon, o local estava lotado. Pessoas se acumulavam ao redor dos artistas, compravam CDs e davam suas contribuições. Nick e eu paramos diversas vezes para assistir aos artistas. Ficamos impressionados com a quantidade de moedas e cédulas (havia uma de $50 dólares em meio a outras de $20 e de $10). Um espanhol incrível tocando flamenco no violão com perfeição era o que mais lucrava. Merecidamente.


Acompanhamos, ainda, uma impressionante apresentação de japoneses adolescentes pulando corda e fazendo acrobacias no ritmo de rap.


Sophie, uma amiga americana que mora na Austrália desde os três anos, contou-me que já foi à rua se apresentar. Hoje, ela ensina a tocar violino, instrumento que aprendeu durante a infância. Nessa sua única experiencia na rua, faturou $270 em pouco mais de uma hora. Sophie contou, ainda, que a prefeitura de Sydney exige uma licensa para se apresentar. O contrato do artista manda que ele toque por não mais que 20 minutos no mesmo lugar. Passado esse tempo, ele deve ir para outro local. 

Nos finais de semana as regiões das principais praias são disputadas por banhistas e também por artistas. Outro dia, no calçadão de Manly, passamos pela mesma dupla da flauta e da bateria que havíamos encontrado no centro algumas vezes e por um engraçado garoto escocês tocando gaita de fole.


The Rocks, região da estação de trem Circular Quay (entre a Harbour Bridge e o Opera House), é um dos principais pontos turísticos. Encontramos por lá alguns representantes da cultura aborígene e uma garota discreta tocando trombone.
 
                                            

Depois de passarmos por The Rocks, chegamos ao nosso destino, uma loja de instrumentos musicais. Nick havia comprado um violão pela internet e devia buscá-lo. Havia mais de um mês que ele estava sem poder tocar, pois não trouxera instrumento algum para a Austrália. A casa também sentia a falta de um som ao vivo. Inspirado pelos artistas de rua, ele ficou durante cerca de meia-hora tocando o seu novo e simples violão ainda dentro da loja como se fosse uma preciosidade. A música de Sydney havia se acumulado dentro daquele artista. Já em casa, observando Nick tocar e cantar com tamanho prazer e talento, imaginei ele fazendo dinheiro nas ruas da cidade com aquilo que mais gostava. Se ele não escolhesse tocar em Artarmon, não seria difícil. Afinal, quem andaria pela rua e ouviria um som como o do vídeo abaixo sem deixar algumas moedas ou cédulas? Qual seria a sua contribuição?

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A melhor oportunidade de emprego

Depois de quatro horas de sono e de uma prova no curso, ia para casa dormir durante o tempo livre do final da manhã. Quando entrei em casa, lembrei que o jogo do Grêmio estava prestes a começar. Desisti de ir para a cama. Assim que a partida acabasse, eu já teria de sair de casa para ir à entrevista no restaurante Tony Roma's. A vitória do meu time compensou o cansaço e um energético esquecido no fundo da geladeira deu um ânimo extra na hora ir às ruas.

Para variar, tive de encarar a combinação calça, tênis, camisa, centro, caminhada e calor de 30°C. Nada que fosse insuperável. Peguei um trem e cheguei cedo. Esperei faltar cinco minutos para o horário combinado (essa é a recomendação que recebemos para quando tivéssemos uma entrevista) e entrei. Fiquei impressionado com a qualidade do restaurante. O estilo dele é o mesmo do Outback, que existe em algumas cidades do Brasil. O estabelecimento é uma franquia da marca que surgiu nos EUA e hoje se espalha por vários países. Sobre essa e outras características do restaurante fiquei sabendo durante a conversa que tive com o gerente.

