quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

O verdadeiro desafio no restaurante

Andava pelo corredor, driblava clientes e demais garçons quando, por pura desconcentração, derrubei copos, pratos e garrafas. Virei alvo dos olhares de todos os clientes e do meu chefe.

Acordei assustado chegando à minha estação. Faltavam duas horas para o teste. Aquele sonho revelava o que eu tentava esconder. Sim, no fundo eu estava nervoso. Eu tento me controlar para não deixar a ansiedade me prejudicar, mas ela é natural e quase inevitável em muitas situações. Como seria o meu primeiro dia depois daquele teste escrito tão rígido na terça-feira? Será que o chefe teria paciência para me ensinar coisas básicas e para suportar erros de um guri inexperiente?

Cheguei ao restaurante com dez minutos de antecedência, tempo suficiente para receber meu uniforme e a chave para o meu armário. Às 17h, os clientes começavam a chegar para a janta. Aqui na Austrália é assim, quase tudo começa mais cedo. No início, eu secava os talheres e os guardava enrolados nos guardanapos que deveriam ser milimetricamente dobrados. O chefe me acompanhou durante parte desse serviço para explicar exatamente como aquilo devia ser feito. Demorei, mas acabei aprendendo. Foi uma boa oportunidade para trocar uma ideia com ele e para tentar ganhar uns pontos.

Quando a movimentação ficou intensa, larguei os talheres e passei a atuar na principal função do runner (ou busser): levar os pedidos aos clientes famintos. Quando o sino soava, era sinal de que havia comida pronta. Eu era informado do nome do pedido e a mesa à qual ele devia ser levado. Todo o restaurante é dividido em setores e cada mesa tem seu número. A numeração deve ser decorada, já que as mesas não tem nenhum tipo de indicação. Depois de levar os pratos, eu deveria voltar à cozinha recolhendo as louças já usadas pelo caminho e limpando as mesas para os próximos clientes. A casa estava cheia e as filas começavam a aumentar.

Eu não era o garçom propriamente dito, mas os clientes nem sempre percebem isso e acabam fazendo os pedidos a qualquer pessoa uniformizada. No entanto, não posso ignorá-los. Nesses casos, eu tenho de atender, pegar o pedido e passar a ordem para o garçom responsável pelo setor. Também havia o desafio das bebidas, o que causou o meu maior erro da noite. Gerry, o responsável pelo bar, lotou uma bandeja com cervejas, refrigerantes, águas e a droga de um coquetel. Aquele drink estava quase transbordando. Devia custar uns 15 dólares. Quando arrastei a bandeja para a minha mão, o troço tremeu. Não tremeu pelo peso, mas pela quantidade de líquido que havia no copo. Na primeira vez que puxei, derramei uns dois goles. Me concentrei e puxei pela segunda vez. Não sei que tipo de movimento fiz, mas sei bem o resultado disso, todo o drink foi para a bandeja.

- Não tem problema, primeiro dia é assim mesmo. Deixa que eu faço outro. Me conte, Daniel, você é canadense? - Gerry falou sorrindo.

Ainda bem que não era o chefe que havia presenciado aquela cena. Gerry era compreensivo. Talvez até demais. Eu havia percebido a atenção diferenciada que ele me dava já quando cheguei. Sem problemas, o cara parecia ser gente boa e eu estava até achando engraçada aquela situação. Que papo era aquele de nacionalidade quando o caos estava instaurado no restaurante?

- Não, sou brasileiro. E você, de onde é? Ah, e obrigado pela ajuda, o primeiro dia sempre é mais complicado, não? Espero que continue dando tudo certo - respondi.
- Sou das Filipinas. Não te preocupa que nem sempre vai se tão movimentado assim e qualquer coisa é só me perguntar - Gerry falou e deu uma piscadinha antes de eu sair com a bandeja me segurando pra não rir.

