sábado, 3 de dezembro de 2011

Viagem pela costa - parte 2 - Os sobreviventes de Woodstock


Praia de Byron Bay
Para eles, a ideologia continua presente. Internet, celular e qualquer outra forma de tecnologia parecem estar ausentes no dia-a-dia de parte do povo da região de Byron Bay. Dois dias por aqui foram suficientes para ver a cidade, conhecer a praia, curtir as noites e conhecer algumas pessoas interessantes. Foi em Nimbin, porém, a experiência mais marcante.

Passamos algumas horas por lá durante nosso segundo dia na região. Um ônibus turístico nada convencional levou-nos à pequena cidade que serve de refúgio para aqueles que decidiram, há mais de trinta anos, jamais voltar aos padrões da sociedade moderna.

- Peguem leve caso estejam pensando em provar os cookies - alertava o guia, visivelmente sob efeito de alguma substância.


A verdade é que a apologia à maconha é forte por aqui. Nimbin é como a cidade símbolo do movimento Hippie e da ideologia que prega uma visão positiva em relação à droga aqui na Austrália. A menção à erva não é escondida na cidade. Lojas com produtos relacionados à planta tomam conta da pequena rua central de Nimbin. Um museu rústico e alternativo é uma das principais atrações. Pagar pelo ingresso é opcional.

A lei australiana não oferece liberdade em relação à maconha, mas a cultura do país é notavelmente mais aberta ao assunto quando comparada à brasileira, por exemplo. Por mais que as autoridades atuem no combate ao tráfico nas ruas, boa parte da população mostra não ter preconceito em relação à erva.

Interior do museu
Eu diria que 90% da população de Nimbin faz uso da cannabis. Aí não há nada de estatística confirmada, apenas a impressão após um dia circulando pelas poucas ruas da cidade. O que se vê, no entanto, vai além do uso ou não de drogas. Esse é apenas um dos ingredientes que formam o estilo de vida do povo local. Para quem não presta atenção, a impressão é de que muitos dos habitantes são moradores de rua, tamanho o desapego a bens materiais. Buscam a liberdade de viver sem ter o dinheiro como objetivo. Tem suas formas de sustento normalmente com serviços para os turistas que circulam pelas lojas e restaurantes ou do lado de fora dos estabelecimentos, oferecendo produtos ilegais sem muita discrição.

Vão levando a vida. Parecem felizes por não se deixar levar pela cultura da sociedade global. São os sobreviventes de Woodstock, que não deram o braço a torcer e que, definitivamente, adotaram seu padrão de vida até o fim. Mas há algo que causa incômodo para eles. Como fosse uma cidade normal, as autoridades estão presentes com sua missão de manter a ordem de acordo com as leis. Essa legislação, no entanto, impede que esse pessoal atinja seu maior objetivo, o de se aproximar ao máximo de uma liberdade extrema. Sentem-se mais próximos desse ideal por adotarem esse estilo de vida, mas esse desconforto tornou-se mágoa, que é expressada com certa rebeldia, por mais que o sentimento de "paz e amor" predomine. No próprio museu de Nimbim, há referências negativas a símbolos como a igreja, o governo americano e a icones de mercado como McDonald's e Coca-Cola.

Merecem admiração pela força de vontade que permite que sigam em busca de seu espaço por mais que saibam que isso não passa, na verdade, de utopia. É como se eu quisesse viver de viagens, aproveitando uma vida inteira de lazer e prazer. Mas não há chance, tenho de me conformar de que dinheiro é necessário e, consequentemente, é preciso trabalhar, ter compromissos e preocupações. Talvez ter a vida fácil demais não tenha tanta graça. Melhor fazer de conta que se vive essa utopia durante as férias. Estamos a caminho de Surfers Paradise, Gold Coast. Em menos de uma hora chegaremos ao destino. O motorista acaba de anunciar:

- Passamos agora pela divisa entre New South Wales e Queensland. Vamos pela beira do mar até Surfers Paradise, naqueles prédios que vocês podem ver à direita. São vinte e três quilômetros até lá, mas levaremos quarenta minutos para chegar.

O trânsito é de cidade grande, mas a vista distrai, com o mar azul refletindo o sol do meio-dia. Logo estaremos em mais uma cidade até então desconhecida com mais histórias para contar.

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Viagem pela costa - parte 1 - As partidas

Duas semanas e meia antes de voltar ao Brasil, começa uma viagem. João, Nícolas e eu estaremos ainda mais juntos do que durante os últimos seis meses, quando dividimos quarto, trabalhamos lado a lado e fomos companhia garantida para sair. Duas semanas de mochila nas costas e ônibus Austrália acima pela costa leste. Na outra meia semana me despedirei de uma época que não voltará mais, mas que seguirá conosco em lembranças e em nosso modo de viver.

No dia seguinte, chegaremos a Byron Bay, primeiro destino, após 12 horas de estrada. Quase uma hora depois da partida, os olhos acompanham pela janela o anoitecer chuvoso, passando por pontos marcantes da cidade. Como que uma despedida antecipada da minha mais recente casa. Os olhos seguem observando o afastar dos prédios enquanto a mente se distancia algumas semanas à frente vendo o último tchau dos amigos.

Eles deixarão saudades. Não fossem os amigos, a vida na Austrália não seria do jeito que foi. Quando nos afastamos de casa, nos distanciamos das velhas companhias. Fazem falta. E essa lacuna tem de ser preenchida. É uma necessidade natural essa de ter alguém ao lado. Alguém que esteja junto na hora da diversão e de pedir ajuda. Não há tecnologia que supere a distância geográfica. Trabalho, escola e casa facilitam o encontro com pessoas na mesma situação, predominantemente estudantes estrangeiros que deixaram suas vidas recentemente e que também enfrentam a mesma falta de amigos e família. A vontade de suprir essa necessidade intensifica incrivelmente qualquer aproximação e faz essas pessoas conhecerem-se a fundo e tornarem-se amigos para o resto da vida de maneira muito rápida. Se a distância inevitável que acontece com o retorno impede que se mantenha essa convivência, a lembrança do que se viveu em um dos momentos mais fortes da vida eterniza cada situação e o jeito de cada um desses amigos.

Os amigos do lado de cá se envolvem nas histórias uns dos outros e acompanham seu desenrolar mais do que qualquer uma das velhas companhias quando, de repente, voltam à vida de origem. Do dia para a noite. É triste voltar sem poder acompanhar um amigo até o final de sua jornada. Formam-se grupos fortes. Parceiros que se conhecem detalhadamente. Sabem os sonhos uns dos outros, bem como os caminhos já percorridos e os planos de vida e as ideias daqueles que nada planejam.

Dois franceses que conhecemos são exemplos daquela intensidade de aproximação. Luc era amigo de João de algum tempo atrás e agora voltou à Austrália. Max conheceu Luc assim que chegou a Sydney. Quando Luc passou a morar improvisadamente conosco, Max veio junto. Dois a mais. Formamos um time. A vida virou de cabeça para baixo. Não paramos um segundo sequer, ainda mais depois que deixei definitivamente o restaurante. O ânimo dos franceses, a simpatia, a alegria e a agradável companhia deles deu ainda mais vida a este final de ano. Na hora perfeita, conhecemos duas pessoas que, em duas semanas, viraram amigos, daqueles cuja presença marca nas melhores lembranças. Daqueles cuja presença foi fundamental para escrever minha história aqui. Dos que deixarão saudades e que provocarão um aperto por saber que não os acompanharei até o final de suas jornadas. Mas não há nada de que reclamar, somente agradecer. Afinal, temos ainda uma bela viagem pela frente. Amanhã estaremos em Byron Bay.

quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Lembranças das férias - O narguilé indonésio

Movimentação em Kuta à noite
Esse amigo nosso, que conhecemos lá mesmo na Indonésia, não era alguém totalmente normal. Robinson gostava de beber, e muito. Depois do dia completo de passeios, jantamos cedo na rua mais baladada de Kuta, a praia mais movimentada da cidade. Comemos pouco. Devia ser hábito local não se alimentar em grandes quantidades, pois nunca saíamos totalmente satisfeitos. Eu e Murillo voltamos ao hotel para arrumarmos os preparativos para a noite. Ele, juntamente com Dudi e Leonel, foram a um dos bares próximos do restaurante. Virou uma ou duas cervejas e chamou o garçom para pedir o narguilé Indonésio.

Próximo ao Sky Garden, uma das melhores baladas de Bali
Não pode-se esperar atitudes convencionais de pessoas que não são normais. Ele não costumava pensar muito nas consequências. Eu meio que admirava isso nele. Faltava medo e sobrava diversão. Afinal, pensar muito nem sempre é tão bom. Uma vida um tanto inconsequente que eu não teria, do tipo que experimenta um narguile e depois os famosos cogumelos mágicos... Não gostaria de ter um filho assim, mas ele era feliz. Isto é inquestionável.

Mas ele ainda não havia tomado seu drink de cogumelos. Não naquela noite, que ainda estava começando. A combinação de comida, cerveja e a fumaça dentro de seu corpo já era suficiente para causar bons estragos.

Em meio a estrangeiros, Robinson, que além de tudo era mulherengo, chamou a atenção de algumas loiras que estavam na mesa ao lado. Não sabia se eram inglesas, dinamarquesas, suecas ou suíças. O que importava era o ar europeu e as madeixas douradas. Ele ainda estava sóbrio, por incrível que pareça, até porque era acostumado a fortes doses de seja lá o que fosse. Os olhares das loiras se voltavam para ele quando pegou na mangueira a fim de exibir seus dons e habilidades. Se preparava para soltar a fumaça em formato aureolar com destreza que ninguém mais tem. Não havia, porém, um segundo sequer que Robinson enviara o conteúdo do narguilé corpo a dentro, quando tudo saiu automaticamente. Não só a fumaça, mas a janta, a cerveja, o almoço e o café da manhã. Talvez tudo o que houvera ingerido nos últimos três dias, de acordo com o relato dos amigos a respeito da quantidade de vômito que tomou conta da mesa.