- O nosso serviço é padronizado em todos os 27 países nos quais atuamos. Prezamos pela qualidade da comida e a dedicação dos nossos empregados. Em troca, oferecemos uma boa condição de trabalho. Eu já sei o que preciso sobre você e agora você terá de saber um pouco sobre nós. Vou te entregar este material. Amanhã você deve trazer a cópia de seus documentos e eu te dou a outra parte do que deve ser lido para você estudar o nosso menu. Na terça-feira você deve ter lido tudo para ter conhecimento de como trabalhamos, então fará um teste - explicou o chefe em tom sério e burocrático, mas bastante educado.
- Parece ótimo. E a que funções eu estaria designado? - questionei enquanto recebia um polígrafo com mais de 50 páginas. Eu tentava imaginar que condições de trabalho seriam aquelas às quais ele se referia.
- Nós temos um sistema de treinamento diferenciado. No primeiro dia de teste, você atuará como runner, aquela pessoa responsável por retirar copos e pratos usados das mesas. Você também irá buscar na cozinha os pedidos para levar aos clientes. No primeiro momento, você não fará o atendimento direto - respondeu enquanto eu imaginava se "boas condições de trabalho" seria um modo de dizer bom salário.
- E como é a carga horária aqui no restaurante? - respondi, tentando aproximar a conversa do ponto aonde eu gostaria de chegar.
- Como eu disse anteriormente, você virá na terça. Se eu gostar do seu trabalho, você continua o treinamento durante uma semana, sempre trabalhando três horas por dia no turno da noite. Se tudo estiver bem durante essa semana, você será contratado - explicou o gerente.

Apesar do tom formal, eu estava gostando daquela conversa. A palavra que definia tudo aquilo era profissionalismo. Eles davam chance de eu aprender e de tentar. Se eu me saísse bem, eu mereceria a vaga e ficaria com ela. De maneira objetiva e sincera, o gerente explicou que, se o meu desempenho fosse satisfatório, eu poderia subir de posição, atendendo os clientes, lidando com os pagamentos e preparando alguns drinks no bar.

- No início, pagamos $14,50 por hora. Quando você evoluir, você recebe um aumento e pode trabalhar mais horas por semana. Nesse caso, você também poderá trabalhar nos finais de semana. Você deve estar imaginando por que isso seria uma vantagem - ele adivinhara o que eu me perguntava -  A vantagem é que no sábado você recebe 50% a mais por hora e no domingo o dobro - explicou.

O meu interesse pela vaga estava nas alturas. O salário inicial é bom, há possibilidade de ganhar uma nova posição e um aumento. Além disso, eu iniciaria em uma função relativamente tranquila e ainda receberia treinamento. Se me esforçasse, eu seria liberado para trabalhar mais do que três horas por dia e para ganhar uma baita grana no final de semana. Me despedi com o sorriso no rosto, ele retribuiu. Eu percebi que também conseguira conquistar esse chefe. De lá em diante, tudo dependia de mim, ler o material e desempenhar um bom trabalho durante alguns dias. Na terça-feira, faria o meu melhor e veria o que essa oportunidade me reservaria. 

Comparei esse com o trabalho oferecido na pizzaria italiana e decidi que deveria me focar no Tony Roma's. Teria de deixar uma oportunidade garantida para tentar uma incerta, porém mais interessante e promissora. Comentei com os guris e o Dudi topou tentar ocupar a minha vaga na pizzaria, uma experiência válida. Liguei para o chefe italiano e me desculpei por não poder atuar no horário que eles precisavam, pois a escola não teria liberado para trocar de turno. Eu tive de dar alguma desculpa. Agradeci pela oportunidade e falei que, se ele se interessasse, um amigo meu estaria disponível para tentar conquistar a vaga. Ele aceitou.

