sábado, 7 de abril de 2012

O último post

Depois de postar os textos que havia guardado da última viagem pela Austrália, considero minha missão cumprida. É hora de concluir a atividade que ocupou boas horas do último ano. Contar histórias e tentar ajudar quem pretendia (ou ainda pretende) ter uma experiência como essa tem sido incrivelmente gratificante.

Através deste blog, conheci virtual e pessoalmente gente que viveu e vai viver histórias como as minhas. Alguns leitores marcaram minha vida em Sydney. Construí grandes amizades, me diverti e espero ter divertido vocês.

Seguirei abrindo meu e-mail na expectativa de receber notícias de quem está planejando viajar e de quem venho acompanhando desde o momento em que a viagem era apenas uma grande vontade.

O Diário da Austrália segue no ar, mesmo sem atualizações, para manter essa história viva para mim e para novos leitores. Da mesma maneira, continuo aberto a receber mensagens de quem se interessar pelo tema.

Agradeço muito àqueles que acompanharam os episódios e fizeram do blog algo ainda mais prazeroso! Uma boa viagem a todos!

Viagem pela costa - Final - O céu de Cairns

Mãos agarradas no colete, óculos de proteção no rosto e posição conforme havíamos sido instruídos. A porta do avião já estava aberta. Nick seria o primeiro a saltar, um americano seria o segundo e eu iria na sequência. As ilhas do oceano azul pareciam pequenas lá de cima. O sol brilhava entre as poucas nuvens que nos cercavam. Eu já estava sentado com as pernas para fora do avião em movimento. O vento forte e o barulho do motor se misturavam com alguma coisa que o instrutor falava. Foi aí que ele me empurrou.

A Austrália tem a maior barreira de corais do mundo. Cairns, no norte da costa leste, é conhecida pelas opções de mergulho na grande barreira. Por descuido em nosso cronograma, perdemos a chance de mergulhar. Conformados com a perda da oportunidade, ainda tínhamos outra programação, a qual me interessava ainda mais. Eu teria a melhor sensação da minha vida lá em Cairns.

Cairns é uma cidade maior do que aquelas por onde havíamos passado durante as duas semanas de viagem. Nossa última parada tinha uma lagoa artificial em frente ao mar como a de Airlie Beach em função do mar impróprio para banho. Rafting, mergulho e trilhas por morros e cachoeiras são algumas das principais atrações da cidade. Seria, no entanto, outra opção que encerraria nossa viagem da melhor maneira possível, o salto de pára-quedas.

Mais uma vez, acordaríamos às seis horas da manhã. Pegaríamos um ônibus da empresa de skydive rumo à praia de Mission Beach. Era lá onde saltaríamos. O tempo não parecia ajudar. Com céu fechado, chuva e vento forte, não haveria possibilidade de saltarmos. Todos no ônibus estavam preocupados e com medo de perder a oportunidade. Seria o primeiro salto da maioria de nós, isso, claro, se o tempo melhorasse muito.

Tempo ruim durante a viagem a Mission Beach
Em duas horas de viagem, a chuva havia diminuído. Ainda receberíamos as instruções e aguardaríamos a divulgação da ordem dos saltos. O céu ainda encoberto por pesadas nuvens seguia preoupando, até que um dos instrutores informou:

- Não se preocupem com o tempo, Mission Beach tem dezesseis quilômetrosde extensão. Só precisamos achar uma pequena área sem nuvens para realizarmos os saltos.

As dezenas de pessoas que aguardavam para saltar foram divididas em grupos. Um único avião faria seis voos e nós estávamos no último grupo.

As decolagens já haviam começado. Bastava esperarmos nossa vez.

Durante a espera conheci um dinamarquês que se aproximou quando soube que eu era brasileiro. Queria saber sobre nosso país, sua situação econômica e as perspectivas de crescimento do ponto de vista de um brasileiro. Ouviu tudo o que eu tinha a dizer. Ele estudava economia e comércio exterior e admitiu o interesse em conhecer o Brasil com expectativa de aproveitar a força que o país vem ganhando. Quando questionei sobre o salto de paraquedas (ele havia saltado no primeiro grupo que decolou), sua expressão mudou.

- Foi assustador! Não gostei e não faria de novo, pois o pavor foi maior do que a diversão - contou.

O dinamarquês explicou que sempre tivera medo de altura, decidira saltar para superar seus limites. Tratava-se de um desafio pessoal.

