domingo, 11 de setembro de 2011

Um estranho em casa

Como de costume, estávamos reunidos na sala. Parte do pessoal da casa e alguns dos sempre presentes amigos testemunharam a história mais inusitada dos últimos tempos. Aconteceu na noite dessa sexta-feira.

Já de madrugada, as primas americanas chegavam da balada. Uma delas acompanhada por um cara grande, que entrou cheio de marra e músculos, daquele tipo cujo porte físico impõe um respeito próximo do medo. Visivelmente, não haviam tomado poucas na festa. Os dois subiram rindo e cambaleando para o quarto enquanto a outra americana, desacompanhada, juntou-se a nós. Seguimos a conversa noite adentro.


Os ponteiros já marcavam algo em torno de 4 horas quando o rapaz desceu as escadas. Para a nossa surpresa, não vestia mais as roupas com as quais havia entrado na casa, tudo o que trazia era um lençol cobrindo sua cintura e as partes íntimas. Chegou à sala sem falar nada e sentou-se em um dos sofás. Obviamente o álcool ainda fazia efeito no rapaz, que ficou entre nós com cara de perdido. Estranhamos, mas seguimos o diálogo sem dar atenção a ele. Passados poucos minutos, tentou iniciar uma conversa com a americana que chegara desacompanhada e a abraçou. Sequer lembrava quem era a garota que o havia trazido. Ela se desvencilhou do rapaz e explicou que não estava com ele. O estranho, contudo, não parecia estar entendendo nada, mal sabia como chegara na casa.


- Um cara acabou de me tirar do quarto. Eu fui ao banheiro e, quando voltei, o cara me expulsou de lá - contou o rapaz nada sóbrio.


Logo nos veio à cabeça o alemão que mora ao lado do quarto das americanas. Seria uma cena bizarra! O grandão bêbado saindo do quarto para ir ao banheiro só com o cobertor ao redor da cintura e, na volta, trocando de quarto. Imaginamos o alemão Patrick expulsando o cara a chutes na frente de sua namorada Susan. Ele teria sorte por não ter maiores problemas com o nosso flatmate, que não parece ter a paciência como um de seus maiores valores.


O cara desconhecido e semi nu continuava entre nós na sala. Ninguém sabia seu nome ou de onde viera. Ele devia ter tomado litros e litros de álcool para ficar naquele estado. Sequer teve a perspicácia de pensar que teria entrado no quarto errado. Tampouco percebeu que havia outra porta, que poderia ser a certa.


Com medo de entrar no quarto e incomodar novamente o cara que o teria expulsado, o grandão pediu que ajudássemos a pegar suas coisas. Subiu com a americana, que abriu o quarto correto, onde estava sua prima já dormindo. O estranho viu que não havia nenhum homem lá e ficou. Decidimos encerrar a noite por ali. Passamos pelo andar dos alemães e das americanas e subimos até nosso quarto, no sótão, onde João dormia desde cedo, já que trabalharia na manhã seguinte. Ao ouvir o barulho da nossa chegada, João falou, indignado:


- Vocês não sabem o que aconteceu! Um cara entrou aqui mais cedo e deitou na minha cama enquanto eu estava dormindo. Senti alguma coisa e acordei. Ele estava beijando o meu ombro! Empurrei ele para fora da cama e mandei sair. Eu disse que ele não estava no quarto certo e ele discordou. Repeti que era o quarto errado e sabe o que ele respondeu? Ele falou, olhando nos meus olhos, que se aquele era o quarto errado, ele não queria o quarto certo.


Rimos muito.

Estávamos enganados em nossa hipótese, o cara que havia expulsado o estranho do quarto era o João, não Patrick, o alemão. Tentamos avaliar o que aconteceu, mas nem tudo ficou tão claro. Como aquele cara poderia ter se enganado dessa maneira? O quarto das americanas era no andar de baixo. Ele teria saído do banheiro e subido as escadas, por onde nunca tinha passado, pensando ser o caminho de volta? O grandão estaria tão bêbado assim ou não teria ficado satifeito com a americana e decidiu arriscar um quarto diferente procurando um outro tipo de companhia?

sábado, 10 de setembro de 2011

Nova casa, novas companhias

Há cerca de um mês, mudei novamente de casa. Sabia que seria algo definitivo, a quarta e última casa desde janeiro. Eu voltaria a morar com Nick, o único remanescente do grupo inicial. Lá ficaríamos até o retorno ao Brasil. Teríamos a presença de João, grande companheiro e colega de trabalho. Nós seríamos o trio que viveria as histórias durante o restante do ano. E a casa seria o novo ponto de encontro de todo o grupo. Conseguimos o quarto mais legal em que já havíamos entrado. Teríamos o sótão somente para nós, com o teto inclinado e uma pia peculiarmente instalada ao lado da cama, além de um beliche e de uma disputada cama de casal. Não foi difícil nos sentirmos tão bem no quarto quanto nos nossos do Brasil.

Como se não bastasse a comodidade de nos sentirmos em casa, formamos uma família com os flatmates. No nosso segundo dia, participamos da festa de despedida da francesa que morava no quarto de baixo. Lamentávamos a ausência que ela faria. Ela deixaria vaga para novos moradores. No outro quarto, já morava um casal alemão com quem logo teríamos um contato bastante próximo, Patrick e a angelical (se é que existe uma palavra que possa defini-la por si só) Susan.