O Pozza já tem seu teste marcado em uma empresa de lavagem de carro, conseguiu na internet. Dudi irá acordar mais cedo amanhã para ir à pizzaria, com a indicação de um amigo. Nick, que largou seu currículo na porta de um restaurante italiano e já passou no teste, começa a trabalhar na segunda-feira. Eu, também através do currículo e do contato direto com o gerente, tenho meu desafio marcado para terça. O Murillo, mais criterioso e exigente, conseguiu hoje, por coincidência, um contato importante quando conversava com uma colega, e agora aguarda resposta para trabalhar em uma rede de escolas. As coisas estão se encaminhando cada vez mais para todos nós. As chances apareceram de maneiras diversas. Não há uma regra para conseguir emprego, basta se empenhar, até se ver em frente à oportunidade.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Meu teste na cozinha

"Eno Pizzeria". Era o que estava escrito na frente do estabelecimento da Grosvenor Street, número 19. Eu chegava no meu destino com a elegância necessária para uma primeira boa impressão. Cabelo levemente molhado e roupa preta discreta na medida. 22 minutos após sair de casa, eu encontrei o local. Lembrei da tarde que eu havia entregado meu currículo por lá. Eu me sentia bem e confiante, de nada adiantaria perder a calma naquela hora. Faltavam 15 minutos para o horário combinado. Eu continuaria ouvindo Bob Marley no MP3 até que faltassem apenas cinco minutos. Eu aguardava na rua ao lado, quando o meu celular vibrou.

- Alô, Daniel Fraga? - perguntavam
- Sim, sou eu mesmo - respondi
- Você largou um currículo aqui no meu restaurante ontem à tarde, no Tony Roma's. Eu gostaria de saber se você poderia vir amanhã para uma entrevista. Se tudo correr bem, podemos fazer um teste para garçom - para a minha felicidade, era um convite de outro restaurante.

Eu não fazia ideia de qual restaurante era, já havia deixado tantos currículos sem nem olhar o nome dos lugares que era impossível lembrar de cada um. Pedi o endereço correto, anotei e topei, claro. Caso não desse certo na pizzaria, haveria uma chance amanhã já.

Cinco para as quatro. Era a hora. Entrei. De cara, conheci o indiano cujo nome não fui capaz de decorar. Todos os outros 13 funcionários são italianos. Simpáticos, engraçados e prestativos, sem excessão. Era o indiano quem me ofereceria todo o apoio durante as sete horas seguintes. Ele, o kitchen hand da noite, estava designado a me orientar descascando, lavando e guardando frutas, verduras e frutos do mar. As louças, o estoque e a limpeza são as outras funções que eu e ele também dividiríamos. Eu assumiria tudo sozinho caso fosse aceito.

Durante toda a noite, tentei ser prestativo, interessado, esforçado e simpático. Gostaram de mim, de fato. A grande dificuldade, além do esforço físico, é o vocabulário muito específico para diversos ingredientes e tipos de utensílios da cozinha, nada que não se aprenda com um pouco de prática.

- Dani, você pode trabalhar pela manhã? O nosso pessoal da noite não está precisando tanto - questionou o chefe maior da cozinha, Valério, já me chamando pelo apelido.
- Posso sim, vou iniciar um novo curso na semana que vem, então eu tenho a possibilidade de trocar o turno. Eu ainda não te perguntei, mas será que você poderia me explicar como é o pagamento aqui? - respondi e mandei outra pergunta.
- Eu tenho que falar com o proprietário para ver quanto você vai ganhar, mas você pode voltar aqui na sexta-feira já no horário da manhã? Daí na semana que vem e na seguinte a gente combina junto os dias em que tu deves vir - Ele respondia já marcando na agenda os horários da semana que vem com o meu nome.

Respondi afirmativamente. Então estava definido. Eu consegui a vaga! Seria o meu primeiro emprego em Sydney! Porém algo me deixava desconfortável e impedia que o sentimento de conquista e de trabalho bem feito me subisse à cabeça. Eu não havia me contentado ainda. Afinal, por que motivo ele não me informara o salário? Eu não sabia se tamanho esforço seria bem recompensado e ele já me considerava contratado. Tive que aguardar até o final da noite para descobrir.