Ele não era o primeiro a me falar sobre o medo no momento do salto. Garantiram-me que eu não manteria a calma na hora. Eu, no entanto, não conseguia temer o que estava por vir, talvez apenas por não saber exatamente do que se tratava.

Quatro horas da tarde, após muita espera, chegava a nossa vez. Fui apresentado ao paraquedista que saltaria comigo. No caminho para a pista de decolagem, procurei me informar sobre o que enfrentaríamos dentro de alguns instantes. Seriam 14 mil pés, equivalente a mais de quatro mil metros de altura no momento em que saltaríamos. Três quilômetros em queda livre, quando atingiríamos 200km/h. Os números impressionavam e superavam o que eu imaginava, mas o sentimento ainda era de excitação.

Chegávamos próximos aos 14 mil pés. Queria saber o que o paraquedista, como profissional, sentia no momento.

- Eu salto desde 1995 e já não sinto a mesma coisa que você está prestes a sentir. Mas ainda me divirto muito!

Mãos agarradas no colete, óculos de proteção no rosto e posição conforme havíamos sido instruídos. A porta do avião já estava aberta. Nick seria o primeiro a saltar, um americano seria o segundo e eu iria na sequência. As ilhas do oceano azul pareciam pequenas lá de cima. O sol brilhava entre as poucas nuvens que nos cercavam. Eu já estava sentado com as pernas para fora do avião em movimento. O vento forte e o barulho do motor se misturavam com alguma coisa que o instrutor falava. Foi aí que ele me empurrou.

De olhos abertos, mergulhei em queda livre. A adrenalina extrema não dava chances ao medo. A quatro quilômetros do chão, a queda ganhava velocidade rapidamente. Mesmo a duzentos quilômetros por hora, a terra não parecia ficar mais próxima. Havíamos girado algumas vezes assim que saímos do avião antes de estabilizarmos a queda com barriga e rosto virados para a terra. Com a habilidade do paraquedista, fizemos algumas manobras durante a longa queda livre. O vento intenso trazia uma sensação de liberdade jamais sentida. Era a natureza na sua forma mais pura em contato total com meu corpo.

A mil metros do solo, ele abriu o paraquedas. Foi como se, em uma fração de segundo, fôssemos lançados para cima tamanha queda de velocidade que sofremos. Pairávamos no ar. Se antes sentia adrenalina, parecia que o sentimento de paz passava a predominar com o paraquedas aberto. O barulho intenso do vento dera lugar ao silêncio de uma descida cheia de leveza.

- Agarre aqui e puxe para a direita - falou o instrutor oferecendo a alça do equipamento.

Com poucas instruções, ele explicou como controlar o equipamento e direcionar o voo da maneira que eu quisesse.

- Essa é a melhor experiência que já vivi. Muito obrigado! - Agradeci ao instrutor diante de tanta emoção.

Aterrisamos suavemente na areia de Mission Beach. A viagem acabara da melhor maneira possível.

Em poucas horas, voltaríamos ao céu de Cairns. Dessa vez, retornando a Sydney. 

Menos de uma semana depois, eu estaria novamente nos ares. Embarcaria sozinho, de volta pra casa.

A viagem chegava ao fim.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Viagem pela costa - parte 6 - Airlie Beach, Elizabeth e a vontade de ficar mais

Se pudéssemos perder o ônibus de hoje para ficar mais por aqui seria bom demais! Será que poderíamos pegar a estrada só amanhã?

Buscávamos nossas mochilas quando João lançou a pergunta. Ele sentia o mesmo que Nick e eu. Teríamos o dia seguinte livre em Cairns e estávamos encantados por Airlie Beach.

A praia da cidade é imprópria para banho. Há quem diga que tubarões, águas-vivas e até crocodilos de água salgada habitam a orla, informações sem muita credibilidade. Preferimos não conferir a veracidade dos boatos. De qualquer maneira, uma incrível lagoa artificial satisfazia a vontade dos banhistas.

Durante todo o dia, a lagoa era frequentada por 
famílias. As crianças dominavam o local e davam a impressão de que a cidade era balneário com público mais tranquilo, não parecia um lugar badalado como Byron Bay ou Surfers Paradise. Não demorou, porém, para provar ser mais um ponto de backpackers. 
Era domingo. Os jovens descansavam após um agitado sábado. Bastou entrarmos no hostel no final da tarde para vermos a quantidade de viajantes da nossa faixa etária que estava por lá. Eles seriam o principal motivo de querermos ficar ao menos mais um dia em Airlie Beach.