Robinson tinha uma auto confiança elevadíssima. Viu aquilo tudo tomar conta da mesa e todas atenções do bar se voltarem para suas últimas refeições em estágio de pré-digestão. Não se abalou. Passou a mão na boca limpando o excesso. Levantou-se e voltou ao nosso hotel para preparar-se para a noite. Entornaria, sabe-se lá como, algumas dúzias de drinks, buscaria seus cogumelos mágicos e ainda se apaixonaria por uma massagista local, mais uma paixão temporária que colecionaria na Ásia.

terça-feira, 15 de novembro de 2011

A melhor praia de Sydney

Escolhemos uma praia. Queríamos alguma que não conhecêssemos. Pesquisamos um pouco e Cronulla parecia agradar. Era uma das mais distantes do centro. Eu e Juliana, grande companhia que deixará saudades, pegamos o trem que nos deixaria no balneário após 40 minutos.

Ao longo do percurso rumo ao sul de Sydney, observávamos os diversos bairros pelos quais nunca havíamos passado. Faltava menos de um mês para deixar a Austrália. Eu lamentava o fato de não poder conhecer cada rua e cada canto daqueles locais estranhos. Escolas, lagos, parques e igrejas ficavam para trás. Aquela visão rápida através da janela do trem seria, provavelmente, a única que teria daquilo tudo.

Sydney é gigante. Eu havia de me conformar. Afinal, não há tempo na vida para conhecer cada rua de cada cidade em todos os países do mundo. Isso é triste, mas ao menos teria o prazer de conhecer Cronulla Beach.

Calçadão de Cronulla
Como fosse uma cidade a parte, Cronulla tinha vida própria. Um calçadão daqueles de pequena cidade litorânea convidou para uma caminhada. Ainda bem que havíamos deixado o almoço para quando desembarcássemos na estação. Olhamos alguns restaurantes até escolhermos o mais interessane. A escolha foi o tradicional Fish and Chips, prato com nada mais do que fritas e peixe.

Acabado o almoço, rumamos à praia. A imagem das crianças ainda com uniforme da escola levando suas pranchas de surf debaixo do braço reforçava a primeira impressão de Cronulla como fosse uma cidadezinha do litoral. Não parecia fazer parte de uma cidade grande e com ritmo acelerado. 

A faixa de areia era extensa. Andamos ao sul para conferir o que havia. Contornamos a orla junto às rochas e resolvemos tentar o norte da praia. Alguns surfistas dividiam as poucas ondas que o mar proporcionava naquele dia quente.

Lado sul de Cronulla Beach
Aprendi a fazer nada na praia. Antes eu não entendia como as pessoas suportavam ficar sob um sol escaldante fazendo absolutamente nada. Hoje, porém, posso esticar a toalha na areia e ficar lá, sozinho, acompanhado, quieto, conversando, lendo seja ouvindo música. Um momento de apreciação. Seja à natureza, à vida, à falta de compromissos... É bom demais não ter compromisso algum.

Parte Norte
A presença de poucas pessoas na praia fazia o cenário mais interessante. Deviam ser moradores locais. Habitantes da "cidade de Cronulla". Crianças recém saídas da escola chegando à praia com suas pranchas, casais de mais idade caminhando pela praça como se fosse um passeio habitual e o salva-vidas sem muitos banhistas para cuidar que limpava a praia calmamente.

Uma nuvem negra começava a se aproximar quando resolvi mergulhar. A água gelada era pouco convidativa, mas sempre é possível curtir um mergulho. Um desses casais de meia-idade estava na beira do mar quando eu me aproximava. O homem, de cabelos longos e grisalhos, olhos azuis e bermuda de surfista me olhou com ar amigável e um leve sorriso no rosto. Gosto de trocar ideia quando alguém se mostra agradável e receptível.

- A água parece estar gelada, mas acho que vale um mergulho... - comentei.
- Concordo. Daqui a pouco vou nadar um pouco também - afirmou com simpatia.

Trocamos mais poucas palavras. Suficiente para eu confirmar aquilo que imaginei quando o avistei. Um morador local que se vê satisfeito com uma vida simples no lugar que escolheu para morar. Aquele é um cara tranquilo. Feliz por ter o que tem. Ele sim sabe apreciar o que está ao seu redor.

 O vento que já batia depois do mergulho não incomodou e nem ameaçou tirar valor do banho. É inexplicavelmente bom fugir de ambientes urbanos que lembram estresse, perturbações, pessoas mal-humoradas e apressadas. Juntar-se à natureza é a melhor forma de refugiar-se. Assim nos sentimos distantes de tudo que pode trazer preocupação. Assim vivemos momentos em que nos esquecemos que existem compromissos. Dessa maneira, aproveitamos a vida da maneira mais gostosa. Por isso aquele cara parece se sentir tão bem e tão satisfeito ali. Ele deve viver refugiado de preocupações e compromissos.

Antes de voltarmos à estação e rumarmos novamente ao agito e ao tumulto da cidade grande, fomos pegos pela chuva. Um temporal que me molhou mais do que o próprio mergulho no mar. Não havia chuva, vento ou mar gelado que incomodasse. Cronulla está longe de ser a praia mais bonita ou mais bem estruturada de Sydney. No entanto, não me preocupava com nada. Sentia-me como se fosse aquele cara de longos cabelos grisalhos. Talvez por me proporcionar essa sensação, Cronulla é a melhor praia que conheci em Sydney.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

Mais uma segunda-feira...

Há quem reclame (grande injustiça) mas toda segunda-feira é um dia especial. Para mim, é um dia sem trabalho, o que atualmente seria o único motivo de possíveis pequenos problemas. Mesmo que tivesse de trabalhar, não há regra que faça esse dia ser péssimo ou motivo para tristeza de tanta gente que costuma repudiar sua chegada. Qualquer dia pode ser ótimo, mesmo com alguns compromissos indesejados.

Duas semanas atrás, tivemos uma segunda-feira ainda mais especial.


João, Nick, eu e duas amigas suíças, Nicole e Jasmin, combinamos de sair mais cedo de casa para um programa diferente. Alguns deles teriam de trabalhar ou estudar na manhã seguinte, mas nada impedia que eles aproveitassem as primeiras horas do dia de uma maneira espetacular.


Saímos às 4h de casa. Encontramos as gurias em Bondi Junction e rumamos à praia que dá nome à região. Percorreríamos o caminho que liga a praia de Bondi a Tamarama e Bronte (ambiente cuja beleza relatei no blog ainda no dia 28 de janeiro). Nem chegaríamos à segunda praia; o local perfeito para acompanharmos o nascer do sol da segunda-feira ficava na ponta do morro à beira do oceano com a vista de Bondi à esquerda.


O caminho entre as rochas ainda estava escuro e deserto quando chegamos. As companhias sempre agradabilíssimas faziam o momento ainda mais especial em uma calma que predominava diante de qualquer coisa. A brisa do mar refrescava antes que o sol aparecesse fortemente para dar-nos um dia de muito calor. As nuvens não haviam aparecido, sinal de que teríamos um céu limpo para a chegada do sol.


Largamos as mochilas. As gurias tiravam suas máquinas fotográficas das bolsas para registrar o momento quando o preto já dava lugar ao azul e a um leve laranja na linha do horizonte. 

 


Colocamos uma caixinha de som tocando algumas das músicas mais ouvidas por nós nos últimos tempos. Músicas que acompanhariam o som das ondas nos paredões de rocha logo abaixo. A beleza de tudo o que nos envolvia havia afastado o sono de uma noite não dormida. Passadas cinco horas, ele surgia. Em poucos segundos toda a esfera solar brilhava no horizonte. Em mais de uma hora ele iluminava uma nova manhã ainda fresca. Ouvimos os primeiros sons do dia. As conversas já eram raras. Um momento daqueles emudece. Não havia palavras ou comentários para dividir espaço com a sensação de liberdade e paz que se fazia presente. Não importava se alguém teria de trabalhar ou estudar em seguida. Viver aquele momento era mais importante do que garantir mais uma noite de sono.

- Baleias! - Jasmin quebrou delicadamente o silêncio e os pensamentos íntimos de cada um indicando algo no meio do oceano. Os que já estavam em leve sono, despertaram para admirar.

Aquilo era o que faltava. Avistamos claramente duas ou três enormes baleias que se movimentavam na superfície.


Ali nascia mais uma linda segunda-feira. Excepcional. Inesquecível. Depois de algumas horas de contemplação, seríamos os primeiros clientes de um simples café na beira da praia. Comeríamos ovos, bacon, vitaminas e pão. Um café da manhã que não costumamos ter. Barato e perfeito para completar um perfeito início de dia.


Não falta muito para eu voltar ao meu local de origem. Não quero deixar que esse tipo de momento deixe de fazer parte das minhas semanas. Se há algo que aprendi nesse continente, é que podemos escolher nossa rotina. E que se a escolha não for boa, não há nada mais importante do que buscar outra. Se a rotina não agradar, deve ser mudada. Essa é a liberdade que normalmente não percebemos ter.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O porquê de viajar

Era o começo da tarde de sábado quando acordávamos após uma longa noite de curto sono. Emily, João e eu não poderíamos ficar em casa com tanto sol do lado de fora. Como fosse o auge do verão, o calor obrigava a evitar meias e tênis. Vestindo chinelo e regata, concluí que a boa estação estava definitivamente chegando. Fomos a Daling Harbour, uma das regiões de lazer mais procuradas de Sydney.

