sábado, 22 de janeiro de 2011

A gentileza australiana

Gentileza é uma característica que envolve um conjunto de qualidades. Uma pessoa que age gentilmente demonstra ter, pelo menos, educação, respeito e solidariedade. Por isso, sempre considerei esse um dos mais admiráveis valores de um ser humano. Eu já havia notado que o povo daqui é naturalmente gentil, mas neste sábado passei a valorizá-los ainda mais.

Estávamos voltando da praia ainda úmidos e com areia nos pés. No trem, conversávamos sobre a janta, quando percebemos que faltariam vários ingredientes. Mesmo assim, a ida ao supermercado parecia ficar para o domingo, já que estava ficando tarde, teríamos que nos preparar para a festa e todos estavam cansados. Menos eu. Disposto, me propus a fazer as compras sozinho e garantir uma janta mais gostosa. Eles agradeceram e se despediram. Esperei até a parada seguinte para ir ao glorioso Coles.

Sucos, leites, biscoitos, massas, queijos, margarina, molhos de tomate, carnes e ovos.

- Onze sacolas - alertou a jovem caixa coreana.
- Não tem problema, faço um esforço. Estou bem disposto, posso levar sim - respondi.

Achei um tanto besta o modo como a coreana fez aquele comentário. Tudo já estava pago, então o que adiantaria me avisar? Eu não tinha percebido que realmente era muita coisa, mesmo assim ela não precisava deixar tão claro que duvidava da minha capacidade.

Me despedi da coreana como se não tivesse me importado, até que levantei as sacolas. Aquele ato me fez perceber que não havia maldade no comentário da asiática. Foi naquele movimento que pensei em tudo o que viria pela frente. Lembrei das cinco quadras até a estação de trem e das outras oito entre a estação final e a nossa casa.

Na saída do Coles eu já começava a tremer. Na terceira quadra, eu estava fazendo contagem regressiva. Na quarta, tentava elaborar a próxima postagem para o blog, pensava em qualquer coisa para tentar esquecer aquelas toneladas que estavam penduradas em minhas mãos. Quando cheguei na estação, vi as roletas. Puts, o cartão! Estava dentro de alguma sacola. Teria de largar todos os pacotes, olhar um por um até encontrar o cartão, colocá-lo na máquina, levantar tudo aquilo de novo e passar rapidamente pela roleta antes de ela trancar. Tudo isso cuidando para não quebrar os ovos. Porém, antes mesmo de largar as compras no chão, ouvi uma voz salvadora.

- Pode passar por aqui com as compras - disse o fiscal.
- Muito obrigado! Mas e o car...
- Não precisa de cartão, pode passar por fora com as compras - retrucou o fiscal com simpatia

Essa pequena atitude gentil me poupou um grande esforço e uns mililitros de suor. O fiscal percebeu a dificuldade que eu enfrentava e se solidarizou com a minha situação. Era o suficiente para concluir, sem dúvidas, que aquele cara era gente boa. Agora eu subiria pelas escadas rolantes e esperaria o trem para continuar a minha batalha.

O descanso no trem facilitou o caminho durante as duas primeiras quadras. Faltavam seis. Quando comecei o percurso de subida, a coisa ficou ruim. Não havia maneira de carregar as sacolas que me deixasse menos desconfortável. Na terceira quadra, a dor já tomava conta do meu corpo. Eu não queria desistir, eu poderia superar aquele peso todo. Na quinta quadra, com o rosto vermelho de tanto esforço e os músculos tremendo, cruzo com Jin, a encantadora e tímida vizinha japonesa. Eu não poderia demonstrar sofrimento por causa de uns pacotes, por mais numerosos que fossem. Tentei manter uma aparência de tranquilidade e sorri. Atuei. Até coçei o nariz para mostrar a facilidade com que podia erguer aquela infinidade de sacolas. Por dentro, minhas fibras musculares se rompiam. Nos dedos, a circulação sanguínea estava interrompida havia minutos. Tive que aguentar um breve diálogo com ela, sempre com as compras suspensas. Nos despedimos e segui mais alguns metros no sacrificio. O suor estava prestes a diluir a minha camiseta e eu ainda tinha três quadras para seguir.

Foi aí que uma nova alma iluminada surgiu no meu caminho.

- Se quiser entrar com as compras te ajudo, parecemos estar indo na mesma direção - Uma senhora dentro de uma caminhonete oferecia uma carona milagrosa.

Era daquele tipo de velhinha que todos gostariam de ter como avó. Amável. Quem mais ofereceria carona para um desconhecido daquela maneira? Ela não poderia fazer o mesmo caso não fosse uma pessoa puramente bondosa. Seria tão difícil ser prestativo como aquela velhinha? Não parece. Oferecer uma pequena ajuda, uma palavra ou uma carona não é grande sacrifício perto daquilo por que os outros podem estar passando.

Percorremos três quadras até eu chegar em casa. Foi o suficiente para trocarmos poucas palavras e para eu me encantar com mais um exemplo de pessoa simpática e solidária. Esse é o povo australiano, um povo simplesmente gentil.

5 comentários:

  1. Mas quem não daria uma carona, para um rapaz, bonito e com um ar simpático que está fazendo uma gentileza para os colegas preguiçosos, isso foi uma retribuição a tua gentileza. Tu representas a gentileza, o carisma e a beleza brasileira, com todo esse teu jeito lindo; acredito que não só eu, mas todos que te conhecem te admiram muito.

    Continues assim Dani.

    Beijos com saudade.

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  2. Pô só posso agradecer pelos elogios.
    Agora fico me perguntando: de quem seria tamanha gentileza?

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  3. "de quem seria tamanha gentileza? "

    Acho que tanto tu, assim como a bondosa senhora, e a moça do comentário acima, representam uma qualidade que atualmente faz falta no Brasil.

    Todos deveriam ler esse post e o comentário da moça e seguir o exemplo de vocês três.

    agora fica a questão, quem seria essa moça?

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  4. Teu blog tem me feito refletir muito acreca do ser humano e minhas atitudes. Como oderia pensar antes que um rapaz de vinte anos poderia me ensinar algo?
    Obrigada e muita coisa boa p ti é o que desejo de coração

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  5. desculpa o humor negro, mas estou chorando de rir com seu post! Tadinho :-)

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