Dois dias após a saída da francesa Ga Elle, Leo, um dos responsáveis pela casa, bateu na porta de nosso quarto para apresentar-nos a duas americanas, Pamela e Kerri, primas que visitavam a casa a procura de acomodação. Provavelmente a curta e agradável conversa que tivemos naquela ocasião, combinada com o ambiente acolhedor da casa, foi determinante para a decisão delas, que, no dia seguinte, traziam suas malas para o quarto de baixo. Casa preenchida. Não demorou para que todos se conhecessem melhor e se tornassem amigos.


Quando vivemos cercados por pessoas de quem gostamos, nossa vida fica muito mais agradável. Eu, Nick, João, Patrick, Susan, Pamela e Kerri criamos uma conexão e acabamos formando uma família. Sempre há alguém presente para dividir a sensação de ressaca quando descemos as escadas para tomar café da manhã às duas da tarde. Sempre há alguém disposto a conversar sobre seus trabalhos e saudades ou mesmo sobre temas como eutanásia, política internacional e nazismo até o meio da madrugada. Sempre há alguém querendo companhia para passar uma tarde no parque ou para organizar uma festa com a casa de trás. Sempre há alguém de pijama que se anima, à uma hora da madrugada, e topa trocar de roupa para sair, mesmo depois de um dia inteiro de trabalho. Por mais que todos trabalhem e tenham suas ocupações, não há momento em que não se encontre uma ou sete boas companhias dentro dessa casa. O grupo aumenta à noite, quando colegas e amigos se juntam por aqui após o trabalho. Definitivamente, não seremos apenas três vivendo todas as histórias destes últimos meses.

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

A reta final

E quando eu estiver no Brasil fazendo tudo o que fazia antes de 2011... Será que farei tudo da mesma forma? Será que verei a rua onde morei por 20 anos da mesma maneira que a via antes de vir à Austrália? Será que as belezas e defeitos do meu local de origem mudarão? Será que os conceitos serão outros? Será que terei vontade de voltar para a Oceania? Será que terei de buscar um terceiro conceito em outro lugar?

Como será estar de volta a um lugar após viver intensa e exclusivamente um ambiente muito distinto? Apenas mais três meses. Tenho certeza que encerrarei uma parte da minha história que nunca mais terei. Ao mesmo tempo ganharei a melhor história da minha vida. Será a despedida por tempo indeterminado de pessoas que fizeram parte das minhas 24 horas diárias como qualquer outro grande amigo dos velhos tempos já fez. Deixarei de ver, possívelmente para sempre, aqueles lugares que foram meu lar e o meu único canto durante alguns dos momentos mais importantes da minha vida.


A sensação de saudade prévia da Austrália cresce da mesma maneira que, do lado oposto, bate a ansiedade de voltar para casa, rever os grandes amigos, contar as novidades e comer uma comida de casa.


O que resta é a ótima vontade de fazer tudo o que puder para aproveitar os últimos tempos dessa vida incrível. São três meses para aproveitar tudo de melhor que se conheceu e tudo que ainda se tem para conhecer. Será o tempo em que trabalho já não preocupa mais, em que os estudos já estão encaminhados e em que as condições financeiras já estão de acordo com o local. Talvez por isso seja tão difícil deixar tudo isso para trás, uma rotina já está formada e uma vida já foi montada. Talvez por isso muita gente resolva ficar para sempre, pois a vida pode ser tão boa ou melhor quanto a que tínhamos no Brasil.


Nessa reta final, é hora de aproveitarmos a liberdade para fazer o que quisermos. O que importa é que estejamos no aeroporto na hora do voo de volta. Não se trata de ser inconsequente. Vamos fazer esses últimos momentos acontecerem ainda mais intensamente, mas tudo de acordo com a maturidade que ganhamos no desafio que é experimentar essa vida. Não há motivos para preocupar-se com em carreira, currículos e compromissos. Temos reservada, no Brasil, uma vida que nos espera. Aquela terá preocupações e deveres diários, coisas que não fazem parte do cotidiano dos sonhos, mas que são inevitáveis. Imagino que agora será melhor encarar essa vida real à qual voltarei. Sinto que terei experimentado o outro lado da vida, terei vivido algo mais próximo do cotidiano dos sonhos, com menos compromissos e preocupações. Essa é uma grande experiência pelo fato de que se experimenta uma vida diferente e não há nada muito maior que possa ser experimentado.


Deixarei muita coisa para trás e voltarei a ter o que sempre tive. Mas muitas coisas devem retornar comigo. Provavelmente alguns gostos e hábitos terão mudado. Saberei dar mais valor aquilo que sempre tive ao meu lado e que deveria ter apreciado mais. Talvez só perceba no Brasil algumas mudanças. Não será tão fácil voltar para casa. A distância geográfica se compara às diferenças das duas vidas e à possibilidade de viver aquilo novamente. Pode ser complicado, mas é realmente satisfatório por saber que foi possível aproveitar esse tempo ao máximo e que verei sim de outro modo aquela rua em que morei durante 20 anos.