Uma baía contornada por alguns dos melhores restaurantes e bares da cidade, além de zoológico, aquário, cinema, shoppings, centros de eventos, casas noturnas... A paisagem compõe o cenário turístico perfeito. A localização faz Darling Harbour ser parte do coração da cidade. No entanto, mais do que cartão postal para visitantes, é lugar frequentado por todos, sejam turistas ou típicos ozzies. Passar uma tarde lá, apenas perambulando e olhando as gaivotas sobrevoarem as águas do oceano é suficiente para ter um ótimo dia.

Emily, amiga australiana, e João queriam que eu visse a novidade do local. Durante alguns meses, uma obra restringira o acesso a parte da área. Havia poucos dias, porém, que o espaço fora inaugurado. Um parque infantil. Aberto ao público como fosse uma praça de bairro no Brasil. Dezenas ou talvez centenas de crianças corriam, escalavam, escorregavam, giravam e se deslumbravam com o que estava ali disponível para elas. Eu, tão deslumbrado quanto os pequenos, lembrava dos clubes privados no Brasil e me encantava com a ideia de tudo aquilo poder estar ao alcance de todos.



A imagem de pequenas crianças com traços asiáticos, europeus, latinos e australianos tomando banho nas pequenas piscinas e fontes d'água, se atirando na tirolesa e rolando na areia limpa do parque retratou muito daquilo que compõe a vida e a cultura daqui. A qualidade dos brinquedos, o nível de lazer que era oferecido ao público, a igualdade entre raças e sotaques, a mistura de estilos e a indiferença em relação à condição econômica do outro estavam presentes naquele cenário. Naturalmente, as crianças brincavam com qualquer outra criança. Entre os pais, casais negros, brancos, de origem asiática, misturados e homossexuais pareciam observar tudo aquilo com a mesma naturalidade dos pequenos. Essa é a evidência da consciência que predomina aqui em relação às diferenças.

O pouco que se vê de um local, não importa qual seja, é suficiente para perceber que ali há muito para admirar. A possibilidade de comparar as atitudes dessas pessoas e as características desse local, que são novidade para mim, com tudo aquilo que já vi faz aumentar minha vontade de ver outras realidades. A satisfação vem no momento em que consigo entender que o jeito de ser daquele povo não é melhor nem pior que o do outro. Vem quando compreendo que aquelas pessoas não são nada a mais ou a menos do que as outras. A distância que existe e a situação à qual foram submetidas não fazem delas seres diferentes de mim, de um panamenho ou de um russo. Temos os mesmos sentimentos e sensações. Quem disse que aqueles que se divertem em parques modernos são melhores que as crianças que não tem comida ou luz em casa? Alguns tiveram um histórico de desenvolvimento mais favorável. No entanto, nenhum tem mais valor quanto o outro. Posso aprender mais conhecendo uma realidade difícil do que esta mais confortável que me acostumei a ver. Assim quebramos a estúpida existência da arrogância. Assim admitimos a igualdade com quem quer que seja. Deixamos de louvar valores fúteis ostentados pelos que se dizem melhores.

Diferenças são superficiais. Se aponto defeitos, devo saber que há algum motivo para isso. Se descubro os motivos dos defeitos, passarei a entender aquele povo, seja o mais rico ou o mais miserável. Eu estava prestes a escrever que esse entendimento me soava como o que eu teria de mais próximo da definição "oficial" de cultura. Na curiosidade, pesquisei rapidamente. A descrição mais genérica que encontrei foi essa: "cultura é aquele todo complexo que inclui o conhecimento, as crenças, a arte, a moral, a lei, os costumes e todos os outros hábitos e aptidões adquiridos pelo homem como membro da sociedade".

Viajar me faz sentir como que aprendendo mais do que com um livro nas mãos, em uma aula da faculdade ou assistindo televisão. Sinto-me menos desentendedor da sociedade e mais parte dela. Podemos aprender com tv, leituras ou cursos, mas a mais rica experiência é aquela que te faz por os pés em outras terras e sentir ao máximo o diferente. Não vejo forma mais eficaz nem mais prazerosa de adquirir esse conhecimento do que viajando, vendo com os próprios olhos a realidade e identificando as distinções culturais no próprio local, na raíz de cada povo. Não há local ruim para conhecer. Laos, Piauí e Austrália podem render experiências igualmente interessantes. Temos muito para ver.

Perguntam-me se gostaria de voltar à Austrália. Respondo que sim; rever o que esteve presente durante 2011 seria demais. Mas não seria minha prioridade até que eu vivesse outros sábados ensolarados, vendo crianças brincarem em parques modernos ou em praças sem recurso algum nesses tantos outros lugares que estão aí para serem vistos.

domingo, 23 de outubro de 2011

A busca por emprego

Costumo chegar antes de todos os colegas no restaurante. Fico preparando as carnes da noite enquanto, do lado de fora, o dia vai chegando ao fim. Minha área de trabalho fica próxima à entrada. A porta de vidro é um bom recurso para quem quer ocupar um pouco mais a mente. Ao menos posso observar o movimento da rua entre um espeto e outro.

Com bastante frequência, batem na porta procurando emprego. Nessas horas quem está ali é eu; tenho que receber a pessoa, fazer perguntas básicas pra passar alguma informação à chefe e pegar o currículo. É uma situação que me deixa um tanto desconfortável, pois não posso solucionar o problema daquela pessoa. Ao menos, é uma oportunidade para tentar ajudar, mesmo que não haja vaga na churrascaria. Tento dar algum conselho ou indico outros estabelecimentos da redondeza que são novos e talvez estejam procurando pessoal. Normalmente são brasileiros recém chegados buscando o primeiro emprego onde não há tanta exigência em relação ao inglês. Acho importante questionar se realmente preferem um restaurante brasileiro. Para quem chegou há pouco tempo e não tem um inglês legal, pode ser bom no início, mas não vale a pena se acomodar nesses locais se a intenção é melhorar no idioma. Fazer um dinheirinho inicial é importante, tendo em vista o custo da vida em Sydney. Mas com o tempo, buscar algo que acrescente mais me parece a melhor atitude.

Naquele momento em que perguntam se há alguma vaga, sinto a insegurança da maioria que procura por emprego. O cara que está desse lado consegue medir algumas características da pessoa nas poucas palavras que troca com quem busca trabalho. Não sou especialista nisso, mas sinto que algumas mudanças nas atitudes dessas pessoas passariam uma imagem mais interessante para o empregador.

Lembro dos dois primeiros meses em que buscava emprego. Não é simples alguém pedir trabalho em uma função na qual não tem experiência. O ideal é tentar manter uma postura séria, passar a imagem de alguém responsável e seguro, mas nunca esquecendo a simpatia, o que é essencial, principalmente na área de hospitalidade. Não sei se eu conseguia me portar adequadamente quando pedia emprego, pois a insegurança e a vontade de conseguir logo uma vaga mexe um pouco com a firmeza da pessoa. Com a prática, entretanto, tudo fica mais fácil. Depois de algumas portas fechadas, a conversa começa a ficar melhor e a chance aparece quando menos se espera. Não é grande desafio nem motivo para dor de cabeça, mas ao mesmo tempo em que uns conseguem de primeira, outros podem levar algumas semanas a mais para ter sucesso.

Normalmente, quem manda e-mail perguntando sobre a vidaem Sydney traz essa questão: é muito difícil conseguir emprego? Sempre busco dar essas recomendações dos parágrafos anteriores e reforçar que raramente adianta ficar em casa e enviar dois currículos por semana pela internet. Sair às ruas e conversar com quem quer que seja nesses estabelecimentos amplia as oportunidades. Circular com 30 currículos na mão e conversar com 30 gerentes durante o dia sempre me parece mais eficaz. 

Andei presenciando casos em que pessoas vão acompanhadas de amigos ou namorados buscar emprego por não falarem um bom inglês. Nessas ocasiões, os amigos falam pelo candidato. Particularmente, creio que isso só atrapalha. A pessoa que, mesmo sem falar bem a língua, encara sozinha essas situações mostra muito mais personalidade e atitude. Se o inglês ainda não é dos melhores, ter na ponta da língua um pequeno texto que vá falar tudo que o gerente precisa ouvir me parece mais interessante. Apresente-se, diga o que você procura, mostre interesse, pergunte se há alguma oportunidade, agradeça pela atenção, entregue o currículo e coloque-se à disposição caso uma vaga apareça. Talvez o sim venha do trigésimo primeiro gerente.

Já fui aconselhado por muita gente, logo no início, a mentir no currículo, afirmando que havia trabalhado em restaurantes e bares no Brasil para ter mais chances de ser contratado. Também não apoio esse tipo de conselho. Prefiro dizer que estou disposto a aprender. Os poucos gerentes com quem convivi sabem que, normalmente, o pessoal com esse perfil de estudante intercambista nunca teve experiência no ramo. O empregador percebe, já no primeiro dia, que a pessoa não tem ideia de como se trabalha em um ambiente daqueles.


Eles estão acostumados a ter gente de fora trabalhando. Gente que vem de seus escritórios e faculdades na Europa, Ásia ou América para trabalhar como garçom, motorista, assistente de cozinha, babá... Uma pessoa sem experiência para eles não seria novidade. Seria mais uma a ser ensinada, nada ruim para eles desde que pareça responsável, interessado e simpático. Fazendo as coisas da maneira correta e se dispondo a encontrar algumas portas fechadas, as oportunidades aparecem.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O restaurante oito meses depois

Já são oito meses trabalhando em um restaurante. Estranho estar em frente à churrasqueira e lembrar que costumava frequentar redações e as aulas da faculdade. Estranho não sentir-me como um estranho dentro da cozinha. Descobri que também levo jeito para isso e que a vida pode ser surpreendente. Não que eu queira abandonar o jornalismo para virar assador, mas percebi que podemos descobrir outras possibilidades jamais sequer cogitadas. Foi o que aconteceu com um exemplo bem próximo, Nick, cuja trajetória acompanho desde os seis anos. Estudava para dar aulas de matemática, quando veio à Austrália e decidiu viver da gastronomia.