Antes de anoitecer, já estávamos enturmados em meio a alguns europeus. Na hora de saírmos, o grupo era grande e, assim como em Noosa, predominantemente alemão. A movimentação noturna quebrou completamente a primeira impressão a respeito do público frequentador de Airlie Beach. Jovens animados circulavam entre as poucas baladas da pequena rua principal. Dominavam a área central da cidade e criavam um clima vibrante e muito positivo. A noite foi longa e o sono seria curto, visto que o alarme despertaria às seis horas da manhã. Acordaríamos a tempo de conhecer o principal atrativo da região, o arquipélago de Withsundays.

Whitehaven Beach
Quase cinquenta pessoas sobre o barco Camira. Jovens mochileiros, casais e famílias inteiras percorreriam as 74 ilhas, passariam por resorts isolados em meio às águas oceânicas, praticariam snorkeling, almoçariam após uma hora na paradisíaca Whitehaven Beach e retornariam encantados com toda aquela natureza. Um dia inteiro de muito sol, boas companhias e água verde.

Foi a oportunidade perfeita para conhecer Elizabeth, uma francesa de longos cabelos negros e olhos não menos verdes do que a água por onde navegávamos. Ela seria a última pessoa marcante da viagem. Era a definição daqueles com quem convivíamos durante poucos e intensos dias de estrada. Levava uma vida de viajante sem ter hora para voltar para casa. Conseguia empregos temporários que garantiam sua permanência e a ida para os destinos seguintes. Fora professora de inglês na Espanha antes de chegar a Airlie Beach e trabalhar em lancherias. Iria para Sydney e Melbourne, onde tentaria juntar dinheiro para seguir seu rumo até a América do Sul. Ainda imagina voltar para casa e fazer mestrado em sua área, mas diz não ter pressa ainda aos 23 anos. Acredita, porém, que não há mestrado que ensine tanto quanto o que ela vem aprendendo pelo mundo.

Infelizmente, o diálogo com a francesa só começou quando iniciávamos o retorno para Airlie. Mas poucas horas de contato com a simpatia de Elizabeth já foram suficientes para perceber seu prazer contagiante pela vida e conhecer sua incrível história. Assim, aquele dia inesquecível sobre o convés da embarcação ficava completo.
Ainda haveria algumas horas entre o desembarque do Camira e o check out no hotel. Tempo para despedidas e para buscarmos as mochilas.

- João, se eu pudesse escolher uma cidade para ficar um dia a mais, não pensaria duas vezes antes de falar Airlie Beach. Mas, pensando bem, se melhorar estraga - respondemos a João.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Viagem pela costa - parte 5 - A natureza de Fraser Island

Uma balsa faria o transporte entre Hervey Bay e Fraser Island, aproximadamente trinta minutos sobre o mar com outros desses viajantes que percorrem a costa leste australiana. Uma mochila para os três seria suficiente para passar dois dias explorando a ilha.

O plano era conhecer florestas densas, rios, grandes dunas de areia, lagos, animais selvagens e mais de cem quilômetros de praia em dois dias intensos. Um ônibus feito especialmente para circular em condições desafiadoras levaría-nos aos extremos de Fraser Island.

Após percorrer trilhas em meio à floresta, desembarcamos em uma clareira. A partir de lá, a trilha seria feita a pé. Vinte minutos de caminhada entre moscas insistentes e teias de aranha. De repente, saímos da floresta e nos vimos cercados por muita, muita areia. Imensas dunas tomavam conta do visual desértico. Ansiosos para chegar ao destino, fomos antes do resto do grupo seguindo o caminho que os guias haviam indicado. Nada mais parecia existir por lá, senão areia. Era o que pensávamos até chegar ao topo de uma das dunas mais altas. Aos poucos, uma vasta vegetação aparecia diante de nós. E, como que miragem, o verde de um grande lago surgia convidando para o mergulho. Sob o sol escaldante do meio-dia, descemos correndo e largando as coisas no caminho. Ainda pensaríamos naquele banho como a melhor lembrança da ilha. Foi um momento de puro contato com a natureza.