Ainda era noite quando eu já havia sevido mais de 50 costelas, especialidade do restaurante. A concentração e a correria não permitiam que eu percebessse a fome e a sede que aquele serviço estava me provocando. Eu tinha de mostrar rapidez e segurança para o chefe, que supervisionava tudo com rigor. Com o tempo eu já subia e descia as escadas com mais naturalidade. O equilíbrio havia sido aperfeiçoado, bem como a desenvoltura com os clientes. Eu já me permitia até fazer algumas piadinhas.

- Aqui está o seu pedido - falei passando o prato na frente de um dos jovens australianos da mesa, quando ele fez o movimento para pegar a costela e eu desviei - Oh, come on! Primeiro as damas, certo? - eu disse deixando o prato com a garota que estava ao lado dele e arrancando risos de toda a mesa, inclusive do rapaz. Logo eu também o serviria, claro.

O bom humor também funcionou com as velhinhas.

- Essa sobremesa parece estar especial! Quem será a sortuda da noite? - cheguei com uma bela taça de sorvete com chocolates a uma mesa com quatro senhoras que prontamente apontaram para a aniversariante - Ah, uma sobremesa tão bonita como essa realmente combina com você. Aproveite - pronto, eu havia ganhado as velhinhas sorridentes e diversos elogios "que rapaz gentil!" "que amável!" "que lindo!"...

Pratos e bandejas pareciam luvas nas minhas mãos quando a sub-gerente me chamou.

- Daniel, você já passou do seu horário de hoje. Já são 21h45 - falou a pequena descendente de koreanos me fitando com seus olhinhos puxados e o sorriso mais simpático que se pode receber.
- Já? - respondi automaticamente - Ok. Posso falar com o gerente para ver como eu fui e se devo voltar amanhã? - completei. Eu realmente queria ficar mais, mas sabia que os horários lá são bastante rígidos.
- O Farkas já foi. Mas não se preocupe, ele vai ligar quando precisar novamente de você. Talvez amanhã ou na segunda-feira. Não cheguei a falar com ele sobre o seu desempenho, mas você pareceu ter ido muito bem, conseguiu entender o sistema da casa e se virar sozinho sem ter de ficar perguntando - falou em tom de elogio.

Nos despedimos. Fui recolher as coisas do armário ainda encantado com o sorriso da possível futura colega. Em seguida, já estava a caminho de casa satisfeito com o trabalho realizado e com outras perspectivas em relação à vaga. Gostei muito da noite e da função. Agora falta saber se vou gostar do resultado.

7 comentários:

  1. Acho que vai sim, tu parece ter te dado bem no ambiente.. E imagina se nao ia ter um homem afim de ti uahuahuahuhau
    Foram boas as dicas que dei em tu tratar as pessoas que nem os garçons tratam os clientes no outback.. certo que a vaga é tua ;) Boa sorte.

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  2. Meu querido Dani,
    esse blog tá dando o que falar...muito bem escrito...um texto atraente...quanto ao trabalho...pensamento positivo e foco nos teus objetivos...q vai dar certo...aliás sempre dá certo..às vezes não entendemos os sinais...mas eles estão aí para serem compreendidos...abs..Carlos e Shirlei

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  3. Como os garçons do Outback tratam os clientes? Nunca fui lá. Também quero a dica!!
    Abraço

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  4. Realmente esse restaurante é bem o estilo do outback, inclusive em relação aos pratos, a cebola e tal... O atendimento é mais próximo ao cliente, mais personalizado. Cada garçom tem apenas algumas mesas para cuidar, então acompanha com mais atenção seus clientes, sabendo em que parte da refeição eles estão para oferecer na hora certa novos pratos, sobremesas ou bebidas.
    Abraço a todos!

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  5. Mandou bem Daniel. Boa sorte ! Não deixe de contar aqui no blog.

    Abraço.

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  6. CARA E O GERRY, DEU EM CIMA MESMO? ABRAÇOS

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  7. Nao foi nada direto, soh deu a entender alguma coisa...

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