Muito mais do que lidar com carne, carvão e fogo, essa atividade proporciona situações peculiares. Seu Miguel, assunto de um post de abril, segue firme e forte, comendo sua picanha de segunda a sexta. Hoje, passados alguns meses, viramos amigos. Ele, que viveu de Getúlio a Dilma, é uma enciclopédia viva. Não fosse a churrascaria, eu não teria a chance de trocar experiências com alguém que fala nove línguas e que conheceu um quinto do Planeta Terra. Uma aula de história quase diária, das 17h às 17h45. Hoje, guardo com carinho uma moeda de prata com desenhos apagados. Uma relíquia de 800 anos de história que ganhei do colecionador Seu Miguel. Objeto cujo valor não está naquilo que pouco aparece de sua superfície mas no que 800 anos de história representam.

Depois de uns meses, também aprimoramos a própria função e adquirimos mais segurança e conforto para exercê-la. Com o tempo, pude passar a observar com mais atenção a reação dos clientes quando provam algo que preparo. Consigo conversar com eles e medir sua satisfação após um jantar. Observar o contentamento ou, às vezes, certa insatisfação na reação dos clientes aumenta a vontade de se superar a cada dia. Isso prova o valor que acabamos dando àquela nova atividade. A grande maioria dos colegas também nunca havia trabalhado nessa área. Conseguimos a façanha de conciliar perfeitamente amizade e trabalho. Juntos fazemos o restaurante funcionar com qualidade. Todos em constante aprendizado e tirando suas lições a cada situação.

Acabamos nos adaptando a muita coisa em função da profissão, mas não é fácil deixar de estranhar algumas situações. É difícil, por exemplo, se acostumar a jantar às seis horas da tarde (duas horas antes de anoitecer) como fazem muitos clientes. Ver grupos de vinte adolescentes comemorando um aniversário em uma janta comportada e silenciosa também ainda surpreende. Também é sempre curioso notar a dificuldade dos clientes em apreciar um exótico coração de galinha servido no espeto. São comportamentos, inclusive os pequenos atos, que revelam outro modo de ser. Não fosse por essas situações, não seríamos capazes de quebrar tabus e preconceitos.

As pessoas crescem a partir das experiências, das novidades que surgem. Quanto mais situações são vividas, mais experiente uma pessoa se torna. E são essas as pessoas mais interessantes. Não é a toa que me agrada tanto conversar com Seu Miguel. Quem sabe um dia terei tanta história para contar quanto ele...

domingo, 11 de setembro de 2011

Um estranho em casa

Como de costume, estávamos reunidos na sala. Parte do pessoal da casa e alguns dos sempre presentes amigos testemunharam a história mais inusitada dos últimos tempos. Aconteceu na noite dessa sexta-feira.

Já de madrugada, as primas americanas chegavam da balada. Uma delas acompanhada por um cara grande, que entrou cheio de marra e músculos, daquele tipo cujo porte físico impõe um respeito próximo do medo. Visivelmente, não haviam tomado poucas na festa. Os dois subiram rindo e cambaleando para o quarto enquanto a outra americana, desacompanhada, juntou-se a nós. Seguimos a conversa noite adentro.


Os ponteiros já marcavam algo em torno de 4 horas quando o rapaz desceu as escadas. Para a nossa surpresa, não vestia mais as roupas com as quais havia entrado na casa, tudo o que trazia era um lençol cobrindo sua cintura e as partes íntimas. Chegou à sala sem falar nada e sentou-se em um dos sofás. Obviamente o álcool ainda fazia efeito no rapaz, que ficou entre nós com cara de perdido. Estranhamos, mas seguimos o diálogo sem dar atenção a ele. Passados poucos minutos, tentou iniciar uma conversa com a americana que chegara desacompanhada e a abraçou. Sequer lembrava quem era a garota que o havia trazido. Ela se desvencilhou do rapaz e explicou que não estava com ele. O estranho, contudo, não parecia estar entendendo nada, mal sabia como chegara na casa.


- Um cara acabou de me tirar do quarto. Eu fui ao banheiro e, quando voltei, o cara me expulsou de lá - contou o rapaz nada sóbrio.


Logo nos veio à cabeça o alemão que mora ao lado do quarto das americanas. Seria uma cena bizarra! O grandão bêbado saindo do quarto para ir ao banheiro só com o cobertor ao redor da cintura e, na volta, trocando de quarto. Imaginamos o alemão Patrick expulsando o cara a chutes na frente de sua namorada Susan. Ele teria sorte por não ter maiores problemas com o nosso flatmate, que não parece ter a paciência como um de seus maiores valores.


O cara desconhecido e semi nu continuava entre nós na sala. Ninguém sabia seu nome ou de onde viera. Ele devia ter tomado litros e litros de álcool para ficar naquele estado. Sequer teve a perspicácia de pensar que teria entrado no quarto errado. Tampouco percebeu que havia outra porta, que poderia ser a certa.


Com medo de entrar no quarto e incomodar novamente o cara que o teria expulsado, o grandão pediu que ajudássemos a pegar suas coisas. Subiu com a americana, que abriu o quarto correto, onde estava sua prima já dormindo. O estranho viu que não havia nenhum homem lá e ficou. Decidimos encerrar a noite por ali. Passamos pelo andar dos alemães e das americanas e subimos até nosso quarto, no sótão, onde João dormia desde cedo, já que trabalharia na manhã seguinte. Ao ouvir o barulho da nossa chegada, João falou, indignado:


- Vocês não sabem o que aconteceu! Um cara entrou aqui mais cedo e deitou na minha cama enquanto eu estava dormindo. Senti alguma coisa e acordei. Ele estava beijando o meu ombro! Empurrei ele para fora da cama e mandei sair. Eu disse que ele não estava no quarto certo e ele discordou. Repeti que era o quarto errado e sabe o que ele respondeu? Ele falou, olhando nos meus olhos, que se aquele era o quarto errado, ele não queria o quarto certo.


Rimos muito.

Estávamos enganados em nossa hipótese, o cara que havia expulsado o estranho do quarto era o João, não Patrick, o alemão. Tentamos avaliar o que aconteceu, mas nem tudo ficou tão claro. Como aquele cara poderia ter se enganado dessa maneira? O quarto das americanas era no andar de baixo. Ele teria saído do banheiro e subido as escadas, por onde nunca tinha passado, pensando ser o caminho de volta? O grandão estaria tão bêbado assim ou não teria ficado satifeito com a americana e decidiu arriscar um quarto diferente procurando um outro tipo de companhia?

sábado, 10 de setembro de 2011

Nova casa, novas companhias

Há cerca de um mês, mudei novamente de casa. Sabia que seria algo definitivo, a quarta e última casa desde janeiro. Eu voltaria a morar com Nick, o único remanescente do grupo inicial. Lá ficaríamos até o retorno ao Brasil. Teríamos a presença de João, grande companheiro e colega de trabalho. Nós seríamos o trio que viveria as histórias durante o restante do ano. E a casa seria o novo ponto de encontro de todo o grupo. Conseguimos o quarto mais legal em que já havíamos entrado. Teríamos o sótão somente para nós, com o teto inclinado e uma pia peculiarmente instalada ao lado da cama, além de um beliche e de uma disputada cama de casal. Não foi difícil nos sentirmos tão bem no quarto quanto nos nossos do Brasil.

Como se não bastasse a comodidade de nos sentirmos em casa, formamos uma família com os flatmates. No nosso segundo dia, participamos da festa de despedida da francesa que morava no quarto de baixo. Lamentávamos a ausência que ela faria. Ela deixaria vaga para novos moradores. No outro quarto, já morava um casal alemão com quem logo teríamos um contato bastante próximo, Patrick e a angelical (se é que existe uma palavra que possa defini-la por si só) Susan.


Dois dias após a saída da francesa Ga Elle, Leo, um dos responsáveis pela casa, bateu na porta de nosso quarto para apresentar-nos a duas americanas, Pamela e Kerri, primas que visitavam a casa a procura de acomodação. Provavelmente a curta e agradável conversa que tivemos naquela ocasião, combinada com o ambiente acolhedor da casa, foi determinante para a decisão delas, que, no dia seguinte, traziam suas malas para o quarto de baixo. Casa preenchida. Não demorou para que todos se conhecessem melhor e se tornassem amigos.


Quando vivemos cercados por pessoas de quem gostamos, nossa vida fica muito mais agradável. Eu, Nick, João, Patrick, Susan, Pamela e Kerri criamos uma conexão e acabamos formando uma família. Sempre há alguém presente para dividir a sensação de ressaca quando descemos as escadas para tomar café da manhã às duas da tarde. Sempre há alguém disposto a conversar sobre seus trabalhos e saudades ou mesmo sobre temas como eutanásia, política internacional e nazismo até o meio da madrugada. Sempre há alguém querendo companhia para passar uma tarde no parque ou para organizar uma festa com a casa de trás. Sempre há alguém de pijama que se anima, à uma hora da madrugada, e topa trocar de roupa para sair, mesmo depois de um dia inteiro de trabalho. Por mais que todos trabalhem e tenham suas ocupações, não há momento em que não se encontre uma ou sete boas companhias dentro dessa casa. O grupo aumenta à noite, quando colegas e amigos se juntam por aqui após o trabalho. Definitivamente, não seremos apenas três vivendo todas as histórias destes últimos meses.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A reta final

E quando eu estiver no Brasil fazendo tudo o que fazia antes de 2011... Será que farei tudo da mesma forma? Será que verei a rua onde morei por 20 anos da mesma maneira que a via antes de vir à Austrália? Será que as belezas e defeitos do meu local de origem mudarão? Será que os conceitos serão outros? Será que terei vontade de voltar para a Oceania? Será que terei de buscar um terceiro conceito em outro lugar?