A ilha é preservada desde os primeiros contatos com a civilização, no início do século passado. Antes, tinha a presença dos aborígenes, que dividiam espaço com os dingos, caninos selvagens típicos da Austrália, e outros animais também presentes no local. De algumas décadas pra cá, a exploração da ilha passou a ser voltada para o turismo, mas sempre com cuidado para alterar o mínimo possível da natureza original. Durante o passeio, os bem-humorados guias explicam de que maneira a ilha foi estruturada para receber os visitantes. As áreas para construção de hotéis é limitada, já não se pode mais construir em Fraser. Além disso, multas são                                                                                          cobradas de quem alterar o ambiente.
 
Conseguiram montar uma programação completa para os turistas. Os ônibus enfrentam areia, água e floresta, levam a lugares extremos e a paraísos inimagináveis. Pode-se subir em morros, mergulhar em lagos, conhecer animais raros de perto e percorrer rios de água potável desde sua nascente. Também é possível sobrevoar a ilha e conhecer a história de um navio encalhado há aproximadamente cem anos na praia. Não é sempre que se consegue unir comodidade, diversão, aventura, tranquilidade e informação. O trabalho que fazem em Fraser Island é tão admirável quanto a beleza da ilha.

Airlie Beach será nossa próxima parada, o lugar de onde não queríamos sair.  

Viagem pela costa - parte 4 - A parada no backpacker de Noosa

Noosa seria uma parada rápida em nossa viagem. Não seria um dos destinos principais; o tempo era insuficiente para conhecer tudo o que há por lá. A expectativa era de ter descanso durante uma noite após tanto agito na primeira metade da viagem.

A cidade lembra Byron Bay pelo seu tamanho, pela praia e pela ausência de prédios ou grandes construções. É, porém, lugar mais sofisticado, enquanto Byron se mostra mais rústico. Também parada dos mochileiros, predominantemente europeus, Noosa é muito frequentada por jovens e, bem como nosso primeiro destino, tem algumas baladas. Não esperávamos sair à noite, mas foi inevitável quando conhecemos um grupo de gurias, três alemãs e duas holandesas.

Essa é a grande vantagem de estar em backpackers, a possibilidade de conhecer gente nova. A galera que escolhe esse tipo de hospedagem tem um perfil em comum, se interessa por conhecer gente nova, compartilhar experiências e não tem preconceito. Não é à toa que os backpackers normalmente tem banheiros e cozinhas comunitários, além de áreas de jogos. As refeições promocionais e atividades ajudam a promover a integração. Chama a atenção a cultura de ignorar a diferença dos sexos. Homens e mulheres que jamais se viram anteriormente circulam no interior dos mesmos dormitórios e banheiros.

Não há formalidade alguma num ambiente desses. As mulheres não se importam e andam do banheiro ao quarto envoltas apenas pelas toalhas. Os homens fazem barba na mesma pia em que elas escovam os dentes. Havíamos passado pelo quarto das cinco e, naturalmente, entramos e nos sentimos à vontade. Estavam sentadas no chão jogando cartas e tomando copos de vinho a cada rodada perdida. Acompanhávamos a partida em meio às apresentações. Em seguida, já tocávamos violão e cantávamos todos juntos. De lá, fomos ao bar do hostel que serviria os jantares promocionais. Havia música ao vivo de uma dupla entrosada e com ótimo repertório, que ia de country a Coldplay. Logo mais, um segurança conferindo identidades de quem entrasse. Havia fila para entrar, a música já era eletrônica e muita gente dançava na pista. Quando percebemos, estávamos dentro de uma balada. Acabaria cedo e todos iriam juntos a uma boate com vans disponibilizadas pelo hostel.

Esquecemos da possibilidade de descansar. A noite acabou tarde. Voltamos ao quarto molhados após um banho de piscina pós festa. Não fosse o clima do hostel e às possibilidades de se aproximar dos outros mochileiros, seria uma noite sem grades lembranças. O ambiente em que passamos aquela noite, as alemãs, as holandesas e os momentos que vivemos em Noosa marcaram. Não havia sido apenas uma parada naquela pequena cidade. Teríamos o resto da noite de sono antes de partir para a natureza incrível de Fraser Island.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

Contrastes após o retorno

Há mais de dois meses de volta ao Brasil, sinto uma saudade imensa da vida australiana. A satisfação de ter vivido tanta coisa positiva contrasta com uma pontinha de tristeza por saber que tudo aquilo não volta. Por mais que Sydney, Bondi, Oxford Steet, Artarmon, George Street, Hyde Park, as festas de cada noite e muito do que fez parte desse ano de 2011 continue lá, o momento não volta. Boa parte dos que conviveram comigo já não estão mais lá. Mesmo com a certeza de revê-los em um futuro próximo, sempre sobrará esse lamento em cada um de nós.

