quinta-feira, 13 de outubro de 2011

O restaurante oito meses depois

Já são oito meses trabalhando em um restaurante. Estranho estar em frente à churrasqueira e lembrar que costumava frequentar redações e as aulas da faculdade. Estranho não sentir-me como um estranho dentro da cozinha. Descobri que também levo jeito para isso e que a vida pode ser surpreendente. Não que eu queira abandonar o jornalismo para virar assador, mas percebi que podemos descobrir outras possibilidades jamais sequer cogitadas. Foi o que aconteceu com um exemplo bem próximo, Nick, cuja trajetória acompanho desde os seis anos. Estudava para dar aulas de matemática, quando veio à Austrália e decidiu viver da gastronomia.

Muito mais do que lidar com carne, carvão e fogo, essa atividade proporciona situações peculiares. Seu Miguel, assunto de um post de abril, segue firme e forte, comendo sua picanha de segunda a sexta. Hoje, passados alguns meses, viramos amigos. Ele, que viveu de Getúlio a Dilma, é uma enciclopédia viva. Não fosse a churrascaria, eu não teria a chance de trocar experiências com alguém que fala nove línguas e que conheceu um quinto do Planeta Terra. Uma aula de história quase diária, das 17h às 17h45. Hoje, guardo com carinho uma moeda de prata com desenhos apagados. Uma relíquia de 800 anos de história que ganhei do colecionador Seu Miguel. Objeto cujo valor não está naquilo que pouco aparece de sua superfície mas no que 800 anos de história representam.

Depois de uns meses, também aprimoramos a própria função e adquirimos mais segurança e conforto para exercê-la. Com o tempo, pude passar a observar com mais atenção a reação dos clientes quando provam algo que preparo. Consigo conversar com eles e medir sua satisfação após um jantar. Observar o contentamento ou, às vezes, certa insatisfação na reação dos clientes aumenta a vontade de se superar a cada dia. Isso prova o valor que acabamos dando àquela nova atividade. A grande maioria dos colegas também nunca havia trabalhado nessa área. Conseguimos a façanha de conciliar perfeitamente amizade e trabalho. Juntos fazemos o restaurante funcionar com qualidade. Todos em constante aprendizado e tirando suas lições a cada situação.

Acabamos nos adaptando a muita coisa em função da profissão, mas não é fácil deixar de estranhar algumas situações. É difícil, por exemplo, se acostumar a jantar às seis horas da tarde (duas horas antes de anoitecer) como fazem muitos clientes. Ver grupos de vinte adolescentes comemorando um aniversário em uma janta comportada e silenciosa também ainda surpreende. Também é sempre curioso notar a dificuldade dos clientes em apreciar um exótico coração de galinha servido no espeto. São comportamentos, inclusive os pequenos atos, que revelam outro modo de ser. Não fosse por essas situações, não seríamos capazes de quebrar tabus e preconceitos.

As pessoas crescem a partir das experiências, das novidades que surgem. Quanto mais situações são vividas, mais experiente uma pessoa se torna. E são essas as pessoas mais interessantes. Não é a toa que me agrada tanto conversar com Seu Miguel. Quem sabe um dia terei tanta história para contar quanto ele...

3 comentários:

  1. Sempre ótimo conversar com os sábios.
    Valeu por atualizar, Dani!
    abraço,

    Emanoel

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  2. Saudade de ler as tuas histórias que eu amo tanto.
    Adorei
    bjs
    Regilove

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  3. Fala Dabiel,

    Gostei muito dos textos! Estou indo para Sydney dia 6 do próximo mês, com um amigo que por sinal também é gremista. Lendo seus post's fiquei mais tranquilo com relação a essa nova experiencia!

    Abraço e boa sorte

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