Como será estar de volta a um lugar após viver intensa e exclusivamente um ambiente muito distinto? Apenas mais três meses. Tenho certeza que encerrarei uma parte da minha história que nunca mais terei. Ao mesmo tempo ganharei a melhor história da minha vida. Será a despedida por tempo indeterminado de pessoas que fizeram parte das minhas 24 horas diárias como qualquer outro grande amigo dos velhos tempos já fez. Deixarei de ver, possívelmente para sempre, aqueles lugares que foram meu lar e o meu único canto durante alguns dos momentos mais importantes da minha vida.


A sensação de saudade prévia da Austrália cresce da mesma maneira que, do lado oposto, bate a ansiedade de voltar para casa, rever os grandes amigos, contar as novidades e comer uma comida de casa.


O que resta é a ótima vontade de fazer tudo o que puder para aproveitar os últimos tempos dessa vida incrível. São três meses para aproveitar tudo de melhor que se conheceu e tudo que ainda se tem para conhecer. Será o tempo em que trabalho já não preocupa mais, em que os estudos já estão encaminhados e em que as condições financeiras já estão de acordo com o local. Talvez por isso seja tão difícil deixar tudo isso para trás, uma rotina já está formada e uma vida já foi montada. Talvez por isso muita gente resolva ficar para sempre, pois a vida pode ser tão boa ou melhor quanto a que tínhamos no Brasil.


Nessa reta final, é hora de aproveitarmos a liberdade para fazer o que quisermos. O que importa é que estejamos no aeroporto na hora do voo de volta. Não se trata de ser inconsequente. Vamos fazer esses últimos momentos acontecerem ainda mais intensamente, mas tudo de acordo com a maturidade que ganhamos no desafio que é experimentar essa vida. Não há motivos para preocupar-se com em carreira, currículos e compromissos. Temos reservada, no Brasil, uma vida que nos espera. Aquela terá preocupações e deveres diários, coisas que não fazem parte do cotidiano dos sonhos, mas que são inevitáveis. Imagino que agora será melhor encarar essa vida real à qual voltarei. Sinto que terei experimentado o outro lado da vida, terei vivido algo mais próximo do cotidiano dos sonhos, com menos compromissos e preocupações. Essa é uma grande experiência pelo fato de que se experimenta uma vida diferente e não há nada muito maior que possa ser experimentado.


Deixarei muita coisa para trás e voltarei a ter o que sempre tive. Mas muitas coisas devem retornar comigo. Provavelmente alguns gostos e hábitos terão mudado. Saberei dar mais valor aquilo que sempre tive ao meu lado e que deveria ter apreciado mais. Talvez só perceba no Brasil algumas mudanças. Não será tão fácil voltar para casa. A distância geográfica se compara às diferenças das duas vidas e à possibilidade de viver aquilo novamente. Pode ser complicado, mas é realmente satisfatório por saber que foi possível aproveitar esse tempo ao máximo e que verei sim de outro modo aquela rua em que morei durante 20 anos.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

A volta às aulas

Optar por ter aulas aos sábados e domingos não foi fácil, ainda mais quando a melhor opção de curso não era o que mais me agradava, business. Também não será uma tarefa simples chegar pontualmente às 7h30. Contudo, com o primeiro final de semana de aula, estou percebendo que fiz a escolha certa.

Por sorte, fui colocado em uma turma interessante, com colegas da América do Sul, Ásia, Europa, Oceania e, especialmente, dos Estados Unidos. Se me propuz a estudar em condições propícias para o tédio, tive de encontrar saídas para isso. A primeira delas foi descoberta logo nos primeiros minutos, a loira norte-americana de beleza e sotaque cinematográficos. Descobri logo de cara que ela tem um namorado brasileiro, nada que me impeça de reservar uns minutos de tédio para imaginar ela dando suas aulas de ioga. Sim, ela é professora de ioga (o que explica a forma física impecável).

A verdade é que a melhor arma para o combate do tédio é a observação. Cada local ou indivíduo tem suas peculiaridades. Basta buscar as características mais incomuns das pessoas e prestar atenção nas situações que vivemos para ver a graça da vida. Muito mais do que um filme de comédia, a vida é engraçada. As pessoas que estão ao nosso redor podem ser tão curiosas quanto os personagens de um longa-metragem e as cenas também se repetem como nos maiores clichês do cinema. Basta observar...

Em qualquer sala de aula do mundo, independentemente de cultura, as turmas são iguais. Há aqueles que sempre chegam com duas horas de atraso e sentam no fundo da classe pensando não terem sido notados pelo professor. Totalmente desinteressados no assunto da aula, baixam suas cabeças, tapam os olhos com uma mão e seguram a caneta com a outra, fingindo escrever enquanto dormem. Também há aqueles que fazem questão de sentar na primeira fileira e de participar da aula a todo momento (normalmente com intervenções desnecessárias), desagrandando ao professor tanto quanto os alunos do fundo. 

Tudo isso que eu via no Brasil tenho notado também por aqui. Mas o que mais tem me entretido nesses primeiros dias de aula são os personagens da turma. Entre essas figuras, está o Jack Chan tailandês, o cara da gargalhada muda, a japonesa que sonha ser a garçonete mais bem-sucedida de Sydney, o coreano que come duas espigas de milho cruas no intervalo, o holandês que ambiciona lucrar 1 milhão de dólares em 2011 com a empresa que ainda não abriu e o lutador de judô húngaro com 145 quilos visivelmente interessado no patinador espanhol quarentão que assiste Harry Potter durante a aula. Não se trata de deboche, apenas de observar os detalhes para buscar um ângulo diferente e mais interessante do que poderia ser apenas um momento entediante e sem atividade alguma na sala de aula.

Os momentos sérios das aulas também tem rendido. Discutindo a respeito de planejamento no ambiente de trabalho, o professor (chefe de cozinha durante 30 anos) questionou-me sobre o que faço. Expliquei minhas funções e ele comentou que já havia trabalhado em um restaurante com o mesmo tipo de serviço. Foi aí que abriu ainda mais meus olhos sobre o aprendizado que posso ter com esse emprego. Eu já valorizava muito essa experiência que venho tendo, mas percebi que a capacidade de trabalhar em equipe e a responsabilidade exigida dentro de um restaurante, por exemplo, podem ser extremamente valiosas em funções bastante distintas no futuro.

Trabalhar como churrasqueiro e estudar business são, definitivamente, atividades de que nunca imaginei participar, que não tem ligação direta com a carreira que imagino seguir e que podem não adicionar muito ao meu currículo, mas experiências e conhecimentos em campos diferentes podem render muito mais. Hoje percebo que uma única aula de business pode ampliar minha noção a respeito de áreas desconhecidas, mudar a visão que tenho daquilo em que já estou envolvido e ainda render momentos divertidos.

Fim de intervalo e hora de voltar para a sala. É a vez de o patinador quarentão e de o comedor de milho cru apresentarem seus trabalhos.

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Lembranças das férias - A aeromoça

    Conhecemos Robinson ainda em Bali. Desde lá, ele faria parte de todas as nossas aventuras durante as férias. Também brasileiro e também vivendo em Sydney, estava, assim como nós, em busca de praia e festa. Robinson uniu-se definitivamente a mim, Murillo, Dudi e Leonel. Formamos um time. Vivenciamos aventuras, fomos a lugares paradisíacos e conhecemos gente da Ásia, da Oceania e principalmente da Europa. Pois foi justamente uma européia que conquistou Robinson e que ficará guardada nas melhores lembranças de suas férias. 

    Estávamos já em Koh Phi Phi, na Tailândia, o último local que conheceríamos e também o mais belo. Se algum lugar na terra se aproxima do paraíso, esse lugar é Koh Phi Phi, uma ilha minúscula, sem carros, com água do mar quente e cristalina, cheia de jovens e de comida boa. Acordávamos para andar de barco entre as gigantescas rochas inexplicavelmente colocadas no meio do oceano, para mergulhar entre os peixes, para fazer trilhas e para comer dezenas de baratíssimos picolés. Apesar de toda a diversão sob a luz do sol, não parávamos de pensar, durante cada atividade, em como seria a noite nas festas à beira do mar.
   
    Na primeira noite em Koh Phi Phi, a ansiedade superava o cansaço acumulado das duas semanas de férias que já haviam passado. Estávamos mais dispostos do que nunca. Chegando à orla, descobrimos que as noites naquela ilha seriam bem parecidas com as de Koh Phangan, à beira-mar, com competições valendo drinks e com os famosos baldinhos, combinações baratas (e de origem duvidosa) de bebidas servidas em baldes coloridos.

    Robinson havia se perdido do grupo quando encontrou um de nós conversando com duas garotas. Seu amigo estava visivelmente interessado em uma delas. Robinson, porém, mal havia notado a garota loira que atraía a atenção do outro. Assim que os avistou, seus olhos se voltaram diretamente à morena. Eles foram apresentados e logo estavam conversando sentados na areia. A simpatia da morena parecia aumentar no decorrer da conversa. O luar refletido na água combinado com a beleza daquela orla faziam o momento se tornar especial. Robinson não parava de admirar aquela inglesa, Jolie, de 24 anos, linda como nenhuma outra inglesa já vista por ele. Ele não imaginava que poderia se interessar ainda mais pela garota. Até que começaram a falar sobre suas profissões.