Sigo recebendo e-mails de quem lê o blog e que procura dicas pois logo devem embarcar para essa experiência. A cada conselho e sugestão, muita coisa volta à lembrança e provoca essa saudade. Falar com os amigos que há pouco faziam parte do nosso dia-a-dia e agora estão distantes seguindo seus rumos causa o mesmo sentimento.

Tem também o lado social. A cabeça não é a mesma de antes. Não estamos mais acostumados a estar dentro da realidade daqui. O carnaval, agora, provou muito isso. O jeito do brasileiro é diferente. Com suas peculiaridades positivas ou não, não é possível voltar a esse mesmo padrão de comportameto e de pensamento. Na praia, tomada por jovens, as pessoas pareciam todas iguais. Muito disso acaba refletido na estética. Qualquer variação que fosse estranha ao modelo de comportamento é julgada como inferior. Alguém vestindo calça jeans à tarde na praia, ou com um biquini muito grande, ou de pele muito branca, bem como pessoas altas ou gordas demais eram motivos de olhares e comentários maldosos. É muito presente essa obrigação de ser igual para ser aceito, o que é nada menos do que preconceito com o diferente.

Era admirável a liberdade que se tinha para ser do jeito que quiser ser. Não é somente por questões financeiras que as gurias chegavam a passar um ano inteiro sem ir a um salão de beleza. Aqui, uma ida às estéticas a cada doze meses parece absurdamente pouco para elas. Rola uma necessidade de corrigir o que o padrão diz ser errado. Muita plástica, maquiagem, academia... Muito tempo perdido com isso pensando apenas na aparência para estar de acordo com o modelo. É muita preocupação com o que as outras pessoas vão pensar. Quando se percebe que não precisa dessas coisas, cada um é o que é, sem intervenções desnecessárias. Bonito é agir naturalmente a ponto de se aceitar. Ouvi, há pouco tempo, uma música dizendo que a verdadeira beleza é aquela de quando se acorda. E realmente é.

Quando era madrugada, ainda acordados, íamos à loja de conveniência procurar algo diferente pra comer. Saíamos do jeito que dormiríamos algumas horas mais tarde. Com a roupa que usávamos em casa, atravessávamos uma série de ruas, andávamos pela Oxford Street, rua das mais badaladas todas as noites. Mas todos fazem assim por lá. Não é necessário adotar um estilo que não seja o seu. Enquanto, aqui, chega ao ponto de ouvir comentários por estar vestindo uma calça de moletom. Que coisa boa seria sair por aí de calça de moletom se essa for mais confortável que as outras!

Certa vez, em uma dessas madrugadas voltei pra casa e reparei no meu reflexo no vidro. Vestia uma camiseta verde limão, um calção bem curto da época da escola e um calçado verde limão que calcei improvisadamente na hora de sair. Ninguém havia reparado. Ninguém havia achado estranho, nem eu. A roupa mais confortável não seria estranha aonde quer que fosse. A partir dessa noite tentei por algumas vezes medir o limite dessa aceitação de variedades. A cada noite, eu e o pessoal, aumentávamos o grau de extravagância. Desistimos na vez em que, durante uma agitada noite de sábado, andei em meio à intensa movimentação das baladas vestindo a mesma roupa verde limão com o mesmo calçado e mesmo calção, mas também usando um chapéu de palha e carregando um Ursinho Pooh debaixo do braço. Havia muita gente pelo caminho, mas ninguém deu atenção para a maneira como eu andava. Satisfeito, voltei pra casa satisfeito e convencido de que ali a personalidade e o caráter eram mais importantes do que a primeira impressão.

No carnaval, então, naquela praia cheia do pessoal endinheirado em busca de status, seja lá o que sejam os tais status, ouço um velho conhecido falar rindo em tom debochado apontando para alguém distante: o que aquele cara tá fazendo de calça jeans aqui? Bateu um desânimo pra continuar a conversa, que acabou em seguida.