A minha mão estava cheia de calos de tanto trabalhar com prato quente e água fervendo. A cozinha fecharia às 10h30 da noite, e eu não fazia ideia de que horas eram. Mesmo assim, eu percebia a diminuição do volume de louças e o movimento maior das sobremesas, quando o responsável pelas pizzas perguntou qual o sabor de pizza eu gostaria. Fiz de conta que não era necessário me darem uma pizza, que seria uma gentileza e que me sentia lisonjeado. Na verdade eu queria aquilo mais do que qualquer coisa e achava que era uma obrigação deles me oferecer comida depois de trabalhar sete horas sem descanso. Fiz de conta que avaliei a situação e que pensei qual sabor eu gostaria de comer. Apontei para a primeira que vi. Qualquer pizza seria a melhor do mundo naquela situação. Olhei pela porta da cozinha e percebi que não havia mais clientes. Organizei as últimas coisas, peguei a minha pizza e, antes de sair, criei coragem para conversar com o dono pela primeira vez, sem esperar o chefe da cozinha tocar no assunto da grana.

- Não tive a oportunidade de me apresentar para você ainda. Meu nome é Daniel -  falei em um tom quase formal
- Não nos falamos ainda, mas sei quem você é. Sou o Mauro. Gostei de ver você trabalhando. E você, gostou daqui e do serviço? - respondeu surpreendentemente simpático e interessado
- Gostei sim, gostei bastante - fiz a pausa adequada para não parecer afobado - O Valério já combinou comigo os próximos dias em que virei, está tudo acertado. Só tenho uma dúvida que não tirei... Qual é o pagamento para essa função? - perguntei delicadamente, imaginando que fosse um salário que eu imaginava como o legal para me manter bem aqui, que seria a partir de $15 por hora.
- Para Kitchen Hand são $12 dólares por hora. Para outras funções é um pouco mais - respondeu. Eu queria mais. $12 não havia me agradado.
- Sinceramente, eu esperava que fosse um pouco mais. Na verdade eu buscava algo um pouco maior, já que estou recém chegando em Sydney e tentando estabelecer as minhas coisas - respondi tentando ver a ideia dele em relação à minha situação.
- Eu sei que é complicado. Quando eu iniciei eu estava exatamente no seu lugar - afirmou tentando me animar - Os garçons aqui ganham mais, entre $16 e $18, mas nós exigimos pessoas já bem experientes. Posso um dia fazer um teste contigo aqui, enquanto você atua como Kitchen Hand. Mas acho importante que pelo menos para alavancar nesse seu início você se encaixe em um trabalho fixo. Talvez essa primeira experiência abra portas para uma oportunidade melhor daqui a uns três ou quatro meses - argumentou compreensivamente.

Minha cabeça ficou cheia de questões. A escolha não será fácil, pois há vantagens e desvantagens. Por um lado o baixo valor pago conta muito e o esforço que o trabalho exige também, sem contar o tempo gasto, inclusive em finais de semana. Por outro, a pouca grana oferecida poderia auxiliar nesse início, a experiencia pode ser importante, como Mauro havia dito; eu teria uma refeição garantida quando trabalhasse e o horario seria muito bom (das 10h às 15h três ou quatro dias por semana).

Uma coisa é certa, posso esperar até amanhã à noite para pensar bem, já que a entrevista dessa quinta pode resultar em uma nova oferta para eu avaliar.

Mesmo sem uma grande experiência por aqui, eu já tenho muita coisa para falar sobre a busca de emprego na Austrália. Essa é, com certeza, uma das maiores aflições para quem vem. Isso é sim um desafio, mas é, acima disso, uma grande experiência. A dica que tenho hoje é a mesma que já recebi: o melhor modo de conseguir uma oportunidade é o modo mais direto, indo para rua com o currículo na mão e falando cara a cara com o empregador. Tanto o teste de hoje quanto a entrevista de amanhã são frutos de tardes que passei entregando meus currículos e me oferecendo. Há muito o que falar sobre trabalho no exterior. Vou aproveitar o teste de amanhã para abodar mais esse tema e contar sobre essa nova experiência.