- Eu fico de férias aqui em Phi Phi até depois de amanhã, quando volto para Dubai - contou a inglesa.
- Para Dubai? Mas você não é inglesa? - questionou.

- Sou, mas moro em Dubai por causa da minha profissão - respondeu a garota.
- O que você faz?
- Sou comissária de bordo da Emirates.


    A informação demorou alguns segundos para ser processada. Ela era comissária de bordo! Linda, simpática, 24 anos, inglesa, residente em Dubai e AEROMOÇA. Aeromoça da Emirates! Robinson sempre sonhara em conhecer uma aeromoça. Sempre que andava de avião, admirava os sorrisos e a simpatia das diferentes mulheres que o atendiam. Sempre imaginara o dia em que teria a oportunidade de desarmar o penteado impecável de uma aeromoça. Não era à toa que o penteado daquela garota tinha chamado sua atenção...


    Robinson estava ainda mais encantado. Continuou a conversa interessadíssimo. Queria ouvir as histórias de cada país para onde ela havia viajado. Queria saber tudo sobre a vida nos ares. Queria desvendar os mistérios da intimidade de uma aeromoça.


    No dia seguinte, Robinson falou inúmeras vezes sobre sua longa noite para seus amigos. Enquanto eles estavam ansiosos por mais uma festa, ele só pensava em encontrar novamente a inglesa.


    Chegou cedo à festa para procurá-la. Acharam-se rapidamente como se estivessem em busca um do outro. Tiveram uma conversa tão agradável quanto a da noite anterior e dançaram, no bar mais vazio da orla, a música preferida da inglesa antes de saírem da praia abraçados. Já pela manhã, se despediram no hotel de Robinson.


    No terceiro dia em Koh Phi Phi, Robinson contaria sobre a segunda noite perfeita que tivera ao lado da inglesa. Seus amigos contestavam a ideia de ele ver a garota todas as noites ao invés de curtir com eles e de conhecer pessoas diferentes, mas para ele não havia maneira melhor de aproveitar ao máximo aquele lugar. Estava decidido a encontrá-la novamente.


    A vontade de rever Jodie não havia diminuído, mas uma forte febre pegou Robinson de surpresa e o deixou indisposto para aproveitar a noite intensamente. De qualquer modo, foi à praia procurar por Jolie. Afinal, era a última noite da inglesa na ilha antes de voltar a Dubai.


    Mais uma vez, encontraram-se nas primeiras horas de festa. Sob uma chuva insistente, Robinson não estava bem.


- Jolie, eu não estou me sentindo bem. Preciso voltar para o quarto para dormir e me recuperar. Vim aqui só para me despedir de você.
- Que pena... Mas o que você tem? - Jolie falou.
- Estou com febre, acho que tenho descansado muito pouco...
- Tudo bem, melhor dormir então. Mas não precisa se despedir, ainda vamos nos encontrar - falou antes de beijá-lo.


    Robinson voltou ao hotel imaginando se realmente voltaria a ver Jolie. Cansado e febril, dormiu profundamente.


- Ei, acorda... - Alguém cochichou, cutucando o pé de Robinson.


    Com a pouca luz que entrava pela janela, Robinson reconheceu a silhueta de Jolie dentro de seu quarto ainda molhada pela chuva.


- Falei que ainda nos veríamos. A festa lá na praia acabou. Vim te dizer boa noite - disse Jolie com um tom delicado.
- Que surpresa! Não esperava que viesse até aqui... Aliás, como você chegou? - perguntou Robinson.
- Lembro exatamente o caminho que fizemos ontem. Eu ia bater na porta, mas ela estava aberta e eu entrei. Eu queria te dar mais um beijo. Foi muito bom te conhecer! - respondeu Jolie.
- Gostei muito de te conhecer também. Fiquei feliz por você vir se despedir.
- Não precisamos nos despedir. Esqueceu que sou aeromoça? Nos próximos meses vou para Sydney pelo menos uma vez, então a gente se vê. E, quando você já estiver no Brasil, talvez eu passe por lá também. É só combinarmos - falou sorridente.


    Com a aparição no meio da madrugada, Jolie conquistou Robinson definitivamente e ele passou a gostar mais do que nunca de aeromoças. Hoje, em Sydney, Robinson segue esperando o dia em que poderá desarmar mais uma vez o penteado de Jolie.

terça-feira, 5 de julho de 2011

Um dia especial

Era mais um dia ensolarado e frio no inverno de Sydney. Mais um dia em que eu trabalharia e veria meus amigos após o serviço. Há quem considere rotina um sinônimo de monotonia. Entretanto, os dias que eu vivia apenas aumentavam a vontade de aproveitar cada momento. Nunca uma rotina fora tão prazerosa e cheia de surpresas.

Saindo de casa após o almoço, eu percorreria o trajeto de sempre rumo à churrascaria. Ouvindo Jack Johnson no mp3 player, eu sorria e cantava admirando cada parte do caminho. Eu imaginava a falta que sentiria daquelas ruas assim que eu voltasse ao Brasil. Em alguns meses, cada local tão peculiar e tão presente nessa etapa da minha vida, simplesmente, ficaria para trás e se transformaria em memórias. Eu tentava adivinhar quais daqueles restaurantes, artistas de rua, vendedores e prédios que eu via todo dia fariam parte dessas lembranças.


Foi observando cada detalhe e cada personagem anônimo dessa minha rotina, que me deparei com um morador de rua da Oxford Street. Enquanto eu vivia um sonho verdadeiro e sentia a felicidade fazer meu sorriso crescer naturalmente, aquele homem, ainda jovem, estava, provavelmente, vivendo uma realidade oposta. Sentado na calçada, esticava o braço empunhando um chapéu para receber doações. Muitas vezes, passo por moradores de rua sem ser tocado por um sentimento de solidariedade. Infelizmente, essas situações acabam se tornando corriqueiras e não recebem de nós o valor que deveriam. Porém, naquele momento em que eu observava cada detalhe daquela rua, meu olhar se fixou no rapaz. Ele destoava da realidade perfeita que eu enxergava.


- Se você quiser tenho um pote com comida - ofereci quando lembrei da marmita que sobrara do dia anterior.


O sorrisso que havia saído do meu rosto ao ver a realidade do homem foi transferido. Quem passava a sorrir era ele.


- Muito obrigado, eu quero sim. Muito obrigado mesmo. Que Deus lhe abençoe e que seu dia seja muito especial - agradeceu largando o chapéu e pegando a marmita.


Depois da resposta, os dois estavam sorrindo. Assim, o desejo dele se realizou: o meu dia se tornava especial. Provavelmente aquela era uma das pessoas que ficariam guardadas na minha memória daquele local. Segui meu caminho. Ele ficou lá, segurando o pote como uma criança ao receber o tão esperado presente de aniversário. Ele nem imaginava que o aniversariante daquele dia era eu e que aquele sorriso seria o maior presente pelos meus 21 anos.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

A melhor e mais simples receita para o inverno

Acredito ter conhecido o prazer gastronômico supremo. Não é algo complexo, caro ou inacessível. Tampouco é um daqueles pratos chiques, requintados e servidos em quantidades mínimas. Bastou a criatividade de alguma mente brilhante hoje desconhecida. Sempre considerei o chocolate como a maior fonte de prazer quando se trata de paladar. Depois de ter passado por tamanha experiência, tirei qualquer possibilidade de esse título ser perdido para qualquer tipo de lasanha ou sorvete. Essa receita já tem alguma fama, mas, assim como era o meu caso até uma semana atrás, tenho certeza que ainda é desconhecida por muita gente. Por isso, faço questão de passá-la para quem ainda não experimentou.

Era uma quarta-feira, quase onze horas da noite. O frio do inverno de Sydney acompanhava a mim, João e Michel após o trabalho. Íamos à casa de alguns amigos, local de encontro quase diário da turma. Passaríamos mais uma madrugada conversando e rindo enquanto o frio tomaria conta das ruas da cidade. Como também já era costume, compramos o inigualável chocolate quente feito com chocolate derretido do Coco Cubano, café vizinho à nossa churrascaria. Foi aí que Michel tocou no assunto que faria nossa noite mudar.


- Vocês já experimentaram Tim Tam com café ou leite quente? - questionou, já empunhando seu copo de chocolate.


Tim Tam é um biscoito muito popular na Austrália. Cremoso E crocante. Recheado E coberto por chocolate. Para mim, não é apenas um biscoito; sempre considerei o Tim Tam como o meio termo entre biscoito e bombom. Michel garantiu que não seria apenas comer o Tim Tam enquanto bebíamos o chocolate quente, seria a combinação perfeita entre o sólido e o líquido. Fomos ao mercado comprar quatro pacotes do biscoito antes de ir à estação.


Concordamos em sentar para fazer a tal experiência. Michel ensinou os passos que deveríamos seguir. Teríamos que quebrar duas pontas opostas do retângulo formado pelo Tim Tam. Uma das pontas teria de ser mergulhada no chocolate quente enquanto a outra ficaria na boca. O Tim Tam seria uma espécie de canudinho. Deveríamos sugar o chocolate quente pelo biscoito. Quando sentíssemos que o líquido estava chegando até a boca, deveríamos colocar o Tim Tam inteiro na boca.