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Estou ansioso pra poder postar os demais textos da viagem. Faltam apenas as fotos de um amigo pra os posts ficarem completos. Então consigo encerrar o blog de uma maneira legal. Mas sigo disponível pra conversar com quem tiver dúvidas.

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Viagem pela costa - parte 3 - Os schoolies de Surfers Paradise

Em Byron Bay, já havíamos ouvido falar a respeito deles. Também havíamos percebido indícios do que estaria por vir. Apenas chegando a Surfers Paradise, porém, entenderíamos o que eram os schoolies e o tamanho da bagunça que poderiam causar.

Era a época em que os jovens encerram o período escolar e vão às praias se divertir. Surfers Paradise seria o principal destino desse pessoal de 17 e 18 anos. Após o desembarque na rodoviária, andamos poucos metros até nosso backpacker, provavelmente o maior e mais agitado da cidade. A recepção foi calorosa. No auge do primeiro dia de festas, as sacadas eram ocupadas pelos schoolies que gritavam, dançavam e bebiam enlouquecidamente. Há quem não goste de tanto agito, mas nos divertíamos com toda aquela animação.

Vivemos três dias de muita diversão, dias quase sem descanso. Nossa viagem oferecia entradas em um parque de diversão e em um aquático, momentos em que não relaxávamos, mas em que, ao menos, ficávamos algumas horas afastados dos gritos dos jovens que dominavam o hostel, a praia e as ruas. À noite, então, voltávamos ao agito do centro de Surfers Paradise.

Mais do que esses três dias seria demais. A cidade é ótima, bem estruturada e cheia de atrativos, mas essa convivência com os schoolies foi muito cansativa! A diferença de três ou quatro anos de idade é muito grande nessa fase da vida. Relembrávamos a época em que éramos mais novos e tínhamos algumas daquelas atitudes. Surfers Paradise lembrou a adolescência, as bobagens ditas a todo momento e as brincadeiras bestas de escola. Mostrou que o tempo passou e que os gostos mudaram. Provou, ainda, que são contagiantes a vivacidade, a alegria e o alto astral desse pessoal um pouco mais jovem. Também fez perceber que a diversão em parques como aqueles a que fomos já não é a mesma. Por mais que possamos ainda viver bons momentos assim, algumas coisas mudaram. Valeu muito viver esses três dias por lá, experiência que divertiu e fez perceber as mudanças que o tempo traz.

sábado, 3 de dezembro de 2011

Viagem pela costa - parte 2 - Os sobreviventes de Woodstock


Praia de Byron Bay
Para eles, a ideologia continua presente. Internet, celular e qualquer outra forma de tecnologia parecem estar ausentes no dia-a-dia de parte do povo da região de Byron Bay. Dois dias por aqui foram suficientes para ver a cidade, conhecer a praia, curtir as noites e conhecer algumas pessoas interessantes. Foi em Nimbin, porém, a experiência mais marcante.

Passamos algumas horas por lá durante nosso segundo dia na região. Um ônibus turístico nada convencional levou-nos à pequena cidade que serve de refúgio para aqueles que decidiram, há mais de trinta anos, jamais voltar aos padrões da sociedade moderna.

- Peguem leve caso estejam pensando em provar os cookies - alertava o guia, visivelmente sob efeito de alguma substância.


A verdade é que a apologia à maconha é forte por aqui. Nimbin é como a cidade símbolo do movimento Hippie e da ideologia que prega uma visão positiva em relação à droga aqui na Austrália. A menção à erva não é escondida na cidade. Lojas com produtos relacionados à planta tomam conta da pequena rua central de Nimbin. Um museu rústico e alternativo é uma das principais atrações. Pagar pelo ingresso é opcional.

A lei australiana não oferece liberdade em relação à maconha, mas a cultura do país é notavelmente mais aberta ao assunto quando comparada à brasileira, por exemplo. Por mais que as autoridades atuem no combate ao tráfico nas ruas, boa parte da população mostra não ter preconceito em relação à erva.

Interior do museu
Eu diria que 90% da população de Nimbin faz uso da cannabis. Aí não há nada de estatística confirmada, apenas a impressão após um dia circulando pelas poucas ruas da cidade. O que se vê, no entanto, vai além do uso ou não de drogas. Esse é apenas um dos ingredientes que formam o estilo de vida do povo local. Para quem não presta atenção, a impressão é de que muitos dos habitantes são moradores de rua, tamanho o desapego a bens materiais. Buscam a liberdade de viver sem ter o dinheiro como objetivo. Tem suas formas de sustento normalmente com serviços para os turistas que circulam pelas lojas e restaurantes ou do lado de fora dos estabelecimentos, oferecendo produtos ilegais sem muita discrição.