Seguimos as instruções. Antes mesmo de o Tim Tam entrar inteiramente na boca, o processo de derretimento, provocado pela elevada temperatura do líquido, já havia começado. Porém, foi quando o biscoito entrou na boca que chegamos ao ápice do prazer. Os sabores do chocolate quente e de cada uma das camadas do biscoito se uniram em uma única calda quente. Foram 7 segundos de prazer extremo degustando cada etapa do derretimento do Tim Tam, que, multiplicados pelo número de biscoitos comidos, resultaram em bons minutos de degustação para cada um. Nada na minha vida jamais havia se comparado a aquele sabor. Engolir uma dose daquela calda obrigava-nos a comer mais um, outro e outro... Chegamos ao nosso destino ansiosos para contar a novidade para os amigos. Daquela vez não havia sobrado chocolate quente, mas não faltarão oportunidades para compartilhar tamanho sabor com o restante do grupo até o final da estação.

terça-feira, 21 de junho de 2011

Segundo semestre, segundo começo

Depois das tão sonhadas férias e de muita história para contar, volto a Sydney. Com o procedimento de renovação do visto encaminhado e com o novo curso marcado para o meio de julho, posso reiniciar a minha "vida" tranquilamente. Terei duas aulas por semana em um curso de business. Com isso, cinco manhãs por semana estarão vagas. A intenção era encontrar um segundo emprego para ter uma grana extra em algumas dessas manhãs. No entanto, uma boa oportunidade na churrascaria talvez acabe com a ideia de preencher esse tempo livre com um segundo emprego. O churrasqueiro número um, grande amigo e professor da arte de assar, André, saiu do restaurante e passou o cargo para mim. Logo de cara, recebi uma grande responsabilidade e uma bela chance de me firmar em um único emprego, caso tudo ocorra normalmente.

De fato, o segundo semestre será novo, praticamente um recomeço. Os planos e objetivos mudam, alguns grandes amigos já não estão mais presentes, o início de um novo curso se aproxima e a busca por um novo lugar para morar se intensifica, já que eu e Nick estamos decididos a dividir um quarto novamente. Essa vida de novidades e de incertezas me instiga, me dá vontade de experimentar as possibilidades e de seguir mudando de rotina. Ao mesmo tempo, não posso negar o sentimento quase angustiante de querer saber o que vem pela frente, de conferir se tudo dará certo e se o futuro atingirá as expectativas. O ideal é por os pés no chão e não pensar tanto no futuro para ser capaz de aproveitar o presente com mais intensidade. Por enquanto tem funcionado.

Ainda tenho que ver como ocuparei minhas manhãs. Não posso simplesmente descansar. Afinal, tenho apenas mais seis meses para aproveitar esse país da melhor forma possível e ter muita história para contar para vocês. Aliás, as férias devem render posts interessantes...

segunda-feira, 30 de maio de 2011

As grandes férias

Tem gente que fala que eu vim para a Austrália para tirar férias, que vim só curtir e deixar a vida séria de lado, lá no Brasil. Vim mesmo. Claro que nem tudo é tão fácil, arranjar emprego e estudo, se virar sozinho, fazer dinheiro, providenciar casa, comida e roupa lavada. Apesar dessas coisas que fazem parte, o meu ano tem sido como férias mais longas. Nem por isso, no entanto, esse período não é produtivo. Objetivos incomparáveis de experiências, relacionamentos e troca de culturas fazem dessas as férias mais positivas que se pode ter. Pois semana passada acabou meu curso. Como era previsto, o primeiro semestre teria cinco meses de estudo e um de férias. São as férias das férias! Para fazer justiça ao valor que esse período merece receber, programei com meus amigos a grande aventura de nossa viagem. Vamos decolar para alguns dos destinos mais procurados por quem vive essa experiência de viver na Austrália. Eu, Murillo, Dudi e Leonel vamos a Bali e à Tailandia, e o dia de partir é hoje.

A ansiedade vem crescendo desde o dia em que cogitamos fazer essa viagem em uma tarde de abril na casa do Leonel. Sabíamos da fama desses destinos como os locais ideais para quem procura praias paradisíacas e muita festa. Para melhorar ainda mais, tudo é muito barato na Indonésia e na Tailandia. Com poucos meses de trabalho poderíamos nos virar muito bem por lá. Fomos juntos à agência de turismo para dar os primeiros passos, descobrimos os destinos mais interessantes, planejamos as datas (de 31 de maio a 17 de junho), encontramos os hoteis que se encaixavam naquilo que procurávamos e começamos a fechar a grande viagem. Bali, Phuket e Koh Phangan (os dois últimos na Tailândia) são os destinos confirmados, mas ainda temos algumas noites em aberto para podermos trocar de rota.

Normalmente quem sai para o exterior abre uma conta no Visa Travel Money. Essa é a opção mais recomendada para não levar muito dinheiro em mãos e ter cartão de crédito disponível em qualquer lugar, já que ele faz a conversão da moeda automaticamente de acordo com a sua localização. As tarifas do cartão australiano fora do país são muito altas. Então a opção foi fazermos um novo VTM que pudesse ser carregado com a nossa grana aqui da Austrália (apenas uma conta está autorizada a carregar o VTM, por isso o nosso antigo cartão VTM não seria útil). Outro momento em que se pode poupar dinheiro é na hora de escolher a empresa aérea, algumas companhias que só vendem tickets online tem um preços muito reduzidos, é o caso da Air Asia e da Bangkok Airways. Essas empresas, porém, não tem um atendimento tão bom e oferecem um risco maior de atraso ou cancelamento de voôs. Recomendaram que fizéssemos os voos de maior distância (Sydney-Bali e Phuket-Sydney) por uma agência maior, a Malaysia Airlines. Os voos mais curtos, então, fechamos pelas outras empresas.

Grandes parceiros que chegaram junto comigo na Austrália voltarão ao Brasil assim que esta próxima viagem acabar. Murillo e Leonel, que dividiram as experiências mais intensas de nossas vidas nos últimos meses, terão, nas próximas semanas, a oportunidade ideal para fechar com chave de ouro. Companhias perfeitas nos últimos meses e ideais para uma aventura como a que está por vir. Companhias que farão falta nos próximos meses. Melhor deixar o pensamento da despedida para depois, até lá temos muita coisa pra viver.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Conversas noturnas no novo endereço

Tenho um endereço novo pela terceira vez em quatro meses. Sem grandes motivos, decidi mudar de apartamento e foi hoje que tudo ocorreu.

O desafio seria ter tempo para tudo. Eu deveria juntar todas as minhas coisas e levar para o novo apartamento entre o final da aula e o início do trabalho. Eram três horas e meia quando eu cheguei em casa. Às 16h30 eu deveria estar a caminho do trabalho. Uma hora talvez não fosse o suficiente para fazer tudo, mas acreditei que me apressando tudo correria bem.

Impressionantemente, em 20 minutos tudo estava junto à porta, nem era necessária tamanha rapidez. A dona do apartamento já estava me esperando. Faltavam menos de 40 minutos para ir para o trabalho. Andamos pouco mais de uma quadra até chegar ao novo prédio. Eu não pensava em como seria a minha cama, o meu quarto novo, se teria piscina e academia como na acomodação anterior ou se haveria espaço suficiente, até por que sabia que era do mesmo estilo do outro. O que eu realmente queria era saber quem seriam as pessoas com quem eu moraria. Eu já havia ouvido falar sobre as tais francesas do apê. Seriam três, além de uma brasileira e de três poloneses. Alguns deles estavam prestes a se mudar, seriam as tais possíveis beldades francesas, ou os não tão importantes colegas de quarto poloneses? Isso sim me importava.

Não tive tempo para descobrir antes de ir trabalhar. A dona do apartamento apenas pode mostrar-me o quarto, o banheiro e essas coisas que a mim não importavam muito. Ninguém em casa. Já era hora de sair, à noite talvez conhecesse meus novos colegas de apartamento.

Após dezenas de espetos, picanhas e pães com alho, voltei para casa, a nova. Conheci os poloneses, simpáticos e prestativos, porém um tanto frios. Falei com a brasileira, Mariana, e seu namorado gringo, Daniel. Não precisou muito papo para perceber que são gente boa. As tais francesas, entretanto, ainda não estavam presentes.

Quase à meia-noite, chegava uma delas, Melissa. Naturalmente contamos durante longo tempo nossas histórias recentes. Morava perto da Espanha, estava na Austrália há cinco meses e também era recém chegada a esta acomodação. Apesar de ser filha de brasileira com australiano, não falava português nem conhece o Brasil.

Depois de uns 40 minutos conversando, entre bocejos de jovens trabalhadores cansados, foi dormir. Voltei a atenção para este texto, quando chegou mais uma através da porta.

- Oi, tudo bem? - perguntei, notando o andar trôpego.
Uma nova vista da madrugada de Sydney
- Tudo, apenas um pouco cansada e bêbada - respondeu com sotaque claramente francês - Você é o brasileiro que vai morar conosco? - começava uma nova conversa (essa já não tão interessante e sem tanto nexo).

Logo ela resolveria dormir. Dedos ao teclado. Eles alternavam entre o presente texto e a conversa com amigos do Brasil cheia de saudade, quando abriu-se a porta do quarto das gurias. Melissa ainda não havia dormido e surgia de pijama para jantar em plena madrugada. Cozinhou algo e agora parece estar vindo juntar-se a mim na mesa. Bom, 02h.. Acho que vou conversar mais um pouco e depois ir dormir.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

Meu estranho envolvimento com uma "empresa de transportes"

Dois dias de folga na semana pareciam muito. Eu estava com energia de sobra e o feriado de páscoa parecia não reservar grandes programas. Pensando nos planos para os próximos tempos, decidi topar um trabalhinho extra. "Façamos dinheiro", pensei. Eu iria trabalhar com transporte de mudanças. Meu colega de apartamento havia recebido o convite mas não poderia aceitar. Eu mal sabia o que aquilo me reservava.