Vão levando a vida. Parecem felizes por não se deixar levar pela cultura da sociedade global. São os sobreviventes de Woodstock, que não deram o braço a torcer e que, definitivamente, adotaram seu padrão de vida até o fim. Mas há algo que causa incômodo para eles. Como fosse uma cidade normal, as autoridades estão presentes com sua missão de manter a ordem de acordo com as leis. Essa legislação, no entanto, impede que esse pessoal atinja seu maior objetivo, o de se aproximar ao máximo de uma liberdade extrema. Sentem-se mais próximos desse ideal por adotarem esse estilo de vida, mas esse desconforto tornou-se mágoa, que é expressada com certa rebeldia, por mais que o sentimento de "paz e amor" predomine. No próprio museu de Nimbim, há referências negativas a símbolos como a igreja, o governo americano e a icones de mercado como McDonald's e Coca-Cola.

Merecem admiração pela força de vontade que permite que sigam em busca de seu espaço por mais que saibam que isso não passa, na verdade, de utopia. É como se eu quisesse viver de viagens, aproveitando uma vida inteira de lazer e prazer. Mas não há chance, tenho de me conformar de que dinheiro é necessário e, consequentemente, é preciso trabalhar, ter compromissos e preocupações. Talvez ter a vida fácil demais não tenha tanta graça. Melhor fazer de conta que se vive essa utopia durante as férias. Estamos a caminho de Surfers Paradise, Gold Coast. Em menos de uma hora chegaremos ao destino. O motorista acaba de anunciar:

- Passamos agora pela divisa entre New South Wales e Queensland. Vamos pela beira do mar até Surfers Paradise, naqueles prédios que vocês podem ver à direita. São vinte e três quilômetros até lá, mas levaremos quarenta minutos para chegar.

O trânsito é de cidade grande, mas a vista distrai, com o mar azul refletindo o sol do meio-dia. Logo estaremos em mais uma cidade até então desconhecida com mais histórias para contar.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Viagem pela costa - parte 1 - As partidas

Duas semanas e meia antes de voltar ao Brasil, começa uma viagem. João, Nícolas e eu estaremos ainda mais juntos do que durante os últimos seis meses, quando dividimos quarto, trabalhamos lado a lado e fomos companhia garantida para sair. Duas semanas de mochila nas costas e ônibus Austrália acima pela costa leste. Na outra meia semana me despedirei de uma época que não voltará mais, mas que seguirá conosco em lembranças e em nosso modo de viver.

No dia seguinte, chegaremos a Byron Bay, primeiro destino, após 12 horas de estrada. Quase uma hora depois da partida, os olhos acompanham pela janela o anoitecer chuvoso, passando por pontos marcantes da cidade. Como que uma despedida antecipada da minha mais recente casa. Os olhos seguem observando o afastar dos prédios enquanto a mente se distancia algumas semanas à frente vendo o último tchau dos amigos.

Eles deixarão saudades. Não fossem os amigos, a vida na Austrália não seria do jeito que foi. Quando nos afastamos de casa, nos distanciamos das velhas companhias. Fazem falta. E essa lacuna tem de ser preenchida. É uma necessidade natural essa de ter alguém ao lado. Alguém que esteja junto na hora da diversão e de pedir ajuda. Não há tecnologia que supere a distância geográfica. Trabalho, escola e casa facilitam o encontro com pessoas na mesma situação, predominantemente estudantes estrangeiros que deixaram suas vidas recentemente e que também enfrentam a mesma falta de amigos e família. A vontade de suprir essa necessidade intensifica incrivelmente qualquer aproximação e faz essas pessoas conhecerem-se a fundo e tornarem-se amigos para o resto da vida de maneira muito rápida. Se a distância inevitável que acontece com o retorno impede que se mantenha essa convivência, a lembrança do que se viveu em um dos momentos mais fortes da vida eterniza cada situação e o jeito de cada um desses amigos.

Os amigos do lado de cá se envolvem nas histórias uns dos outros e acompanham seu desenrolar mais do que qualquer uma das velhas companhias quando, de repente, voltam à vida de origem. Do dia para a noite. É triste voltar sem poder acompanhar um amigo até o final de sua jornada. Formam-se grupos fortes. Parceiros que se conhecem detalhadamente. Sabem os sonhos uns dos outros, bem como os caminhos já percorridos e os planos de vida e as ideias daqueles que nada planejam.

Dois franceses que conhecemos são exemplos daquela intensidade de aproximação. Luc era amigo de João de algum tempo atrás e agora voltou à Austrália. Max conheceu Luc assim que chegou a Sydney. Quando Luc passou a morar improvisadamente conosco, Max veio junto. Dois a mais. Formamos um time. A vida virou de cabeça para baixo. Não paramos um segundo sequer, ainda mais depois que deixei definitivamente o restaurante. O ânimo dos franceses, a simpatia, a alegria e a agradável companhia deles deu ainda mais vida a este final de ano. Na hora perfeita, conhecemos duas pessoas que, em duas semanas, viraram amigos, daqueles cuja presença marca nas melhores lembranças. Daqueles cuja presença foi fundamental para escrever minha história aqui. Dos que deixarão saudades e que provocarão um aperto por saber que não os acompanharei até o final de suas jornadas. Mas não há nada de que reclamar, somente agradecer. Afinal, temos ainda uma bela viagem pela frente. Amanhã estaremos em Byron Bay.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Lembranças das férias - O narguilé indonésio

Movimentação em Kuta à noite
Esse amigo nosso, que conhecemos lá mesmo na Indonésia, não era alguém totalmente normal. Robinson gostava de beber, e muito. Depois do dia completo de passeios, jantamos cedo na rua mais baladada de Kuta, a praia mais movimentada da cidade. Comemos pouco. Devia ser hábito local não se alimentar em grandes quantidades, pois nunca saíamos totalmente satisfeitos. Eu e Murillo voltamos ao hotel para arrumarmos os preparativos para a noite. Ele, juntamente com Dudi e Leonel, foram a um dos bares próximos do restaurante. Virou uma ou duas cervejas e chamou o garçom para pedir o narguilé Indonésio.

Próximo ao Sky Garden, uma das melhores baladas de Bali
Não pode-se esperar atitudes convencionais de pessoas que não são normais. Ele não costumava pensar muito nas consequências. Eu meio que admirava isso nele. Faltava medo e sobrava diversão. Afinal, pensar muito nem sempre é tão bom. Uma vida um tanto inconsequente que eu não teria, do tipo que experimenta um narguile e depois os famosos cogumelos mágicos... Não gostaria de ter um filho assim, mas ele era feliz. Isto é inquestionável.

Mas ele ainda não havia tomado seu drink de cogumelos. Não naquela noite, que ainda estava começando. A combinação de comida, cerveja e a fumaça dentro de seu corpo já era suficiente para causar bons estragos.

Em meio a estrangeiros, Robinson, que além de tudo era mulherengo, chamou a atenção de algumas loiras que estavam na mesa ao lado. Não sabia se eram inglesas, dinamarquesas, suecas ou suíças. O que importava era o ar europeu e as madeixas douradas. Ele ainda estava sóbrio, por incrível que pareça, até porque era acostumado a fortes doses de seja lá o que fosse. Os olhares das loiras se voltavam para ele quando pegou na mangueira a fim de exibir seus dons e habilidades. Se preparava para soltar a fumaça em formato aureolar com destreza que ninguém mais tem. Não havia, porém, um segundo sequer que Robinson enviara o conteúdo do narguilé corpo a dentro, quando tudo saiu automaticamente. Não só a fumaça, mas a janta, a cerveja, o almoço e o café da manhã. Talvez tudo o que houvera ingerido nos últimos três dias, de acordo com o relato dos amigos a respeito da quantidade de vômito que tomou conta da mesa.

Robinson tinha uma auto confiança elevadíssima. Viu aquilo tudo tomar conta da mesa e todas atenções do bar se voltarem para suas últimas refeições em estágio de pré-digestão. Não se abalou. Passou a mão na boca limpando o excesso. Levantou-se e voltou ao nosso hotel para preparar-se para a noite. Entornaria, sabe-se lá como, algumas dúzias de drinks, buscaria seus cogumelos mágicos e ainda se apaixonaria por uma massagista local, mais uma paixão temporária que colecionaria na Ásia.