Ao meio-dia, cheguei caminhando a um hotel próximo à Estação Central. Uma chinesa de 1,5 metro de altura me aguardava. Nancy era o nome. Sorrisos e diálogos não eram o forte daquela mulher. Exceto as poucas palavras que ela dirigia a mim, toda a comunicação que ela mantinha era em chinês, tanto com o velho motorista do caminhão, quanto com os empregados do hotel, que pareciam conhecê-la bem. O clima não era muito favorável. O local sombrio aumentava a tensão. Eu gostaria de saber como seria o serviço, quanto receberia, quanto tempo trabalharia, qual time me acompanharia. Não estava, porém, suficientemente confortável para trocar palavras com aquela mulher. O caminhão estava a postos esperando para ser preenchido assim que o portão do estabelecimento fosse aberto. Quando o segurança abriu o estacionamento, eu me apavorei. O local estava lotado com pilhas de camas, colchões e TVs. O caminhão foi aberto.

- Pode começar - afirmou a chinesa.
- Ma... Mas e... Tudo isso? Tudo tudo? No caminhão? Quantos vão participar disso? Ou eu vou ter que carregar sozinho? - em uma sequência de perguntas, tentei tirar todas as dúvidas que faziam-me explodir de tensão tentando, contudo, demonstrar o mínimo possível da minha preocupação. E se fossem parte de uma máfia chinesa?  E se todo aquele material fosse recheado de contrabando, drogas, armas? E se eu recusasse o trabalho? Eu os deixaria na mão. O que fariam comigo? Melhor não desistir - pensei.
- Não se preocupe, você vai ter ajuda - respondeu apontando para traz de mim.

Virei 180 graus batendo com o peito em algo. Era quem me ajudaria. Olhei para baixo para enxergar e me desanimei. Meus músculos ficaram cansados no momento em que vi de onde viria minha ajuda, antes mesmo de levantar o primeiro colchão. O meu time era uma chinesa menor que a chefe. Ninguém mais. O hotel estava em reforma. Todos quartos receberiam móveis novos. Que tipo de empresa contrata uma pessoa daquelas pra levantar peso e fazer um trabalho que exigisse força como aquele? Tive de aceitar a situação. Melhor do que ser raptado e ter meus órgãos vendidos em espetos para consumo humano na China junto com cachorros, grilos e escorpiões. Talvez a academia que eu vinha fazendo me ajudasse no desafio. Bastava superar-me fisicamente para ter minha sobrevivência conquistada.

Deslocamos tudo para perto do caminhão com ajuda de um carrinho. Até então, ok. O pior, porém, ainda estava por vir: levantar tudo e acomodar dentro do veículo.

Não seria possível, o conteúdo parecia ser três vezes maior que o espaço existente no caminhão. 

 - Você tem que colocar tudo - afirmou a chefe em tom de ordem e olhos de ameaça, como que lendo meu pensamento. Não era uma ameaça explícita, havia um sorriso no seu rosto como quem diz: acho melhor você encontrar lugar aí dentro, senão...

Foi o bastante para eu ver o caminhão aumentar três vezes de tamanho. Nem senti o peso ao levantar cada cama, bastava lembrar daquele sorriso medonho. Primeiro os colchões, depois as camas e então as televisões. Encontrei espaço onde não havia. Só mais tarde passei a sentir o resultado de tanto esforço em cada músculo do meu corpo. Estava tudo dormente, ao menos não havia dor.

30 colchões, 12 camas, 10 televisões, 2,5 horas e 1,75 litro de suor. Consegui(mos) fechar a porta do caminhão após muitos empurrões. O pior já havia passado. Bastava despejar o conteúdo todo para fora do caminhão. Entramos no veículo. Uma longa viagem. Duas horas para ir e voltar.

Nada fazia o clima ficar tranquilo. Eu viajava por pontes e florestas macabras sentado entre dois chineses suados e fumantes compulsivos. O cheiro deles só não era pior que o odor dos cigarros que fumavam na cabine completamente fechada. Não havia brecha alguma na janela para arejar aqueles dois metros quadrados. Eu me controlava quieto esperando a hora de voltar para casa e tomar um banho.

Finalmente chegamos ao destino, um depósito de velho e abandonado. Não tive problemas lá, largamos todo o carregamento. Pude respirar antes de voltar à cabine e, então retornar para Sydney.

A Harbour Bridge! Finalmente, estávamos chegando perto de casa. Ela fez as contas do pagamento e me explicou como funcionava. Eu havia ficado mais de cinco horas em função do serviço. A chefe, no entanto, não contou pelas horas de deslocamento. Eu já havia feito uma estimativa de acordo com a minha expectativa, mas a realidade era decepcionante. Estávamos novamente na cidade e em segurança, o temor já havia passado. O que me incomodava naquele momento era a grana que ela oferecia. O problema foi ter coragem de reclamar, contestar ou apenas questionar o valor. Não era algo irrisório, mas abaixo do esperado e um tanto injusto pelo esforço ao qual eu havia me submetido.

Desci do caminhão e voltei rastejante, não só pelo cansaço ou pelo desânimo por receber menos do que o esperado, mas, principalmente, por me sentir omisso diante daquela chinesa. Preferi evitar contestar a quantia paga pensando em não criar estresse ou não perder a chance de ser chamado novamente. Atitude (ou falta de atitude) estúpida. Eu jamais aceitaria trabalhar novamente com eles! Afinal, com o jeito estranho daquelas pessoas, com a comunicação indecifrável que mantinham pelos celulares e com o peso suspeito de alguns materias carregados, a possibilidade do envolvimento daquela "empresa de transportes" com algum tipo de máfia chinesa não me parecia absurda.

sábado, 23 de abril de 2011

O aquário de Sydney

Segunda-feira. O início de semana seria com passeio pela escola. Eu e meus amigos decidimos fazer o nosso próprio programa e evitar a estranha escolha dos colegas de ir à praia no tempo impróprio para curtir areia e mar. Não faltam opções interessantes, andar pelo topo da Harbour Bridge, ir às Blue Mountains, conhecer um dos tantos zoológicos, visitar o centro olímpico... Escolhemos o Sydney Aquarium. Só havíamos recebido boas indicações sobre o local - apesar de virem do Leonel, biologo de nascença e de profissão, pareciam ser confiáveis. Eram.

Sol, fones de ouvido e quinze minutos caminhando de casa à Darling Harbour. Os 30 minutos aguardando pelos amigos atrasados não seriam tão agradáveis não fosse a trilha sonora e a vista de um dos cartões postais da cidade.
 

Meio-dia e trinta eles chegavam. A fila de espera era pequena, apesar do bom movimento. Estávamos atrás de uma dúzia de crianças barulhentas. Apenas a presença das duas jovens professoras fez que não nos importássemos com a bagunça e os gritos dos pequenos. Eu me estressaria, olharia feio, tentaria assustar para espantar as pestes que se jogavam de um lado para o outro e pisavam em nossos pés, mas mal olhávamos para as crianças. Talvez nenhum peixe ou crustáceo tenha sido tão admirado por nós quanto aquelas professoras de olhos claros. Morenas de olhos claros. Jovens mesmo, não mais de 21 anos. Pena nos perdermos delas logo na entrada... Ah, sim, o aquário! A entrada custou 23 dólares, já que apresentamos carteira de estudante.


No início nada surpreendia, vimos uns peixes presos em aquários de tamanho convencional. Uns coloridos, outros apenas grandes, cinzentos e bocudos. Interessante, mas nada demais. Estávamos mais preocupados em debater sobre a felicidade deles vivendo aprisionados.

- Ah, pelo menos esse aqui deve estar feliz - disse o Nick ao ver um peixe em um aquário de tamanho razoável tentando se convencer a não ficar com pena.

 

Finalmente um grande aquário, o do Ornitorrinco. Lemos todos dados fornecidos nas placas. A nossa expectativa de ver aquele bicho estranho era grande, afinal não é sempre que se vê algo parecido com o filho de uma lontra com um pato. O ambiente dele era ornamentado com troncos e plantas. Segundo as informações, o bicho costuma viver dentro de troncos, onde pode permanecer por longos períodos. Esperávamos que esse tempo no qual fica escondido não fosse maior que 30 minutos. Esperamos meia-hora e nada. Perdemos a paciência e seguimos o trajeto frustrados. Mais tarde voltaríamos para ver se teria saído.

O resto do passeio foi muito mais interessante. Esperávamos ver ao menos alguns tubarões, pois o aquário visto de fora não parece ser grande e imaginávamos. Entretanto, quanto mais andávamos pelos corredores, mais nos impressionávamos com o tamanho do local e com a diversidade de espécies expostas. Nem sentíamos mais pena pelo aprisionamento dos peixes, sapos, siris, polvos e estrelas-do-mar. Estávamos entretidos. No entanto, apenas quando encontrássemos uma grande escadaria iríamos nos divertir.

Havia uma grande piscina, como esperávamos. A diferença é que poderíamos andar dentro dela, em corredores envidraçados. Aquilo sim valeu o passeio. Durante mais de uma hora, observamos cara a cara tubarões, raias (ou arraias) e o grande dugong, animal típico da Austrália, o mas interessante que vimos, na minha opinião.

Dugong visto pelo corredor subaquático
 


 

Estávamos satisfeitos, porém não havíamos esquecido do ornitorrinco. Voltamos todo o percurso até aquele aquário. Mais dez minutos procurando e tentando enxergar dentro dos troncos sem sucesso. Insistimos, mas não havia jeito. Não nos importamos tanto, já que o passeio havia superado as expectativas. Realmente o dia tinha sido muito bom. Faltava apenas uma coisa para ele ser completo; era uma pena irmos para casa sem ver aquelas professoras novamente.